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terça-feira, 27 de março de 2012

Patrimônio histórico - Responsabilidade do proprietário pela conservação


D.E.

Publicado em 13/12/2011
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.07.005576-0/RS
RELATOR
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE
:
INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional Federal da 4ª Região
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELANTE
:
JOSE MARIA GREZZANA
ADVOGADO
:
Agel Wyse Rodrigues e outros
APELADO
:
(Os mesmos)























EMENTA























PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFESA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO. TOMBAMENTO. RESTAURAÇÃO. IPHAN. CORRELAÇÃO ENTRE O PEDIDO E A SENTENÇA. OBSERVAÇÃO. INTERESSE PÚBLICO. PRESTÍGIO. VALOR DA CONDENAÇÃO. ADEQUAÇÃO. MULTA. INOVAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SEDE RECURSAL. CONDIÇÃO FINANCEIRA DO RÉU. PROPORCIONALIDADE. DUPLO SENTIDO.
1. A sentença objurgada não afrontou os artigos 2º e 460 do CPC, posto que apenas julgou parcialmente procedentes os pedidos veiculados na inicial. Não afronta o princípio da correlação o não atendimento integral do pedido do autor.
2. Considerando as peculiaridades do caso concreto, a solução oferecida pela legislação (Decreto-lei n.º 25/37) afigura-se desproporcional tanto para o proprietário - ao onerá-lo com a totalidade do pagamento das obras de restauração -, quanto para a Administração Pública, na mesma hipótese. Desta sorte, há que se buscar, à míngua de legislação específica que resolva o impasse, uma solução que atenda ao interesse público - a preservação do patrimônio tombado -, sem atentar contra a disponibilidade econômica do proprietário.
3. A julgadora singular utilizou-se do valor de restauração estimado pelo IPHAN apenas como base para fixação do valor da condenação do réu. Não desconsiderou ela a possibilidade de os custos da obra de revitalização do imóvel tombado ultrapassarem referido montante (R$ 100.000,00). A sentença foi clara ao fixar a necessária participação do réu em, no máximo, 30% do valor estimado pelo IPHAN. Ou seja, 30% dos cem mil reais estipulados - o que equivale a exatos R$ 30.000,00.
4. Apresenta-se manifestamente despropositado o pedido de aplicação da multa prevista no artigo 19, caput, do Decreto-lei n.º 25/37, porquanto tal pleito não foi veiculado na petição inicial da ação civil pública em apreço, a evidenciar inviável intenção inovadora em sede recursal, em afronta ao princípio da devolutividade.
5. O fato de o réu ser proprietário de outros bens imóveis, por si só, não conduz ao entendimento de que tenha ele (demandado) condições de arcar individual e integralmente com os custos da reforma pretendida pelo Poder Público no noticiado bem tombado.
6. De outro norte, o autor não se desincumbiu do ônus da prova relativo às condições financeiras do demandado e da plena possibilidade de arcar o proprietário, isoladamente, com os custos da obra, nos moldes exigidos pelo artigo 333, I, do CPC (prova esta que também não foi produzida pelo MPF).
7. A proporcionalidade aventada pelo juízo singular para reconhecer a procedência apenas parcial do pedido deve ser interpretada em seu duplo sentido: proibição de excesso e proibição de proteção deficitária do patrimônio histórico, turístico e cultural. Assim, adequada a condenação parcial do requerido.
8. Apelações e recurso adesivo improvidos.























ACÓRDÃO























Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações interpostas pelo IPHAN e pelo Ministério Público Federal e ao recurso adesivo interposto pelo réu, nos termos do relatório, votos e notas taquigráficas que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.

Porto Alegre, 30 de novembro de 2011.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator



Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4651497v3 e, se solicitado, do código CRC 44B724B6.



