RELATOR - CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ
EMBARGANTE - UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
EMBARGADO - VITALINA MARIA FROSI
ADVOGADO - ALEXANDRE WALTRICK RATES
EMBARGADO - CARLOS ANTONIO SEBBEN
ADVOGADO - ALEXANDRE WALTRICK RATES
ARYAM TADEU BALBINOTTI
EMENTA
PROCESSUAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. ILHA DE SANTA CATARINA. ILHA COSTEIRA. IMÓVEL REGISTRADO EM NOME DE PARTICULAR. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. PARCIALIDADE DO IMÓVEL. TERRAS DEVOLUTAS.
1. A Ilha de Santa Catarina, em que situada a cidade de Florianópolis, se trata de ilha costeira.
1.2. O texto constitucional em vigor manteve a norma anterior que atribuía à União o domínio sobre as ilhas costeiras, o qual não é absoluto, uma vez que foram ressalvadas as áreas que estiverem no domínio do Estado, do Município e, ainda, de particulares.
1.3. A regra, então, é a de que as ilhas costeiras, em princípio, pertencem ao patrimônio da União; porém, poderão integrar o domínio do Estado, desde que não sejam tituladas por Municípios ou por particulares.
2. O art. 1º do Decreto-lei n. 9.760/46, que incluía dentre os bens da União as ilhas situadas no mares territoriais ou não, não foi recepcionado, neste tópico, pela Constituição de 1967.
3. A qualificação de determinada área como sendo de preservação permanente não a insere, por si só, no domínio público. Há compatibilidade legal entre o domínio privado e a delimitação da área de preservação permanente, configurando-se, apenas, limitação administrativa à propriedade, estabelecida em prol do interesse coletivo de preservação ecológica.
4. A respeito de "Terras Devolutas", já decidiu a Turma em diversos precedentes que há que ser demonstrada a sua condição e não presumida, cabendo à União o ônus da prova.
5. Embargos de declaração parcialmente providos, sem efeitos infringentes, para as razões integrarem o acórdão impugnado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento aos aclaratórios, sem efeitos infringentes, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 28 de junho de 2011.
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator
Documento eletrônico assinado por Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4309646v6 e, se solicitado, do código CRC 8191F8FA.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ:43
Nº de Série do Certificado: 3300B0BA8631F09D
Data e Hora: 29/06/2011 17:45:08
Documento eletrônico assinado por Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4309646v6 e, se solicitado, do código CRC 8191F8FA.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ:43
Nº de Série do Certificado: 3300B0BA8631F09D
Data e Hora: 29/06/2011 17:45:08
Embargos de Declaração em Apelação/Reexame Necessário Nº 5011253-30.2010.404.7200/SC
RELATÓRIO
Trata-se de embargos de declaração opostos pela UNIÃO, com fulcro no art. 535, II, do CPC e para fins de prequestionamento.
É do seguinte teor a ementa do acórdão embargado, verbis:
CONSTITUCIONAL. ILHA COSTEIRA. TERRAS DEVOLUTAS. INOCORRÊNCIA. PROPRIEDADE PRIVADA. MATRÍCULA. ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. LIMITAÇÃO LEGAL.
Improvimento da apelação e da remessa oficial.
Sustenta a parte embargante: "O domínio, na área litigada, é mera continuação daquele que desde o ano de 1500 pertence ao Estado, seja enquanto Reino, seja já como República. A União está livre de provar seu domínio, que assim o é de pleno jure; o particular é que teria de provar que a área postulada advém de situação diversa das contidas na legislação, vale dizer, que alhures foi desmembrada legitimamente do domínio público"; "A parte autora não comprovou o domínio ou o desmembramento da área localizada em ilha marítima, integrante do patrimônio da União, inexistindo título hábil de domínio sobre terras públicas. Prevalece, por isso, o domínio da União sobre o terreno pleiteado, que se situa em ilha costeira, e não pode ser adquirido por usucapião"; "Inexistindo, in casu, a prova da posse anterior à vigência do Código Civil, o pedido há de ser julgado improcedente e reformado o r. acórdão do tribunal local, por negativa de vigência ao artigo 333, inciso I do Código de Processo Civil"; "as certidões apresentadas pelo réu são nulas, seja pela ilicitude de seu objeto, seja pela sua impossibilidade jurídica"; "Destaque-se, por fim, que os bens imóveis da União não estão sujeitos a usucapião".
