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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Por que se dá tratamento desigual ao particular, em relação à Igreja, no que tange à responsabilidade pelos gastos com restauro de bem tombado?

A decisão de primeiro grau, que segue transcrita, é perfeita e consentânea com o regime jurídico dos bens tombados, além de se afinar com a jurisprudência dominante no STJ  e foi ratificada por um desembargador do TRF 4.

Pois, o mesmo desembargador, noutra ação em que a Igreja Católica figurava como Ré (por ser dona do templo), mudou seu entendimento, inexplicavelmente, ferindo o princípio da igualdade contemplado pelo art. 37 da Constituição Federal, ao tratar de forma desigual a pessoa do Sr. JOSÉ JOÃO DE ESPÍNDOLA e a Mitra Metropolitana de Florianópolis. Vergonhoso procedimento, que cheira a advocacia administrativa em favor da Igreja Católica, o do tal desembargador!
Interpus Recurso Especial para o STJ, no afã de reformar a estranha decisão do aludido desembargador federal, a qual favoreceu a Igreja Católica.
Como diria o Pe. JESUS HORTAL, comentando o Código de Direito Canônico de 1983: "privilégios odiosos", esses que alguns setores conservadores da Justiça Brasileira concedem à Igreja Católica, mostrando-se submissa e subserviente. Felizmente, nem todos os magistrados lambem anéis de bispos, nem agem como capachos do Império do Vaticano.

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AÇÃO CIVIL PÚBLICA Nº 2009.72.00.009119-2/SC

AUTOR
:
MINISTERIO PUBLICO FEDERAL
RÉU
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO
:
INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN
RÉU
:
JOSÉ JOÃO DE ESPÍNDOLA
ADVOGADO
:
ANDRE RODRIGUES DE OLIVEIRA












SENTENÇA












A presente ação civil pública objetiva a efetiva restauração dos imóveis que integram o conjunto denominado "Casa Rural na Costeira do Ribeirão da Ilha", bens tombados em âmbito federal, em acentuado processo de deterioração. Pediu-se a demolição de todas as obras que alteraram e ainda alteram o conjunto tombado, "em particular a casa de madeira que foi construída dentro da área especialmente protegida, sem a autorização do IPHAN". Narrou-se que o procedimento administrativo de tombamento da denominada "Casa Rural na Costeira do Ribeirão da Ilha", requerido pelos proprietários Paulo Fontoura Freitas e Ana Luíza Schumacher Freitas, ocorreu em 1985. Esclareceu que o acervo, composto pela casa principal, engenho de farinha de mandioca e alambique, "passou por obras emergenciais, realizadas pelo IPHAN somente no ano de 1997", as quais se mostraram insuficientes, haja vista a aceleração do processo de deterioração que a casa sofreu desde então. Asseverou que o réu José João "nada fez para garantir a integridade física do conjunto tombado", a não ser o envio de ofício ao IPHAN em que expressa seu inconformismo pela responsabilidade de custear as obras necessárias para resguardar as edificações. Em resposta, o IPHAN noticiou ao proprietário que lhe compete o ônus da conservação do imóvel; o qual, desde então, tem-se mantido inerte. Alertou que, em novembro de 2008, "a parede frontal do engenho, já fragilizada pela falta de manutenção, ruiu em função das intempéries"; e que o IPHAN constatou a alteração do aspecto visual do conjunto cultural.


Sob tais fundamentos, requereu ao final:

