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segunda-feira, 9 de agosto de 2010

O Sacro Império do Vaticano


06.Nov.08 ::

“Nos tempos modernos, a Igreja Católica surge, invariavelmente, em paralelo com as teorias e as práticas de uma escola capitalista liberal que procura instalar e consolidar conceitos de um expansionismo ilimitado baseado nas novas tecnologias e nas audácias da livre iniciativa sem travões. O alvo é o lucro e a sua acumulação, nos quadros de uma proclamada «sociedade da abundância» edificada sobre os escombros das gerações anteriores”


A espessa crise económica e financeira em que o capitalismo mergulha volta a suscitar interesse pela história do passado recente e pelas facetas secretas do problema que se disfarçam entre as pregas das togas dos banqueiros. Nomeadamente (não hesitemos em afirmá-lo) pelo papel determinante que no «sobe-e-desce» das bolsas as centrais católicas desempenham. Esta questão é determinante.

Como introdução a outras informações disponíveis, acerca do universo bancário que o Vaticano domina, poderá ajustar-se o texto de um autor italiano – Nino Lo Bello – que numa obra densamente fundamentada, intitulada «O empório do Vaticano» escreveu a certo passo: «Jamais esquecerei a primeira vez que estive num banco da Cidade do Vaticano a observar os “caixas” no seu trabalho, atendendo freiras, jesuítas, missionários e bispos. Num momento de acalmia, disse a um dos caixas: - “Suponho que alguns dos seus clientes, na sua qualidade de religiosos, não saberão muito de dinheiro”. Então, o jovem funcionário deu a resposta correcta a esta demonstração de ingenuidade, comentando com a precisão de uma calculadora: - “A minha experiência diz-me que todos eles sabem muito de dinheiro”».

Lo Bello acrescenta depois ser sua intenção que o livro de que é autor «tente clarificar as relações do Vaticano com o cifrão do dólar, símbolo hoje tão poderoso como o da cruz».

Esse é um trabalho que se impõe também desenvolver entre nós.

Nos tempos modernos, a Igreja Católica surge, invariavelmente, em paralelo com as teorias e as práticas de uma escola capitalista liberal que procura instalar e consolidar conceitos de um expansionismo ilimitado baseado nas novas tecnologias e nas audácias da livre iniciativa sem travões. O alvo é o lucro e a sua acumulação, nos quadros de uma proclamada «sociedade da abundância» edificada sobre os escombros das gerações anteriores. Para que estes fins sejam rapidamente atingidos terão de subestimar-se as questões da segurança económica e as regras elementares da ética social.

Dizia Kenneth Galbraith, um dos grandes mentores do capitalismo que «por assim dizer, a falta de segurança é inerente ao modelo de sociedade competitiva… mas há quem acredite que com paciência, fé e orações, não será impossível evitar simultaneamente o desemprego, a inflação e os controlos económicos» («Sociedade da Abundância», capítulos VIII e XXI).

Galbraith escreve esta passagem com frio sentido de humor …

A expansão do Sacro Império

No Vaticano, um contemporâneo de Galbraith partilhava as mesmas ideias. Bernardino Nogara (1870/1958) recebeu dos cardeais as funções de administrador de um fundo de 90 milhões de dólares, pagos pelo Estado italiano à Santa Sé a título de indemnizações pela extinção dos Estados Papais. Em lugar de pôr o dinheiro a render, Nogara aplicou-o nos negócios e em todo o mundo. O banqueiro lançou a sua primeira rede de informadores financeiros e passou a coordenar os dados recebidos através da malha internacional de núncios, bispos e especialistas católicos. Investia, recolhia os lucros e entregava-os a empresas dominadas pelo Vaticano. Então, essa empresa ou grupo de empresas depositava o montante na Suíça, creditava-se a si própria pelos juros que pagaria nos EUA e reinvestia o capital noutros negócios seguros. Estes capitais eclesiásticos e esta política financeira, já então tipicamente neocapitalista, aumentou depois com as aplicações das cláusulas monetárias do Tratado de Latrão (1929) que institucionalizou o reconhecimento do Vaticano por parte do estado fascista italiano. Mussolini pagou à Igreja 40 milhões de dólares, de uma só vez; mais 50 milhões através da transferência de acções da dívida pública; finalmente, aceitou responsabilizar-se pelo pagamento dos salários dos padres italianos residentes, pela isenção de impostos dos funcionários da Santa Sé e pela entrega à gestão eclesiástica das «corporações caritativas» que funcionavam em Itália. Por aqui podemos ver como, de certo modo, o contexto histórico de 1929 não era tão diferente do actual como agora se pretende. Entre ontem e hoje há um nítido paralelo: anos de bancarrota e de miséria, de desemprego maciço, de agravamento da insegurança económica e social. Mas, igualmente, anos doirados para a Igreja, trânsito aberto ao grande capital e às fortunas e espaços sociais vazios onde a Hierarquia manobra à vontade.

Nogara viu na «grande crise» das bolsas o momento certo para comprar, vender e especular. Comprou por atacado grandes empresas petrolíferas falidas no mercado dos carburantes. Passou assim a controlar a “Italgás” (cuja maioria de capital a Igreja conserva) e o fornecimento exclusivo do gás a 36 grandes cidades italianas. Na área financeira investiu nos grandes bancos e mutualidades de reputação mundial, como o Banco di Roma, o Banco do Santo Espírito, o Crédito Rural, o Crédit Suisse, o JP Morgan, o Hambros Bank, o Chase Manhattan, o First National Bank, o Continental, etc., etc. Hoje, tantos anos passados, não é sem algum espanto que se constata estarem a surgir de novo os nomes desses gigantescos bancos falidos, comprados e ressuscitados por Nogara, nas listas de intervenção e socorro dos estados capitalistas aos grandes bancos para onde os governos canalizam biliões de dólares.