É o relatório. EM MESA.
VOTO
No que diz com o reconhecimento de se tratar a Ilha de Santa Catarina de ilha costeira, a possibilidade de registro de imóvel nela situado em nome de particular, bem assim de não ser empecilho para tanto o fato de existir Área de Preservação Permanente em parte do imóvel, pertinentes as considerações desenvolvidas pelo eminente Desembargador Federal, Luiz Carlos de Castro Lugon, proferido quando do julgamento da AC nº 2004.04.01.008189-0, pela Turma, verbis:
O imóvel usucapiendo, está claro nos elementos de prova e na descrição da sua caracterização e localização, situa-se no perímetro da ilha de Florianópolis, cujo território, em face da sua classificação como ilha costeira, é passível de ser havido por particulares via prescrição aquisitiva. Peço vênia para, no tocante à juridicidade da pretensão declaratória deduzida nesta demanda, reproduzir voto da i. Desembargadora Federal SILVIA GORAIEB, Presidente deste Colegiado, lançado à ocasião do julgamento da AC n. 2000.72.00.008768-9/SC, que, com sua peculiar maestria e objetividade, bem solve o tema, arredando os obstáculos alevantados pela União contra a procedência do pleito, in verbis:
A questão discutida nos autos diz respeito à titularidade do domínio das ilhas marítimas, já que tanto a Constituição Federal de 1967, quanto a de 1988 contêm dispositivos que as incluem entre os bens da União.
O art. 4º da Constituição de 1967, inalterado pela Emenda Constitucional de 1969, referia-se às ilhas oceânicas como sendo de domínio da União:
"Art. 4º Incluem-se entre os bens da União:
..........
....................................................
II - os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, constituam limite como outros países ou se estendam a território estrangeiro; as ilhas oceânicas, assim como as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;"
Sobre o tema, quando do julgamento do RE nº 101.037 (RTJ 113:1279), em 1985, o Ministro Francisco Rezek alertou para a necessidade de dar-se à expressão mencionada a devida abordagem técnica, a qual foi sintetizada pelo geógrafo Aroldo de Azevedo nos seguintes termos:
"As ilhas marítimas classificam-se em costeiras e oceânicas. Ilhas costeiras são as que resultam do relevo continental ou da plataforma submarina; ilhas oceânicas são as que se encontram afastadas da costa e nada têm a ver com o relevo continental ou com a plataforma submarina."
Partindo do conceito acima transcrito, entendeu o Supremo Tribunal Federal que a ilha de Florianópolis não é passível de classificação como ilha oceânica e, como tal, seria inadmissível simplesmente deixar de reconhecer o domínio privado dos particulares nela instalados:
"A ler a expressão ´ilhas oceânicas´ o que lêem, neste momento, os patronos da fazenda federal, e dada a realidade elementar de que contra o comando constitucional não há direito adquirido ou ato jurídico perfeito que se contraponha, teremos que três Unidades federais - não menos que três Unidades federadas - perderam, em 1967, suas capitais para o patrimônio da União. Em São Luís do Maranhão, bem assim em Vitória e Florianópolis, o Estado e o Município já não deteriam seus bens dominicais, nem os de uso especial, nem os de uso comum do povo. Ter-se-ia extinto, igualmente, o patrimônio privado. Do palácio do governo à casa de família, da catedral ao clube recreativo, das lojas e fábricas à praça pública, tudo se haveria num repente convertido em patrimônio da União por obra do constituinte de 67, tomado este - e logo este - por um rompante de audácia que teria assombrando os legisladores da Rússia de 1918."