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Signatário (a): Fernando Quadros da Silva
Data e Hora: 01/12/2011 17:16


APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.07.005576-0/RS
RELATOR
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE
:
INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional Federal da 4ª Região
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELANTE
:
JOSE MARIA GREZZANA
ADVOGADO
:
Agel Wyse Rodrigues e outros
APELADO
:
(Os mesmos)























RELATÓRIO























Trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) contra José Maria Grezzana com objetivo de condená-lo a promover obras de restauração em imóvel tombado de sua propriedade, denominado "Casa Grezzana", situado no Município de Antônio Prado, Estado do Rio Grande do Sul.

Contestado e instruído o feito, sobreveio sentença (fls. 202/211), julgando parcialmente procedente o pedido para condenar o réu ao custeio de 30% do valor estimado pelo IPHAN para a reforma do prédio tombado (equivalente a R$ 30.000,00), deixando a cargo do Poder Público a realização do projeto de restauração e o custeio do restante da reforma.

Inconformados, apelam o IPHAN e o Ministério Público Federal. O requerido José Maria Grezzana interpõe recurso adesivo.

O IPHAN (fls. 216/229) sustenta que a sentença é nula, por violação aos artigos 2º e 460 do CPC, eis que, segundo verbera, a magistrada condenou o autor da ação. Quanto ao mérito, postula o provimento do apelo, com base nas disposições do Decreto-lei n.º 25/1937, para o fim de compelir o requerido a realizar as obras de restauração, de modo integral. Ademais, insurge-se contra o valor da condenação do réu (R$ 30.000,00), por estar fundamentado em mera estimativa que não corresponde mais aos custos da restauração. Por fim, pugna pela aplicação da multa prevista no artigo 19, caput, do Decreto-lei n.º 25/37.

O Ministério Público Federal, na sua irresignação (fls. 230/234), busca o acolhimento total do pedido veiculado na inicial, com o julgamento de total procedência do pedido constante da proemial (inclusive com a antecipação da tutela). Alternativamente, pretende a majoração da condenação já fixada, para que o réu fique obrigado a custear 70% do valor total da restauração do imóvel tombado.

Por fim, o requerido José Maria Grezzana, em seu recurso adesivo (fls. 253/258), sustenta que o imóvel se encontra numa cidade estagnada, que não conta com curso superior, que não cresce comercialmente e nem recebe novas indústrias. Os moradores incentivam seus filhos a procurar cidades maiores para obter uma melhor condição de vida. Alega que a restauração pretendida pelo IPHAN deixará o imóvel sem condições de habitabilidade, por não contar com cozinha e banheiro. A destinação possível seria um museu ou algo semelhante. Aduz que a responsabilidade é do IPHAN e que não tem condições financeiras para arcar com a restauração. Busca o provimento do adesivo para que o pedido inicial seja julgado improcedente.

Com contrarrazões (fls. 238/249, 267/272 e 283/286), vieram os autos a esta Corte.

O Ministério Público Federal opinou pelo desprovimento do recurso adesivo e pelo provimento dos apelos do MPF e do IPHAN (fls. 294/296).

É o relatório.

Inclua-se em pauta.























Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator



Documento eletrônico assinado por Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 4651494v3 e, se solicitado, do código CRC 3795FF9E.



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APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.07.005576-0/RS
RELATOR
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
APELANTE
:
INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional Federal da 4ª Região
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELANTE
:
JOSE MARIA GREZZANA
ADVOGADO
:
Agel Wyse Rodrigues e outros
APELADO
:
(Os mesmos)








VOTO








Os recursos devem ser conhecidos, pois preenchidos os requisitos de admissibilidade.

Por didática, analiso cada irresignação de maneira individualizada.

- Da apelação interposta pelo IPHAN:

Em apertada síntese, o IPHAN sustenta, preliminarmente, que a sentença é nula, por violação aos artigos 2º e 460 do CPC, eis que, segundo verbera, a magistrada condenou o autor da ação. Quanto ao mérito, postula o provimento do apelo, com base nas disposições do Decreto-lei n.º 25/1937, para o fim de compelir o requerido a realizar as obras de restauração, de modo integral. Ademais, insurge-se contra o valor da condenação do réu (R$ 30.000,00), por estar fundamentado em mera estimativa que não corresponde mais aos custos da restauração. Por fim, pugna pela aplicação da multa prevista no artigo 19, caput, do Decreto-lei n.º 25/37.