"2. a condenação de José João ao custeio integral da demolição, sob a orientação do IPHAN, de todas as obras que alteraram o aspecto dos bens tombados, em especial a casa de madeira feita dentro da área tombada;
3. no caso de José João não atender ao item 2, e sem prejuízo da sanção que lhe for imposta, a condenação da UNIÃO e do IPHAN, então, em assumirem o custeio integral da demolição de todas as obras que alteraram o aspecto do acervo tombado, em particular, a casa de madeira feita dentro da área tombada;
4. a condenação de José João ao custeio integral das obras de restauração de todo o conjunto tombado, sob a orientação do IPHAN;
5. no caso de José João não atender ao item 4, e sem prejuízo da sanção que lhe for imposta, a condenação da UNIÃO e do IPHAN, então, em assumirem o custeio integral das obras de restauração de todo o conjunto tombado;
6. a condenação de JOSÉ JOÃO ao pagamento de multa diária no valor de R$ 500,00, em caso de inobservância de qualquer uma das medidas judiciais;
7. a condenação ao pagamento de multa diária no valor de R$ 50,00 (quinhentos reais) das pessoas físicas dos servidores da UNIÃO e do IPHAN que forem responsáveis pelo desatendimento de qualquer uma das medidas judiciais;
8. a condenação de JOSÉ JOÃO ao financiamento de projeto que trate da matéria do patrimônio cultural (material ou imaterial) de Florianópolis, cujo valor não poderá ser inferior a R$ 50.000,00. A elaboração e a execução do projeto serão fiscalizadas pelo MPF e pelo IPHAN, os quais estabelecerão Termo de Referência a ser obedecido para todas as etapas do projeto;
9. independentemente de JOSÉ JOÃO cumprir todas as determinações judiciais, e sem prejuízo das eventuais sanções que lhe sejam impostas, o MPF requer que a União e o IPHAN sejam intimados a se manifestar, fundamentadamente, sobre a possibilidade de expropriarem o conjunto patrimonial tombado, descontando-se do preço a ser pago, pelo menos, todas as despesas efetuadas até então pelo Poder Público com a salvaguarda do acervo (por exemplo, obras de demolição, conservação, restauro, etc.)

Intimada para se manifestar no prazo de 72 horas, a UNIÃO (art. 2º da Lei n. 8.437/92) requereu sua integração no pólo ativo da ação.

O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN, em sua contestação, requereu a mudança de pólo, do passivo para o ativo. Também alegou a impossibilidade jurídica do pedido (responsabilidade solidária), pois a ação somente deveria ter sido ajuizada contra o réu pessoa física. No mérito, afirmou que a ele caberia a conservação do bem tombado, devendo promover o ressarcimento integral do dano.

A tutela antecipada foi deferida em parte (fls. 406/409) e às fls. 418/421 o IPHAN informou que elaborou Edital de Licitação para a contratação do Projeto de Restauro da Casa na Costeira do Ribeirão da Ilha (Processo nº 01510.000967/2009-41), sendo necessários 180 dias (6 meses) para o desenvolvimento do projeto. Contudo, pontuou algumas medidas emergenciais que poderiam ser tomadas até a finalização do projeto, tais como, o escoramento de paredes e cobertura do engenho e casa principal, para evitar a entrada de água.

O réu (fls. 423/438) requereu a revogação da tutela e interpôs embargos de declaração na mesma oportunidade. Alegou que em 1985 à época do antigo proprietário, o imóvel já se encontrava em estado de deteriorização. Revelou que não sabia sobre o tombamento do bem e o adquiriu com o objetivo de edificar uma casa de campo. Asseverou que levantou paredes novas no engenho de farinha e calçou o telhado com pedaços de madeira para que ele não ruísse. Aduziu que, em face do risco iminente do desmoronamento do imóvel, construiu uma casa de madeira para o caseiro e sua família. Esclareceu que enviou missiva ao IPHAN informando sobre sua incapacidade financeira para restaurar o imóvel e do iminente risco de desmoronamento; recebendo a resposta até dois anos depois. Afirmou que enviou outro ofício para a expedição de certidão em que fosse esclarecido sobre a existência e a data de tombamento, obtendo a informação de que foi efetivado em 14/07/2004 em nome de proprietária anterior. Atestou sua falta de condições para arcar com a reforma, pois possui um rendimento mensal em torno de R$ 6.666,00 e que tem dívida de R$ 31.291,58; acusa, assim, de excessiva as "astreintes" impostas (de R$ 15.000,00). Requereu, assim, a revogação da antecipação de tutela, inclusive da multa diária, pois não tem condições financeiras para arcar com o ônus da reforma do imóvel.


