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sexta-feira, 1 de abril de 2011

Parecer do MP do Estado de SC (energia elétrica da Catedral de Fpolis)

Apelação Cível nº 2011.005524-3, da Capital

Apelante: Izidoro Azevedo dos Santos
Apelados: Mitra Metropolitana de Florianópolis
                Estado de Santa Catarina
                Celesc Distribuição S/A
Relator Desembargador Luiz Cézar Medeiros
Procurador de Justiça Ricardo Francisco da Silveira




Colenda Câmara,

Excelentíssimo Desembargador Relator



Trata-se de apelação interposta por Izidoro Azevedo dos Santos, eis que inconformado com o teor da sentença proferida nos autos da Ação Popular nº 023.09.061694-7, na qual o Magistrado de primeiro grau julgou improcedente o pedido inicial formulado em face de Mitra Metropolitana de Florianópolis, Estado de Santa Catarina e Celesc Distribuição S/A, por entender que não há qualquer ilegalidade no fato de os templos e instituições eclesiásticas terem suas faturas de energia elétrica pagas pelo Poder Público estadual.

A insurgência recursal funda-se, preliminarmente, na alegação de nulidade da sentença por cerceamento de defesa, haja vista que o togado de primeiro grau julgou antecipadamente a lide, apesar de o artigo 7º, inciso V, da Lei nº 4.717/65, exigir a intimação prévia das partes para especificação de provas e apresentação de alegações finais. No mérito, o recurso insiste na tese de que os templos e igrejas não podem ser agraciados com isenções tarifárias, sendo portanto inconstitucional o custeio da energia elétrica da Catedral Metropolitana de Florianópolis pelo Estado de Santa Catarina.

Apresentadas as contrarrazões (fls. 161/176), vieram os autos a esta Procuradoria de Justiça para manifestação.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, o recurso deve ser conhecido e, quanto ao objeto, desprovido. Da início, há de se rejeitar a preliminar de nulidade da sentença.
O julgamento antecipado da lide era perfeitamente viável, pois o deslinde do litígio dependia apenas da análise dos documentos colacionados ao feito e da matéria subjacente, já que restou incontroverso nos autos que a energia elétrica da Catedral Metropolitana de Florianópolis é custeada pelo Poder Público - fato confirmado por todos os apelados, em suas respectivas contestações.

É preciso considerar ainda que o julgador está autorizado a conhecer diretamente do pedido quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de produzir prova em audiência, nos termos do artigo 330, inciso I, do Código de Processo Civil - aplicável à Ação Popular (STJ-1ªT., REsp 97.308-MT, Rel. Min. Garcia Vieira, DJU 20.4.98).

A anulação da sentença não se justifica, porquanto tal medida importaria em formalismo exacerbado, sem contribuir de modo efetivo à resolução da causa. Quanto à matéria de fundo, conclui-se que a sentença merece reparo.

Diferentemente do que entendeu o Magistrado prolator da decisão recorrida, a pretensão formulada pelo apelante na inicial da ação popular não é destituída de fundamento.

Consoante destacado por ocasião da análise da preliminar de cerceamento de defesa, restou incontroverso nos autos que os gastos de energia elétrica da Catedral Metropolitana de Florianópolis são custeados pelo Estado de Santa Catarina. A própria Celesc admitiu em sua contestação que a unidade de consumo da “Fundação Vicentina”, com sede na Catedral Metropolitana (medidor de nº 12185863), tem a fatura vinculada ao Gabinete da Chefia do Executivo estadual (fl. 30). O Estado de Santa Catarina, por sua vez, confirmou as informações prestadas pela Celesc, limitando-se a defender a legalidade da subvenção outorgada à Catedral.

O togado singular entendeu que a Igreja Metropolitana de Florianópolis, por deter importância histórica e cultural para a sociedade catarinense, merece ter seus gastos com energia elétrica custeados pelo Poder Público estadual.