- Da preliminar - nulidade da sentença:

Nos termos do artigo 2º do CPC, "nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e forma legais."

Por seu turno, o artigo 460 do referido diploma legal expressa que "é defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado."

Na espécie, tenho que a sentença objurgada não afrontou qualquer dos dispositivos acima transcritos, posto que apenas julgou parcialmente procedentes os pedidos veiculados na inicial. Não afronta o princípio da correlação o não atendimento integral do pedido do autor.

Efetivamente, de acordo com o Decreto-lei n.º 25/37, tanto o proprietário quanto o Poder Público (em defesa do patrimônio histórico e cultural) são responsáveis pela manutenção adequada dos bens tombados. Ao concluir que o réu (proprietário do imóvel especificado) não teria condições de arcar integralmente com os custos da revitalização do bem, agiu acertadamente a magistrada a quo ao não o eximir integralmente da responsabilidade legal (repartida com o demandante - também por força legal).

Assim, inexiste condenação do autor (como quer fazer crer o IPHAN); existe, isto sim, reconhecimento da parcial responsabilidade do réu - o que é coisa distinta.

Dessa forma, rejeito a prefacial.

- Do mérito - questão principal:

No mérito, tenho que deva ser mantida integralmente a sentença impugnada, que deslindou corretamente a controvérsia existente, cuja fundamentação adoto como razão de decidir e agrego ao voto, in verbis (fls. 202/211):

"(...)
Trata-se de Ação Civil Pública em que o Instituto Nacional do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional busca a condenação do réu em obrigação de fazer, consistente na apresentação de projeto de restauração de imóvel tombado, integrante do conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Antônio Prado, bem como na realização das respectivas obras. Sustenta que cabe ao proprietário promover a conservação do imóvel, que se encontra em avançado estado de deterioração, fundamentando sua pretensão no art. 19 do Decreto nº 25/1937.
O requerido, de sua parte, alega que não possui condições financeiras de promover a restauração pretendida, afirmando já ter comunicado esse fato às autoridades competentes.
Inicialmente, cumpre sublinhar que é indiscutível a importância histórica do imóvel referido na presente demanda, a denominada Casa Grezzana, mormente considerando que esta faz parte de um todo maior, o Conjunto Arquitetônico e Urbanístico de Antônio Prado, representado por quarenta e sete casas tombadas pelo patrimônio histórico nacional.
Deste modo, para o deslinde da presente demanda impõe-se inicialmente proceder à análise de alguns dispositivos do Decreto-lei nº 25/1937, que organiza a proteção do patrimônio histórico e artístico nacional:

"Art. 17. As coisas tombadas não poderão, em caso nenhum ser destruidas, demolidas ou mutiladas, nem, sem prévia autorização especial do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional, ser reparadas, pintadas ou restauradas, sob pena de multa de cincoenta por cento do dano causado.
 Parágrafo único. Tratando-se de bens pertencentes á União, aos Estados ou aos municípios, a autoridade responsável pela infração do presente artigo incorrerá pessoalmente na multa.
 Art. 18. Sem prévia autorização do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, não se poderá, na vizinhança da coisa tombada, fazer construção que lhe impeça ou reduza a visibílidade, nem nela colocar anúncios ou cartazes, sob pena de ser mandada destruir a obra ou retirar o objéto, impondo-se nêste caso a multa de cinqüenta por cento do valor do mesmo objéto.
Art. 19. O proprietário de coisa tombada, que não dispuser de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que a mesma requerer, levará ao conhecimento do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional a necessidade das mencionadas obras, sob pena de multa correspondente ao dobro da importância em que fôr avaliado o dano sofrido pela mesma coisa.
§ 1º Recebida a comunicação, e consideradas necessárias as obras, o diretor do Serviço do Patrimônio Histórico e Artistico Nacional mandará executá-las, a expensas da União, devendo as mesmas ser iniciadas dentro do prazo de seis meses, ou providenciará para que seja feita a desapropriação da coisa.
§ 2º À falta de qualquer das providências previstas no parágrafo anterior, poderá o proprietário requerer que seja cancelado o tombamento da coisa.
§ 3º Uma vez que verifique haver urgência na realização de obras e conservação ou reparação em qualquer coisa tombada, poderá o Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional tomar a iniciativa de projetá-las e executá-las, a expensas da União, independentemente da comunicação a que alude este artigo, por parte do proprietário.
Art. 20. As coisas tombadas ficam sujeitas à vigilância permanente do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, que poderá inspecioná-los sempre que fôr julgado conveniente, não podendo os respectivos proprietários ou responsáveis criar obstáculos à inspeção, sob pena de multa de cem mil réis, elevada ao dôbro em caso de reincidência.
Art. 21. Os atentados cometidos contra os bens de que trata o art. 1º desta lei são equiparados aos cometidos contra o patrimônio nacional." (grifos acrescidos)

A redação do art. 19, acima transcrito, permite afirmar que a obrigação de restaurar e conservar o bem tombado é do proprietário, que pode se eximir de tais encargos se não dispuser de recursos para efetuar as reformas necessárias ou arcar com os custos da conservação.
Nesse passo, cumpre analisar a questão posta nos autos tendo em conta a capacidade financeira do demandado, em cotejo com os custos estimados para realização das obras pretendidas por meio da presente ação civil pública.
Embora não tenha sido elaborado um demonstrativo mais detalhado do custo previsto para a restauração do imóvel em questão, o autor indicou como montante aproximado R$ 100.000,00 (fl. 108) e o requerido, R$ 215.874.52 (fl. 55). Em que pese a grande divergência entre as importâncias estimadas, toma-se como parâmetro, nesta oportunidade, o valor apresentado pelo IPHAN, considerando que elaborado com base em outras restaurações efetuadas em casas semelhantes, também tombadas, no mesmo Município (fl. 108).
Por outro lado, no que tange à situação econômica do réu, analisando as declarações de Imposto de Renda das fls. 41-44 e 151-154 constata-se que, embora possua patrimônio, nele não se encontram bens de monta. Vale frisar que o fato de possuir bens imóveis, por si só não autoriza concluir que disponha de recursos suficientes para arcar com a totalidade da restauração do imóvel tombado. Ademais, o réu mantém cinco pessoas como dependentes (fl. 153), fato que faz presumir que despende valores significativos com sua manutenção.
Assim sendo, pode-se afirmar que a situação financeira do requerido não permite seja este condenado a arcar com a totalidade dos custos da obra de resturação, principalmente diante do elevado valor estimado a esse título.
Nessa esteira, atente-se para o seguinte julgado:

"DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. PATRIMÔNIO CULTURAL BRASILEIRO. TOMBAMENTO. EFEITOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. REPARAÇÃO E CONSERVAÇÃO DO BEM. FALTA DE RECURSOS FINANCEIROS DO PROPRIETÁRIO. 1. A hipótese consiste em ação civil pública ajuizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em face de proprietário de imóvel tombado localizado no Município de Petrópolis, Estado do Rio de Janeiro, visando a condenação do Réu a reparar totalmente o imóvel com apresentação de projeto detalhado de restauração para execução das obras. 2. De maneira bastante resumida, há de se considerar que efetivamente a r. sentença solucionou corretamente a lide, porquanto o art. 19, do Decreto-Lei nº 25/37, reconhece que, caso o proprietário não tenha condições financeiras de proceder às obras de conservação e reparação, tal responsabilidade passa a ser da União Federal (§§ 1º e 3º, do art. 19). 3. No caso em questão, ficou demonstrado que, a despeito de ser proprietário de outros imóveis, o Réu, com idade aproximada de noventa e cinco anos, se mantinha e à sua família com os frutos civis decorrentes dos contratos de locação dos imóveis. Assim, diante da condição pessoal e financeira do proprietário, a magnitude das obras que exigiam recursos vultosos, bem como a constatação da impossibilidade material do Réu, outra solução não poderia ser dada a não ser a improcedência do pedido condenatório. 4. O dispositivo legal não exige que a pessoa do proprietário seja de classe desfavorecida economicamente para fins de sua aplicação. Deve-se considerar a hipossuficiência financeira diante das condições e circunstâncias do caso concreto, a ensejar a conclusão a respeito da impossibilidade de o proprietário custear as obras de conservação e reparação do imóvel tombado. 5. Recurso de apelação a que se nega provimento para manter a sentença de improcedência do pedido contido na Ação Civil Pública." (TRF 2ª Região, AC 1996.51.06.000996-6/RJ, Rel. Juiz Guilherme Calmon, DJU-II de 14-04-2005, p. 420)

Do voto proferido pelo relator deste acórdão, traz-se à colação o seguitne excerto:

"A circunstância de o proprietário do imóvel tombado ser, ao mesmo tempo, proprietário de outros imóveis, não pode servir para lhe impor a concretização da obrigação de realizar as obras de conservação e reparação do bem. Com efeito, não há qualquer referência, no contexto do art. 19 do Decreto-lei nº 25/37, acerca da necessidade do proprietário ser pessoa pobre. A previsão lgeal diz respeito tão-somente à circunstância de o proprietário do bem tombado não dispor de recursos para proceder às obras de conservação e reparação que o bem necessitar."

Também neste sentido, cita-se o entendimento de José Eduardo Ramos Rodrigues (Meio Ambiente Cultura: Tombamento - Ação Civil Pública e Aspectos Criminais, in Ação Civil Pública, coord. Édis Milaré. 2. ed., São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2002):

"Uma vez que cabe ao Estado em conjunto com o proprietário particular a atuação tendente à preservação dos bens culturais, não pode o primeiro simplesmente omitir-se e deixar ao último todos os encargos da conservação.
Infelizmente esta tem sido a regra geral em todo nosso país. Existe até a máxima popular de que o bem tombado (protegido pelo tombamento) acaba realmente 'tombado' (destruído) pelo abandono resultante das restrições que ocorrem sobre o bem sem que o Poder Público ofereça qualquer tipo de incentivo ou auxílio ao proprietário.
Não se deve olvidar que a restauração e manutenção, por exemplo, de um bem imóvel de respeitável antigüidade, cuja técnica de construção e materiais utilizados são extremamente raros e que exigem mão-de-obra especialmente qualificada para tanto, constitui-se um óbice quase intransponível para boa parte dos proprietários, tendo em vista seu alto custo. Neste momento é que o Poder Público precisa atuar com mais intensidade. É assim que ocorre na generalidade dos países civilizados.
(...)
Destarte, também cumpre ao Estado brasileiro oferecer sua quota de participação na preservação e, ao contrário do que muitos imaginam, não termina, mas começa pelo tombamento, seguindo-se a restauração (quando necessário), a conservação e a valorização do bem cultural para fruição da presente e futuras gerações. Infelizmente o ordenamento jurídico atual negligencia as três últimas fases, o que deve ser urgentemente solucionado pelo legislador pátrio, através da criação por lei de incentivos fiscais, fundos especiais para empréstimos subsidiados e outros estímulos especialmente aos particulares" (págs. 383-384).