A União apresentou embargos de declaração (fl. 490). Também apresentou contestação (fls. 401/501) em que suscitou sua ilegitimidade de parte passiva, pois o IPHAN é autarquia e possui autonomia para responder pela ação. Requereu, assim, o acolhimento da preliminar.

Foi proferida decisão (fls. 504) em que se declara prejudicada a reconsideração da tutela antecipada, em face da inadequação do recurso. Também rejeita os embargos de declaração.

Juntou-se cópia do recurso de agravo de instrumento (fls. 509/531) e às fls. 534/547 a peça de contestação do réu, em que traz as mesmas argumentações da peça de fls. 423/438.

O Ministério Público Federal, em réplica à contestação, afastou a preliminar de ilegitimidade passiva suscitada pela União. Informou, ainda, que a casa foi inteiramente reformulada pelo IPHAN em 1997, tendo sido trocados os pisos, o forro, o madeiramento e as telhas, no valor total de R$ 7.500,00. Asseverou que o proprietário, embora avisado, na oportunidade, de que deveria manter o imóvel, deixou-o se deteriorar.

É o relatório.


Preliminares

Ilegitimidade de Parte Passiva da União


É de ser rejeitada a preliminar. Consoante se lê no art. 19, § 1º, do Decreto-Lei 25/37, caso seja comprovada a hipossuficiência do proprietário imóvel tombado, o IPHAN assumirá o ônus de execução da reforma, às expensas da União. Desse modo, na eventualidade de incapacidade financeira do réu, A União poderá ser responsabilizada pela reforma do imóvel tombado.


Rejeito, pois, a preliminar.

Impossibilidade Jurídica do Pedido

Tal preliminar já foi examinada na oportunidade de exame da tutela antecipada. Passo, então, ao exame do mérito.

Mérito.

Consoante Hugo Nigro Mazzilli (in "A defesa dos interesses difusos em juízo, 20 ed., 2007, São Paulo: Saraiva, 215"),


o tombamento é forma especial de proteção administrativa a bem de valor cultural, e tem caráter meramente declaratório, ou seja, o atributo valor cultural deve preceder ao tombamento. É porque o bem tem valor cultural que deve ser tombado; o valor cultural não decorre do tombamento, e sim o inverso é que deve ocorrer.

Esclarece, ainda, que "depois de tombado o bem privado, permanece sob a propriedade e a posse de particular, que deve observar as restrições impostas em proveito da coletividade"; frisando que caberá ao proprietário as despesas com a conservação do imóvel.

Tal procedimento é previsto no Decreto-lei 25/37, o qual regula todas as situações que lhe são afetas. Classifica, pois, o tombamento em voluntário e compulsório, bem como em provisório e definitivo. Esse último ocorre com a transcrição do tombamento em Livro Tombo. O provisório, por sua vez, ocorre, desde o momento da notificação do proprietário, até que seja definitivamente constituído:

Art. 10. O tombamento dos bens, a que se refere o art. 6º desta lei, será considerado provisório ou definitivo, conforme esteja o respectivo processo iniciado pela notificação ou concluído pela inscrição dos referidos bens no competente Livro do Tombo.
Parágrafo único. Para todos os efeitos, salvo a disposição do art. 13 desta lei, o tombamento provisório se equiparará ao definitivo.

À análise dos documentos, percebe-se que o tombamento realizado nos autos do imóvel denominado de "Casa Rural na Costeira do Ribeirão da Ilha", que inclui, além "da casa costeira, o terreno onde esta se situa e a casa do engenho, à sua direita" (fl. 123) é do tipo voluntário (arts. 6º e 7º), cujo procedimento iniciou-se em janeiro de 1985, a partir da notificação dos proprietários (fls. 116/120).