Não se comunga, entretanto, do entendimento exarado na sentença.
A Constituição da República proíbe, em seu artigo 150, inciso VI, alínea “b”, que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios instituam impostos sobre templos de qualquer culto. A imunidade prevista no texto constitucional abarca tão-somente os impostos e, portanto, não desonera as igrejas e templos do pagamento de taxas e outros tributos, nem autoriza a concessão de isenção de tarifas pelo Poder Público.

O artigo 19, inciso I, da Constituição da República, ainda veda que os entes federados subvencionem cultos religiosos ou igrejas, ressalvando apenas a colaboração de interesse público, a ser definida na forma da lei.

No caso, apesar da existência das Leis Estaduais nº 4.651/71 e nº 14.357/2008, por meio das quais o Poder Executivo estadual declarou de utilidade pública a Catedral Metropolitana de Florianópolis, é preciso considerar que o conceito de “utilidade pública” designado nos referidos diplomas não pode estar dissociado dos mandamentos introduzidos no ordenamento jurídico pela Constituição da República, dentre os quais se destacam os princípios da Administração Pública previstos no caput do artigo 37 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência).

Não se discute a relevância histórica e cultural da Catedral Metropolitana de Florianópolis. A igreja se localiza no centro da capital catarinense, nas adjacências da Praça XV de Novembro e, como bem ressaltou o Magistrado na sentença, é referência arquitetônica e histórica que certamente não deve ser ignorada.

Entretanto, não parece que a importância histórica da Catedral justifique, por si, que o Estado de Santa Catarina despenda recursos públicos para custear a energia elétrica consumida pelo templo.

Como é cediço, a capital catarinense conta com inúmeros prédios históricos – alguns tão ou mais antigos e importantes do ponto de vista cultural quanto a Catedral Metropolitana – que não gozam de benefícios ou isenções quanto ao pagamento de tarifas e outros serviços.

Tome-se como exemplo o caso dos prédios tombados pelo Poder Público. Em que pese a reconhecida relevância dessas construções para o patrimônio histórico, artístico e cultural, são seus proprietários que detêm o dever exclusivo de conservá-los e preservá-los, não contando com a ajuda financeira da Administração Pública.

Não existe, como ressalvado, autorização constitucional para que as igrejas sejam agraciadas com isenções tarifárias. Pelo contrário, o artigo 19, inciso I, da Constituição da República, veda expressamente que o Poder Público subvencione as igrejas e templos.

Não se vislumbra, além disso, de que modo o pagamento do consumo de energia elétrica da Catedral pelo Estado possa atender ao interesse público. As atividades desenvolvidas na igreja matriz não se enquadram nas hipóteses delineadas pelo rol de incisos do artigo 1º, da Lei Estadual nº 15.125/2010, que dispõe sobre o reconhecimento de utilidade pública pelo Estado de Santa Catarina (fls. 86/87).

De fato, a Catedral, conquanto goze do título de “utilidade pública”, não se destina à prestação de serviços à toda a coletividade. Na igreja matriz realizam-se ritos e atividades eclesiásticas exclusivos da Igreja Católica, dos quais participam somente seus fiéis. E mesmo que não se ignore a predominância do catolicismo no Estado de Santa Catarina, não parece legítimo, à luz dos princípios constitucionais, que os seguidores de outras doutrinas religiosas – tão contribuintes quanto os católicos – possam ser compelidos a arcar com custos de uma agremiação religiosa que, afora sua importância arquitetônica e histórica, não lhes presta qualquer serviço.

Diferente é a situação de outras instituições, que também têm a energia elétrica custeada pelo erário estadual e que foram citadas pelo Estado de Santa Catarina para corroborar a legalidade da isenção tarifária concedida à Mitra Metropolitana.
Veja-se o caso do Asilo de Mendicidade Irmão Joaquim, adjunto à Maternidade Carlos Corrêa, na Capital. A referida instituição, de fins não econômicos, se destina à prestação de serviços de assistência e amparo social a todos os cidadãos que dela dependam, independentemente de preferência ou adesão religiosa. Nessa hipótese específica, o custeio da energia elétrica pelo Estado é perfeitamente justificável, mesmo porque o serviço prestado pelo asilo beneficiado está incluído dentre aqueles serviços de interesse público que caberia ao próprio Estado prestar à população.