Em que pese o entendimento acima explicitado, há que se ponderar que, mesmo que a obra seja realizada com recursos advindos de órgãos públicos, a casa poderá ser posteriormente explorada economicamente pelo proprietário (auferindo aluguéis, ou mantendo estabelecimento comercial próprio, por exemplo), caso em que os recursos reverterão em seu benefício. Ora, a reestruturação do imóvel, somada ao incontestável potencial turístico de Antônio Prado, podem tornar a restauração um negócio lucrativo para o réu, razão pela qual se revela coerente que este arque com parte dos custos da obra.
Neste aspecto, também releva considerar que o demandado, devidamente notificado no ano de 2001 quanto à necessidade urgente de efetuar reparos em seu imóvel (fl. 15), procedeu de forma desidiosa, não tendo informado imediatamente ao IPHAN sua impossibilidade financeira de arcar com as despesas da obra - providência que somente foi tomada por ocasião da segunda notificação, em novembro de 2003, conforme dá conta o documento da fl. 48. Tal conduta, por certo, deu causa ao agravamento da situação do imóvel, elevando o custo das obras de reparação.
Feitas essas considerações, conclui-se que a solução oferecida pela legislação (Decreto-lei nº 25/37) afigura-se desproporcional tanto para o proprietário - ao onerá-lo com a totalidade do pagamento das obras de restauração -, quanto para a Administração Pública, na mesma hipótese.
Desta sorte, há que se buscar, no caso concreto, à míngua de legislação específica que resolva o impasse, uma solução que atenda ao interesse público - a preservação do patrimônio tombado -, sem atentar contra a disponibilidade econômica do proprietário.
Analisando as bases constitucionais que regem a matéria, assim dispõe o art. 216 da CF/88:

"Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem:
I - as formas de expressão;
II - os modos de criar, fazer e viver;
III - as criações científicas, artísticas e tecnológicas;
IV - as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais;
V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.
§ 1º - O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância, tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e preservação."

Com efeito, a Constituição Federal prevê a cooperação entre o Poder Público e a sociedade, com a finalidade de preservar o patrimônio cultural e histórico nacional. Desta forma, para a solução do caso concreto a melhor alternativa consiste na divisão dos ônus relativos à restauração do imóvel entre o particular e os órgãos públicos, para que nenhuma das partes reste excessivamente onerada com a obra.
Nessa senda, vale mencionar que o projeto de restauração poderá ser feito por conta do próprio IPHAN, considerando este dispõe de pessoal especializado para definir todos os detalhes técnicos e etapas das obras de restauração. Neste particular, cumpre ressaltar que a elaboração de projeto às expensas do requerido se afigura providência desnecessariamente onerosa, já que, no caso de não vir a ser aprovado pelo Instituto, deverá ser refeito quantas vezes forem necessárias à sua adequação, o que implica maiores gastos do que se for elaborado diretamente pelo corpo técnico competente.
No que tange às despesas para restauração da Casa Grezzana, tendo em conta a superioridade econômica do Poder Público, e considerando a situação financeira demonstrada pelo requerido, o custo total da obra de restauração deverá ser dividido entre o proprietário da casa e o Poder Público, na proporção entre as possibilidades e os benefícios auferidos pelas partes com a restauração.
Deste modo, a presente ação tem procedência apenas parcial, ficando o requerido obrigado a arcar com 30% dos custos da obra de restauração do imóvel de sua propriedade, cujo projeto deverá ser elaborado às expensas do IPHAN. A parte de responsabilidade do réu fica limitada a trinta por cento (30%) sobre o montante da obra estimado pelo IPHAN, de R$ 100.000,00 (cem mil reais).
O pagamento do valor ora estipulado (trinta mil reais) fica condicionado à efetiva execução das obras, a serem providenciadas pela autarquia.
Feitas essas considerações, resta prejudicado o pedido de antecipação de tutela requerido pelo MPF (fls. 148-149), considerando a ausência de condenação do réu em obrigação de fazer, bem como em razão de que a elaboração do projeto e a restauração não restaram impostas ao demandado.
ANTE O EXPOSTO, julgo parcialmente procedente a presente Ação Civil Pública, condenando o demandado a arcar com trinta por cento (30%) dos custos estimados para a reconstrução do imóvel de sua propriedade, representando o montante de R$ 30.000,00 (trinta mil reais), considerando a estimativa apresentada pelo IPHAN. Tais valores deverão ser atualizados até a data do efetivo pagamento pelo IPCA-E, ficando condicionado o pagamento à efetiva execução das obras pelo autor.
(...)."