A situação não foi alterada com a promulgação da Constituição de 1988, salvo pelo fato de que os dispositivos atinentes à matéria em tela são mais claros quanto à distinção feita pelo constituinte entre as ilhas marítimas, referindo-se expressamente a ilhas oceânicas e ilhas costeiras:
"Art. 20. São bens da União:
......................................................
IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes como outros países; as praias marítima; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II.
Art. 26 . Incluem-se entre os bens dos Estados:
.....................................................
II - as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;"
Como se vê, o texto constitucional em vigor manteve a norma anterior que atribuía à União o domínio sobre as ilhas costeiras. Todavia, este não é absoluto, uma vez que foram ressalvadas as áreas que estiverem no domínio do Estado, do Município e, ainda, de particulares.
A regra, então, é a de que as ilhas costeiras, em princípio, pertencem ao patrimônio da União; porém, poderão integrar o domínio do Estado, desde que não sejam tituladas por Municípios ou por particulares.
Na ressalva constante do art. 26 citado, encontra-se a ilha de Santa Catarina que, por isso mesmo, é passível de usucapião, como já decidiu a Segunda Turma desta Corte, no julgamento da AC nº 98.04.04891-5/SC, na sessão de 21.11.91 (DJ de 29.01.92), sendo Relatora a Exma. Juíza Luíza Dias Cassales:
"USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA. POSSE NÃO TITULADA. ILHA DE SANTA CATARINA. TERRENOS DE MARINHA.
1. A ilha de Santa Catarina, por ser ilha costeira, não integra o patrimônio da União, quando estiver dentro dos limites do art. 26, II, ressalvado pelo art. 20 da CF.
2. A posse por mais de vinte anos, da área não titulada, foi homologada pelo juízo. Trata-se, portanto, da usucapião extraordinária, que se caracteriza pela maior duração da posse, e por dispensar o justo título e a boa-fé.
3. Os terrenos de marinha, que pertencem à União, terão de ser reservados, não podendo integrar a área usucapienda.
4. Apelo provido."
Do acima exposto, conclui-se que a área descrita na inicial pode ser objeto de usucapião, porque o art. 26, inc.II, ao incluir entre os bens do Estado as ilhas oceânicas e costeiras, excepciona aquelas que estejam sob o domínio da União, dos Municípios ou de terceiros.
(...)
Veja-se, ainda, o art. 1º do Decreto-lei n. 9.760/46, que incluía dentre os bens da União as ilhas situadas no mares territoriais ou não, não foi recepcionado, neste tópico, pela Constituição de 1967. É que o diploma constitucional, acerca do tema, foi mais comedido, aludindo como sendo da União apenas as ilhas oceânicas (art. 4º, II, acima reproduzido), conceito no qual, vale repetir, não se insere a Ilha de Santa Catarina.
(...)
Segundo levantamento efetuado pelo IBAMA, bem assim as afirmações das testemunhas, existe na área um cordão de dunas, as quais têm proteção legal, sendo considerada a área como de preservação permanente (art. 2º, f, da Lei n. 4.771/65 e art. 3º, IX, b, e XI da Resolução CONAMA n. 303/02).
Importante consignar que as dunas estão situadas nos fundos da área objeto do pedido de declaração, não dominando, pois, a integralidade do imóvel. A caracterização de parte do imóvel como área de preservação permanente não implica obstáculo legal ao seu assenhoramento pelo particular, podendo, então, ser objeto de usucapião. É que a qualificação de determinada área como sendo de preservação permanente não a insere, por si só, no domínio público. Há compatibilidade legal entre o domínio privado e a delimitação da área de preservação permanente; configura-se, apenas, limitação administrativa à propriedade, estabelecida em prol do interesse coletivo de preservação ecológica. O proprietário tem, apenas, contido o exercício do domínio, com a supressão do seu livre gozo, que deverá atender às regras de preservação e conservação do sistema natural compreendido na sua propriedade. A limitação administrativa tem respaldo no exercício do poder de polícia ambiental, assim abordado pela doutrina:
Poder de polícia ambiental é a atividade da Administração Pública que limita ou disciplina direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou a abstenção de fato em razão de interesse público concernente à saúde da população, à conservação dos ecossistemas, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas ou de outras atividades dependentes de concessão, autorização/permissão ou licença do Poder Público de cujas atividades possam decorrer poluição ou agressão à natureza.
