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domingo, 3 de abril de 2011

Exaltação da fé de Alencar distorce a visão do tratamento de câncer

Título original: O direito de se sentir miserável

por Suzana Singer, ombudsman da Folha

O obituário de José Alencar ressaltou, em todos os veículos, sua "força de vontade", "fé em Deus" e "alegria de viver". Foi o seu calvário público, fato raríssimo em políticos, que o tornou tão popular.


Se serviu de estímulo para muitos pacientes, a cobertura que a mídia fez da luta do ex-vice-presidente pode ter criado também uma visão distorcida do que é realmente um tratamento oncológico.

É esclarecedor reler a coluna "A força do pensamento", de Drauzio Varella, em que ele diz que, em 40 anos de medicina, nunca viu alguém se curar com o poder da mente.

Drauzio alerta para um possível efeito colateral da sobrevalorização do aspecto psicológico: acaba-se por responsabilizar o doente pelo seu destino.

O oncologista exemplifica com a pessoa que está com dor, desnutrida, enfraquecida a ponto de não parar em pé e tem de ouvir de amigos: "você precisa reagir", "não entrega os pontos".

"Ele foi muito valente, porque acreditava em Deus. Tenho fé, mas não sei se tenho a mesma coragem", diz Mauricio de Pierre Bolfarini, 44, que combate um câncer de estômago. Sua mulher citava Alencar quando ele desanimava. "Olha só, um senhor de idade, operou não sei quantas vezes e está forte!"

A perseverança de José Alencar era admirável, mas é injusto tomá-lo como paradigma. O otimismo ajuda no tratamento porque torna o paciente mais colaborativo, mas e os que sucumbem à doença mais rapidamente (ou dentro dos prognósticos médicos)? O que isso significa? Que eles não tinham suficiente vontade de viver?

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