Nota-se que a homologação definitiva do tombamento ocorreu por meio da Portaria n. 664/2002 (fls. 124) em 05/12/2002 e sua inscrição em Livro Tombo em 14/07/2004. Contudo, é preciso frisar que, independentemente da inscrição definitiva, os efeitos do tombamento já se obrigam em face do proprietário a partir da notificação, nos termos do art. 10, parágrafo único do Decreto-lei 25/37. Diz José Eduardo Ramos Rodrigues (apud MILARÉ, ÉDIS. Ação Civil Pública. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001) que "a inscrição e averbação não constituem elementos do processo de tombamento, não o aperfeiçoam nem condicionam seus efeitos".

Desse modo, ao adquirir o bem (em 1986) e antes mesmo da inscrição definitiva, o proprietário obrigou-se pela manutenção do bem tombado. Aliás, sobre tal ônus, o proprietário demonstra sua ciência no ofício enviado ao IPHAN (em 07/02/1995, fl. 50/54).

Em resultado às solicitações do proprietário, o IPHAN vistoriou o imóvel e decidiu promover medidas urgentes de reparação/manutenção do imóvel (fls. 59/60). No Relatório de Obras (fls. 66/68), do período de 13/08/97 a 12/09/97, fez-se constar todos os serviços realizados por aquele órgão e a recomendação expressa para o proprietário passasse a usar a edificação, requisito básico para sua conservação. Apontou-se, inclusive, uma série de medidas que deveriam ser tomadas pelo proprietário (fl. 68).

Todavia, nenhuma medida foi tomada e o IPHAN, em abril de 2008 (fl. 73), novamente constatou desídia no trato com o imóvel por parte do proprietário. De fato, o réu furtou-se à sua responsabilidade, levando as construções a um estado lastimável de deterioração. Consoante já destacado na liminar, além de não ter feito a manutenção do bem tombado, não comunicou ao IPHAN acerca do estado de conservação. A par disso, construiu no interior do bem tombado uma casa sem autorização do Instituto, contrariando o disposto no art. 18 do Decreto-Lei n. 25/37, o qual condiciona a construção na área de entorno da coisa tombada à prévia autorização do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.

Sobre a responsabilidade pela manutenção e restauração, é preciso assinalar que, em princípio, conforme já destacado, caberá ao proprietário do imóvel tal dever, pois, afinal, o ônus do tombamento é todo seu. A exceção à regra está disposta no art. 19, caput, do Decreto-lei 25/37 que prevê a possibilidade de que o proprietário, diante da ausência de recursos, informe o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional sobre a necessidade da reforma.

À leitura dos documentos trazidos aos autos, depreende-se que o proprietário (em 07/02/1995), somente passados dez anos do tombamento e nove anos da compra do imóvel, tomou iniciativas quanto à reparação do imóvel, informando ao IPHAN que não tinha recursos para reformá-lo e pedindo que aquele órgão arcasse com o ônus das obras (fls. 50/54).

Em resposta à solicitação, o IPHAN vistoriou o imóvel e emitiu parecer (em abril de 1995), no qual o arquiteto Dalmo Vieira Filho, opinou que aquele órgão deveria contribuir com o projeto e fiscalização da obra e na busca de obtenção de madeiras de cobertura, essenciais à posterior conservação do bem (fl. 58). As obras foram realizadas pelo IPHAN em 1997 (conforme demonstra o Relatório das Obras Emergenciais de fl. 66), concorrendo com o valor de R$ 7.445,66 (fl. 71).

Após, verifica-se que o proprietário, por duas vezes (em 10/09/99 e 05/05/08), buscou o IPHAN tão somente para saber sobre os dados de tombamento de sua casa (fls. 482), tais como o número de registro no Livro Tombo. Conclui-se, assim, que o proprietário agiu com desídia, tanto porque não observou as recomendações expressas no Parecer Técnico do IPHAN à época da reforma, praticando as medidas conservatórias que lhe eram cabíveis; quanto porque só manteve novo contato com o IPHAN depois de novamente arruinada sua propriedade e após longo transcurso de tempo.

