A polêmica desencadeada pelas declarações da corregedora nacional do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ministra Eliana Calmon, levou o Supremo Tribunal Federal (STF) a buscar uma solução alternativa para a discussão dos limites e funções do órgão de controle externo do Judiciário, em exercício desde 2005. Ao comentar em entrevista a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) movida pela Associação de Magistrados Brasileiros (AMB) no Supremo Tribunal Federal (STF) para reduzir as competências do Conselho, a corregedora classificou a atitude como o “primeiro caminho para a impunidade da magistratura, que hoje está com gravíssimos problemas de infiltração de bandidos que estão escondidos atrás da toga”.
A Adin deveria ter sido levada na última quarta-feira 28 ao plenário do STF, mas o assunto não entrou em pauta e foi adiado. Os juízes do Supremo tentam costurar um acordo de conciliação, segundo o qual as corregedorias estaduais teriam um prazo para tomar medidas contra magistrados acusados de irregularidades. Somente após o vencimento deste período o CNJ teria prerrogativas para investigar e punir os suspeitos. Hoje, o Conselho tem independência para apurar e aplicar sanções a membros da magistratura independentemente da atuação das corregedorias regionais.
A declaração da corregedora virou alvo de críticas de colegas do próprio CNJ, entre eles o presidente da entidade e do Supremo, Cezar Peluso. Em nota assinada por 12 integrantes, Peluso “repudia, veementemente, acusações levianas que, sem identificar pessoas, nem propiciar qualquer defesa, lançam, sem prova, dúvidas sobre a honra de milhares de juízes que diariamente se dedicam ao ofício de julgar com imparcialidade e honestidade, garantindo a segurança da sociedade e a estabilidade do Estado Democrático de direito, e desacreditam a instituição perante o povo”.
O debate tomou grandes proporções e ocupou as primeiras páginas dos principais jornais do País ao longo desta semana. Para uns, a AMB representa interesses corporativistas de um grupo de magistrados que não quer estar sob o crivo de uma entidade independente. Para outros, o controle exercido por corregedorias regionais é suficientemente efetivo e as investigações do CNJ desconsideram garantias constitucionais. Este último, pelo menos, foi o argumento utilizado pelo presidente da Associação dos Magistrados do Rio de Janeiro, Antonio César Siqueira, em artigo assinado na Folha de S.Paulo na quinta-feira 29. “Todas as liminares concedidas pelo STF contra decisões do Conselho, sob a firme e sóbria liderança do ministro Cesar Peluso, tiveram como base a inobservância de um ou mais garantias constitucionais: ampla defesa, devido processo legal, contraditório ou justa causa”.
Senador pelo DEM, Demóstenes Torres avalia que a justificativa de Siqueira “não tem pé na realidade”. Em entrevista ao site de CartaCapital, ele afirmou que a grande maioria dos procedimentos do CNJ foi posteriormente mantida pela Justiça, o que mostra o respeito pelas garantias constitucionais. “Sobre os (procedimentos) que foram revisados por instâncias superiores, trata-se de algo absolutamente normal na Justiça”.
A AMB pede a impugnação da Resolução nº 135 do CNJ, que teria subvertido as funções atribuídas ao órgão pela Constituição. De acordo com uma nota emitida pela associação, “a Constituição estabelece que o CNJ possui competência disciplinar para impor sanções aos magistrados, desde que seja observada a competência dos Tribunais. Isto é: quem primeiro processa o magistrado é o tribunal, depois o CNJ”.
Na prática, isso significa que o Conselho apenas poderia agir contra magistrados suspeitos de ilegalidades após as corregedorias julgarem as suspeitas. Teme-se que, com isso, os processos contra juízes sejam propositalmente atrasados para que os crimes sejam prescritos.
Os críticos a Adin, entretanto, desconsideram a interpretação da AMB contra a resolução. Eles se baseiam no artigo constitucional 103-B, § 4.º, inciso III, que diz: “compete ao Conselho receber e conhecer das reclamações contra membros ou órgãos do Poder Judiciário, sem prejuízo da competência disciplinar e correcional dos tribunais, podendo determinar sanções administrativas”. O senador Torres complementa: “Se está escrito ‘sem prejuízo dos tribunais’, o CNJ pode, pela Constituição, atuar independentemente das corregedorias locais”.
A defesa pela manutenção do poderes do Conselho mobilizou o Senado e criou uma situação de união entre membros da bancada do governo e da oposição. O democrata propôs um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) que visa explicitar as prerrogativas constitucionais do órgão, de modo a reconhecer a independência do CNJ. Caso o Supremo julgue procedente a ação movida pela AMB, os senadores pretendem restituir as funções do Conselho pela emenda. Assinaram a PEC 55 senadores de diferentes partidos.
É o caso do líder do PT na Casa, Humberto Costa. Segundo ele, mesmo a proposta de conciliação do Supremo deve ser questionada. “É uma medida paliativa, vai mascarar a perda de poder que órgão sofrerá caso a Adin seja validada. O melhor é que as coisas permaneçam como estão.”
Costa defende a atuação do Conselho. O argumento de que muitas garantias constitucionais são desconsideradas nas correções é político, diz o petista, para quem o CNJ sempre observou o direito ao contraditório e à ampla defesa dos acusados. “Infelizmente determinados seguimentos se consideram mais cidadãos do que outros e pensam que são imunes a qualquer tipo de punição.”
Além do mais, complementa o parlamentar, subordinar as medidas do Conselho às tramitações nos tribunais estaduais é um retrocesso à impunidade. “O nível de corporativismo é grande nos estados. Várias vezes a mídia tem colocado situações em que denúncias sequer começam a ser analisadas, em que não sai nenhuma correção concreta a juízes.” O senador diz que, diferentemente dos poderes Executivo e Legislativo, que já sofrem o controle do voto, o Judiciário carecia de um órgão de correção. “Não é só deputado e senador que precisa ser ficha limpa.”
Fonte: CARTACAPITAL
Fonte: CARTACAPITAL
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