Nogara morreu em 1958 e foi canonizado poucos anos depois. Bem podem os papas ficar gratos a este verdadeiro génio mau do capitalismo eclesiástico. Com ele, o Vaticano atingiu dimensões financeiras nunca vistas. Para além das áreas já referidas, a Igreja passou a dominar os mercados do imobiliário, dos seguros, da siderurgia, dos produtos alimentares, da hotelaria, do turismo, do ensino privado, dos desportos, da comunicação social, etc., etc. Inclusivamente, aplicou-se no fabuloso negócio dos armamentos. Um exemplo de que assim foi já nos tempos do fascismo italiano pode ir buscar-se aos contratos firmados entre a empresa de munições “Nogara” e Mussolini. A fábrica trabalhava noite e dia para fornecer explosivos às hordas fascistas que devastavam, nesse tempo, a Abissínia.

O mito da «piedade» e do «filantropismo da igreja» agigantou-se nos tempo de Nogara e serviu para encobrir gigantescos negócios financeiros, mesmo aqueles que decorriam à margem da lei. A verdade viria a revelar-se um pouco após a morte do banqueiro, com os escândalos do Banco Ambrosiano, do cardeal Marcinkus, das fraudes fiscais, dos off-shores, das ligações com a Mafia e com crimes de morte nunca esclarecidos.

Nada veio a acontecer aos grandes criminosos. Salvaram-nos os protectores de «longas vestes». As gigantescas empresas envolvidas nos escândalos mudaram as fachadas das suas holdings, dispersaram os seus lucros e continuaram, tranquilamente, a crescer. Por isso as vamos reencontrando nas listas de credores que o FMI financia principescamente.

Dizer de outra maneira mas o mesmo…

Antes de pormos ponto final a esta tentativa de esboço panorâmico do poder financeiro eclesiástico convirá dar-se relevo a um elo que liga o que aconteceu há meio século e o que agora volta a acontecer. As questões de detalhe são irrelevantes. O que interessa é analisarmos conteúdos.

A partir de 1929, quando Nogara começou a comprar grupos de empresas falidas, estas traziam consigo passivos desastrosos. Eram milhões e milhões de liras de dívidas incobráveis. Nogara sentiu os riscos que corria e a necessidade de eliminá-los rapidamente. O grande negócio da compra de bancos (Roma, Santo Espírito, Crédito Rural) podia afundar-se sob o peso do montante das dívidas. Se assim fosse, a sonhada era neocapitalista ficaria por ali e o Vaticano correria sérios riscos.

De uma forma imaginosa, Nogara conseguiu ultrapassar essa arriscada fase dos seus planos. Contando com a cumplicidade de Mussolini manipulou passagens da então recente Concordata de Latrão e deu-lhes uma «leitura» conveniente aos interesses do Vaticano. Na mesma linha de rumo Mussolini criou, a nível do Estado, o IRI-Instituto di Recostruzioni Industriale cuja finalidade principal era a gestão de fundos do Estado destinados a salvar empresas privadas e bancos em risco. Então, os bancos que Nogara adquirira foram maciçamente transferidos para o Tesouro fascista que os comprou, não aos preços correntes do mercado (isto é, desvalorizados) mas na base do seu valor original. Esta operação permitiu a Nogara e à Igreja fazerem um encaixe superior a 632 milhões de dólares. Razão tinha Pio XI ao constatar que «Mussolini foi o homem enviado pela Providência!».

Depois, Nogara passou à fase seguinte da sua operação de recuperação da crise.

O Tratado de Latrão incluia três alíneas (Nos. 29, 30 e 31) que isentavam de impostos as chamadas «corporações eclesiásticas», isto é, as instituições religiosas directamente geridas pelo clero. Então, Nogara propôs e defendeu a tese de que, nesse sentido, «eclesiásticos» eram todos os institutos católicos, à luz do direito canónico e da tradição. O IOR, por exemplo (o Banco do Vaticano) devia ser reconhecido como «um Templo a fazer o trabalho de Deus». Mussolini deixou-se facilmente convencer e durante os anos negros do fascismo a Igreja italiana jamais pagou impostos. Somou, assim, milhões e milhões de mais-valias.

Não tem sido puro acaso a forma como no mundo católico a constituição de gigantescos grupos financeiros tem vindo a acompanhar o desenvolvimento das «sociedades civis». Por um lado, acumulação de lucros astronómicos, subida em flecha do custo de vida e do desemprego, invocação da crise económica para justificar a supressão de direitos e conquistas dos trabalhadores. A «crise» será paga com o sangue dos pobres e com a engorda dos ricos.

Por outro lado, despesas sumptuárias do Estado capitalista, abertura ao grande patronato, fusão de grandes bancos e empresas, destruição consciente das pequenas e médias empresas como forma «sanitária» de protecção dos grandes monopólios, constante desvio de verbas orçamentais para os bolsos dos banqueiros ou para os cofres do Vaticano. Em tudo isto a Igreja participa alegremente, distribuindo bênçãos abundantes aos seus amigos. E o fosso abismal entre ricos e pobres não cessa de se aprofundar.

Uma coisa é certa: o figurino criado pelo Tratado de Latrão e pelas várias Concordatas firmadas pela Igreja Católica com os Estados capitalistas continua válido e funciona. Tem caboucos profundos nas desigualdades e na injustiça. Tem que ser destruído como qualquer doença que causa sofrimento e morte. Não se «reconverterá».


*Jorge Messias é amigo e colaborador de odiario.info

Fonte: http://odiario.info

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