É descabida, também, a alegação de falta de recursos, pois a prova dos autos dá conta de que o proprietário construiu outra casa no terreno e mantém um caseiro para guardar a propriedade. Ora, é certo que a reforma de um patrimônio tombado exige certos cuidados, como a utilização de materiais adequados à conservação das características originais da construção. Mas disso não decorre necessariamente a elevação de custos de forma tal que impossibilite a sua realização por parte do proprietário. Ademais, se por um lado, a conservação do imóvel tombado se deve à proteção de patrimônio cultural/histórico e em homenagem à cultura açoriana, por outro, esse mesmo imóvel é de propriedade do réu (pessoa física) que, com as obras necessárias, poderá melhor desfrutá-lo. Não se pode, assim, afastar sua responsabilidade pela recuperação do imóvel.

O IPHAN, por sua vez, também agiu com certa negligência. Após ter determinado ao réu no Parecer Técnico (de fls. 165/182) que continuasse a realizar a manutenção do imóvel, não promoveu qualquer fiscalização, deixando o bem à sua própria sorte e agravando os danos. Nos autos constam, aliás, somente duas vistorias no imóvel, realizadas muito depois da primeira reforma de 1997 (em 2008 e 2009).

Não se pode, assim, isentá-lo da responsabilidade de restauração do bem tomado. Consoante já decidiu o TRF da 4ª Região:

"inobservado o poder-dever de inibir qualquer atividade danosa de particular em benefício do bem-estar da coletividade e da preservação do próprio Estado, é responsável, indiretamente, a pessoa jurídica de direito público por dano causado ao meio ambiente" (TRF4, AG 2002.04.01.004623-6, Terceira Turma, Relatora Silvia Maria Gonçalves Goraieb, DJ 14/12/2005).

Houve, de fato, omissão no dever de vigilância imposto ao IPHAN pelo Decreto-Lei n. 25/37 (art. 20). Tal como acentuado na liminar, esse dever de vigilância atribuído ao IPHAN visa a dar efetividade ao disposto no § 1º do art. 216 da Constituição Federal, o qual estabelece que "o Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação".

Neste sentido:

ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TOMBAMENTO. OBRAS DE EMERGÊNCIA. RESPONSABILIDADE DO IPHAN ÀS EXPENSAS DA UNIÃO - §3º DO ART.19 DO DECRETO-LEI 25/37 E CF/88 ART.216. OBRAS DE RECUPERAÇÃO E RESTAURAÇÃO DO IMÓVEL. RESPONSABILIDADE DO PROPRIETÁRIO-PARTICULAR.(...)3. É curial, que compete ao proprietário - por responsabilidade primária -, o dever de conservar o bem tombado para mantê-lo dentro de suas características culturais. Mas, se não dispuser de recursos para proceder a obras de conservação e reparação, deve necessariamente comunicar o fato ao órgão que decretou o tombamento, o qual mandará executá-las as suas expensas. Independentemente dessa comunicação, no entanto, tem o Estado, em caso de urgência, o poder de tomar a iniciativa de providenciar as obras de conservação.4. As obras a serem realizadas no imóvel tombado, tinham o caráter nítido de urgência, o que sinalizava a necessidade de que o Serviço de Patrimônio Histórico, mesmo sem a comunicação por parte do proprietário tomasse a iniciativa. Colhe-se nos autos que o magistrado a quo determinou a interdição e evacuação do imóvel, em face da sua precariedade.(...)(TRF-1, AC n. 199837000012415, Rel. Juiz Federal Avio Mozar José Ferraz de Novaes, 5ª T., DJU de 07/04/05)