O poder de polícia age através de "ordens e proibições, mas, e sobretudo, por meio de normas limitadoras e sancionadoras", ou "pela ordem de polícia, pelo consentimento de polícia, pela fiscalização de polícia e pela sanção de polícia.
O campo de atuação de poder de polícia originariamente restringir-se-á segurança, moralidade e salubridade, expandindo-se atualmente para a defesa da economia e organização social e jurídica "em todas as ordens imagináveis". Analisaremos os meios de atuação do poder de polícia ambiental mais à frente.
(Paulo Affonso Leme Machado, in Direito Ambiental Brasileiro, Malheiros, 1999, 253/254).
Pertinente a respeito, ainda, precedente da Quarta Turma da Corte, verbis:
CIVIL. USUCAPIÃO. ILHA DE SANTA CATARINA. - (...)- A Emenda Constitucional 46/05, alterou o inciso IV, do art. 20, da Constituição de 1988, para excluir da propriedade da União as áreas situadas em ilhas costeiras que contenham sede de municípios, e que não estejam afetadas ao serviço público ou a unidade ambiental federal.
(STJ, AC 200272000076561, AC - APELAÇÃO CIVEL, Relator VALDEMAR CAPELETTI, QUARTA TURMA, DJ: 19/10/2005, P.: 1088)
Desse modo, inexistem reparos à sentença recorrida, verbis:
Francamente, não consigo imaginar como a União obteve a conclusão de que o imóvel dos réus se caracteriza como terra devoluta, se na própria petição inicial foi afirmado que ele está matriculado em nome deles no Registro de Imóveis. Segundo DI PIETRO (Direito Administrativo, 13. ed., São Paulo : Atlas, 2001, p. 575), "continua válido o conceito residual de terras devolutas como sendo todas as terras existentes no território brasileiro, que não se incorporaram legitimamente ao domínio particular, bem como as já incorporadas ao patrimônio público, porém não afetadas a qualquer uso público" (grifei). Neste aspecto, também não há qualquer alegação de nulidade do registro - fato que parece ser incontroverso.
Por outro lado, nada tem a ver com a questão o fato de o imóvel conter área de preservação permanente. A declaração de "limitação de seu uso pelos réus" (conforme consta do pedido em ordem sucessiva) é outro absurdo, visto que a limitação já decorre da Lei.
Fixo os honorários periciais no montante requerido e justificado pelo perito à fl. 321 (R$ 4.420,00), considerando a qualidade do trabalho e as horas despendidas pelo profissional - embora inutilmente para os fins deste processo.
Ante o exposto, rejeito a pretensão e condeno a União no pagamento atualizado (conta em anexo) dos honorários periciais e advocatícios, arbitrados respectivamente em R$ 4.750,51 e R$ 6.010,90. Retifique-se a autuação (fl. 406 a 409). Intimem-se. Vista ao Ministério Público Federal. Se não houver recurso voluntário, remetam-se.
Ademais, também a respeito de "Terras Devolutas", já decidiu a Turma em diversos precedentes que há que ser demonstrada a sua condição e não presumida. Nesse sentido:
- A condição de terra devoluta não se presume, deve ser comprovada por quem a alega, como decidido pelo Supremo Tribunal Federal. Ônus da prova que incumbe à União. -
(TRF4, AC 96.04.13016-1, Quarta Turma, Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ 06/06/2001)
Logo, é caso de prover em parte os aclaratórios, sem efeitos infringentes, tão somente para os fundamentos supra integrarem a o acórdão embargado.
Ante o exposto, voto por dar parcial provimento aos aclaratórios, sem efeitos infringentes.
É o meu voto.
Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz
Relator
-=-=-=-=-
Fonte: PORTAL DO TRF 4ª Região
Um comentário:
Postar um comentário