Convém mencionar, aliás, que a Jurisprudência já enfrentou o tema   debatido nestes autos, tendo se manifestado pela ilegalidade da isenção tarifária concedida à Igreja Católica. Em julgamento proferido em 16.12.2008, o Tribunal de Justiça do Estado do Paraná confirmou sentença condenatória proferida em ação civil pública aforada pelo Ministério Público paranaense, entendendo que o custeio do consumo de energia elétrica de instituição religiosa pela Prefeitura de Maringá ofendia os princípios constitucionais da Administração Pública. No julgado, os agentes públicos identificados como responsáveis pelo pagamento das faturas de energia da igreja foram, inclusive, condenados por improbidade administrativa:
1. A utilização do erário para quitar gastos de energia elétrica de entidade religiosa é contra a Constituição Federal, o que ofende, sem dúvida pelo menos os princípios da Administração Pública.
2. A ocorrência de dano, o dolo, culpa e má-fé são irrelevantes para a caracterização do ato de improbidade.
3. As penas da lei de improbidades devem ser aplicadas cumulativamente, sendo aplicável a proporcionalidade apenas na sua mensuração.
[...]
No caso dos autos, não há negativa por parte dos apelados de que, de fato, houve pagamento de energia elétrica da apelada Mitra com verbas do erário, que é abastecido pelo sagrado dinheiro do contribuinte. [...]
É cediço que o administrador público deve agir sempre dentro dos limites da lei, diferente do particular, a quem é conferido fazer o que a lei permite e o que ela não proíbe. É o que a doutrina e a jurisprudência chamam de princípio da estrita legalidade.
O ato praticado pelos apelados não observou o a lei - porque lei não há que os autorizasse a pagar contas particulares de energia elétrica de entidade religiosa particular! -; ao contrário, trata-se de ato contrário à Constituição Federal, que impossibilita entes públicos de subvencionar entidades religiosas.
É evidente, pois, que o ato praticado, pelo desrespeito à CF/88, afrontou o princípio da legalidade, de observância obrigatória e norteador de todos os atos da Administração Pública. Também violados os princípios da moralidade e impessoalidade. A violação da Constituição Federal é patente! (TJPR. Apelação Cível nº 437180-8, de Maringá - 6ª Vara Cível, Relator Desembargador Rosene Arão de Cristo Pereira, data: 16.12.2008).

Em que pese o entendimento exarado pelo representante ministerial de primeiro grau e pelo Magistrado na sentença, não há como defender que o contribuinte catarinense, já tão onerado pela pesada carga tributária imposta pelos fiscos federal, estadual e municipal, seja obrigado a custear despesa de instituição religiosa particular, que, diga-se de passagem, conta com amparo financeiro bastante sólido (incontroverso, histórico). E nem se fale no que já foi gasto em reformas...

Espera-se que a arquidiocese administradora da Catedral arque, no mínimo, com as despesas mínimas necessárias ao funcionamento das atividades eclesiásticas desenvolvidas no prédio da igreja matriz, seu edifício mais importante.

Desta feita, a sentença recorrida merece ser reformada por este Juízo ad quem, a fim de que seja declarado nulo o ato administrativo por meio do qual o Estado de Santa Catarina assumiu o ônus de custear as despesas de energia elétrica da Catedral de Florianópolis, condenando-se a Mitra Metropolitana a devolver ao erário público os valores despendidos pelo Poder Público estadual. 

Ante o exposto, o Ministério Público se manifesta pelo conhecimento e provimento da apelação interposta.

Florianópolis, 1º de março de 2011.


            Ricardo Francisco da Silveira
      Procurador de Justiça 

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