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMÓVEL TOMBADO. ART.19 DECRETO-LEI 25/37. PROPRIETÁRIO SEM CONDIÇÕES DE REALIZAR OBRAS. RESPONSABILIDADE DO IPHAN E DA UNIÃO FEDERAL. 1. Tombamento é a forma de intervenção do Estado na propriedade privada, que tem por objetivo a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional.2. O Decreto-Lei 25/37 foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, estabelecendo o 1º do artigo 216 que cabe ao Poder público promover e proteger o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventário, registro, vigilância, tombamento e desapropriação.3. O imóvel do feito foi tombado pelo Decreto-Lei nº 157 de13/08/1984.4. O proprietário é obrigado a conservar e reparar o bem tombado.Somente quando ele não dispuser de recursos para isso é que este encargo passa a ser do poder público.5. Não provada a incapacidade do Espólio, apelação do MPF acolhida, para ser realizada uma investigação para saber se o imóvel é o único bem do Espólio.(TRF-2R., AC 200551060002471, Rel. Dês. F. Salete Maccaloz, 7ª T. Especializada, DJU de 24/04/09).

Além do IPHAN, a União também deverá ser responsabilizada pela reforma do imóvel tombado, nos termos do que dispõe o Decreto-lei 25/37. A autonomia do IPHAN não retira da União o dever de reparação, tendo em vista o interesse na preservação do bem. Não foi à toa que a legislação que tratou do tombamento previu a obrigação do repasse de verbas para a realização de obras no bem imóvel cujo proprietário não pode suportar o ônus da reforma.

Finalmente, é preciso ressaltar que deve ser indeferido o pedido de condenação do réu José João ao financiamento de projeto no valor mínimo de R$ 50.000,00. Tal pedido, na verdade, equipara-se à indenização, não se podendo, assim, admiti-lo; já que ela somente poderia ser arbitrada caso se verificasse a impossibilidade de recuperação do imóvel.

Em sede de dano ambiental, tem-se entendido que:

nas hipóteses em que a reconstituição é parcial ou totalmente impossível de ser realizada, principalmente em virtude da indisponibilidade de tecnologia para tanto, o dano ambiental material deve ser reparado por meio da indenização pecuniária (total ou parcialmente, conforme a dimensão da irreversibilidade do dano ambiental). (SILVA, Américo Luís Martins da. Direito do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais, vol. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 740).

A respeito, José Rubens Morato Leite afirma que primeiro deve-se buscar a restauração e apenas num segundo momento é que se há de cogitar de indenização, a qual funciona como compensação ecológica, modo de substituição da restauração por quantia equivalente a que seria, em tese, despendida para sua efetivação; o valor de mercado do bem; e a capacidade de uso humano (independentemente da capacidade funcional ecológica). A compensação é forma subsidiária de ressarcir o dano (LEITE, José Rubens Morato. dano ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, pp. 215/227).

No caso em apreço, apesar da evidente negligência nos cuidados com o patrimônio cultural/histórico e do estado de ruínas em que se encontra o imóvel, é possível sua reforma, ainda que isto demande algum tempo. Assim, não há necessidade de se impor ao proprietário outra pena, consubstanciada em financiamento de projeto cultural, que lhe custará o valor mínimo de R$ 50.000,00. Indefiro, pois, o pedido.

Em relação à expropriação do imóvel, também não há necessidade de que a medida seja discutida na presente ação. O interesse de que ela ocorra deve ser manifestado na esfera administrativa, junto a quem tem competência para fazê-lo.

Honorários Advocatícios

Não haverá condenação dos réus em honorários advocatícios em ação civil pública, já que também não são exigíveis do Ministério Público Federal:

Na ação civil pública (ACP) movida pelo Ministério Público, a questão da verba honorária foge inteiramente das regras do CPC, sendo disciplinada pelas normas próprias da Lei n. 7.347/1985. Segundo este Superior Tribunal, em sede de ACP, a condenação do MP ao pagamento de honorários advocatícios somente é cabível na hipótese de comprovada e inequívoca má-fé do Parquet. Dentro de absoluta simetria de tratamento e à luz da interpretação sistemática do ordenamento, não pode o Parquet beneficiar-se de honorários quando for vencedor na ACP. Precedentes citados: AgRg no REsp 868.279-MG, DJe 6/11/2008; REsp 896.679-RS, DJe 12/5/2008; REsp 419.110-SP, DJ 27/11/2007; REsp 178.088-MG, DJ 12/9/2005, e REsp 859.737-DF, DJ 26/10/2006. EREsp 895.530-PR, Rel. Min. Eliana Calmon, julgados em 26/8/2009.
Não há, assim, condenação em honorários advocatícios.


Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para condenar:


I) o réu JOSÉ JOÃO a promover à demolição de todas as obras que alterem o aspecto do acervo tombado, em particular, a casa de madeira feita dentro da área tombada, no prazo de 45 (quarenta e cinco) dias;


II) os réus JOSÉ JOÃO, o IPHAN e a UNIÃO a, conjuntamente, promover a restauração do imóvel tombado, de propriedade do réu, no prazo de até seis meses, após a elaboração de projeto pelo réu IPHAN, que será realizado no prazo de 180 dias: II.a) o réu JOSÉ JOÃO será responsável por 50% do custo da obra e pela contratação de mão de obra; II.b) o IPHAN, por sua vez, será responsável pela elaboração do projeto de reforma e fiscalização da obra; II.c) a UNIÃO será responsável pelo repasse dos recursos financeiros ao IPHAN, no prazo de 30 dias após a elaboração do projeto.

Em caso de descumprimento por parte do réu JOSÉ das obrigações de fazer impostas no dispositivo, caberá ao IPHAN efetivá-las, nos mesmos prazos já referidos sem afastamento das responsabilidades da União antes mencionadas. Nesse caso, o valor correspondente à cota do réu José João na obrigação de fazer poderá ser transformada em dívida ativa, a critério da União.


O descumprimento dos prazos fixados no dispositivo sujeita o réu pessoa física à multa diária de R$ 500,00 e os réus IPHAN e UNIÃO à multa diária de R$ 1.000,00.

Sem honorários.

Custas finais pelo réu pessoa física.

Sentença registrada por meio eletrônico.

Publique-se. Intimem-se as partes, inclusive de que na hipótese de eventual "subida do processo ao TRF4 os autos serão digitalizados, passando a tramitar no meio eletrônico (sistema e-Proc) [...], sendo obrigatório o cadastramento dos advogados na forma do art. 5º da Lei n. 11.419/2006" (Resolução TRF-4ªR. n. 49/2010).

Florianópolis, 18 de outubro de 2010.



































SERGIO EDUARDO CARDOSO
Juiz Federal













5 comentários:

Unknown disse...

Prezado Izidoro, você teve acesso ao contrato de execução das obras na casa do ribeirão?

Unknown disse...

Prezado Izidoro, você teve acesso ao edital de licitação para execução das obras?

I.A.S. disse...

Sem dúvida, caro André!
Toda a documentação, ao meu pedido, costuma ser requisitada pelos juízes das Varas de Fazenda da Capital e dela me dão vistas, para manifestação, a qual produzo após exame atento.
É com base no Contrato/Convênio que costumo pedir aos magistrados a ampliação do pólo passivo das ações, nele incluindo-se os ordenadores primários das despesas públicas, por força do que manda a Lei das Ações Populares. Há casos porém, em que sequer são assinados instrumentos de negócios jurídicos, sendo a transferência de recursos operada por força de meros empenhos.
Quanto ao edital de licitação, cumpre dizer que tais obras são contratadas e executadas por empresas supostamente especializadas.
Ainda: como as verbas são liberadas para pessoas jurídicas interpostas (Ações Sociais, por exemplo - meio de fraudar a legislação, com futura alegação de que a Mitra ou a Igreja não foram parte no negócio Jurídico)pensam os quadrilheiros haver desnecessidade de licitação.
Se você observar as placas dos restauros das Igrejas da Grande Florianópolis, a empresa contratada é uma só, do RJ.
Estou à disposição para qualquer outro esclarecimento.
Um forte abraço.

Unknown disse...

Prezado Izidoro,

Fiz um pedido formal junto ao Iphan para ter acesso ao contrato de prestação de serviços de reforma da casa do ribeirão. Tão logo obtenha uma cópia farei contato.

I.A.S. disse...
Este comentário foi removido pelo autor.