- Do pedido subsidiário - valor da condenação:

Neste ponto, o autor/apelante ataca a fixação do montante a ser custeado pelo réu.

Segundo verbera, embora a magistrada a quo tenha estipulado em 30% a cota de participação do demandado nos custos da restauração, especificou o valor, de modo fixo, em R$ 30.000,00, tendo por base estimativa feita por técnicos da autarquia federal demandante (custo total de R$ 100.000,00). Postula a reforma da sentença, com a estipulação da incidência do percentual arbitrado sobre o valor total e final da revitalização do imóvel.

Também aqui, a despeito da argumentação do recorrente, entendo deva ser improvido o apelo.

Isso porque a julgadora singular utilizou-se do valor de restauração estimado pelo IPHAN apenas como base para fixação do valor da condenação do réu. Não desconsiderou ela a possibilidade de os custos da obra ultrapassarem referido montante (repita-se, R$ 100.000,00).

A sentença foi clara (e se me afigura acertada) ao fixar a necessária participação do réu em, no máximo, 30% do valor estimado pelo IPHAN. Ou seja, 30% dos cem mil reais estipulados - o que equivale a exatos R$ 30.000,00.

Portanto, uma vez entendido como correto o entendimento do juízo singular acerca da distribuição dos custos da reforma, mantenho igualmente o montante fixado a título de condenação.

- Do pedido subsidiário - aplicação de multa:

Por fim, postula o apelante a aplicação, ao réu, da multa prevista no artigo 19, caput, do Decreto-lei n.º 25/37.

Quanto ao tema, reputo manifestamente despropositado o pleito, porquanto tal pedido não foi veiculado na petição inicial da ação civil pública em apreço, a evidenciar inviável intenção inovadora em sede recursal, em afronta ao princípio da devolutividade.

Dessa forma, é de ser negado provimento ao apelo do IPHAN.

- Da apelação interposta pelo Ministério Público Federal:

O Ministério Público Federal, por sua vez, busca o acolhimento total do pedido veiculado na inicial, com o julgamento de total procedência do pedido constante da proemial (inclusive com a antecipação da tutela). Alternativamente, pretende a majoração da condenação já fixada, para que o réu fique obrigado a custear 70% do valor total da restauração do imóvel tombado.

Segundo entendo, a análise da apelação interposta pelo IPHAN tornou prejudicados os pedidos constantes da apelação interposta pelo Ministério Público Federal. Porém, apenas acrescento que o fato de o réu ser proprietário de outros bens imóveis, por si só, não conduz ao entendimento de que tenha ele (demandado) condições de arcar individual e integralmente com os custos da reforma pretendida pelo Poder Público no noticiado bem tombado.

Além disso, as declarações de imposto de renda juntadas aos autos - contrariamente ao sustentado pelo representante do parquet - apenas reforçam, no meu entender, a tese do requerido sobre a impossibilidade de custear a reforma em discussão, sobretudo se considerados os seus rendimentos líquidos, o número de dependentes e o valor global da revitalização do imóvel tombado.

De outro norte, o autor não se desincumbiu do ônus da prova relativo às condições financeiras do demandado e da plena possibilidade de arcar o proprietário, isoladamente, com os custos da obra, nos moldes exigidos pelo artigo 333, I, do CPC (prova esta que também não foi produzida pelo MPF).

Assim, é de ser negado provimento ao apelo do Ministério Público Federal.

- Do recurso adesivo interposto pelo réu:

Por fim, o requerido José Maria Grezzana postula a reforma da sentença, com o afastamento de qualquer responsabilização pelos custos da reforma do bem.

Embora entenda que o pedido encontra-se prejudicado pelo que já exposto supra, apenas explico que o pleito do demandado não merece provimento porque há, sim, possibilidade de futura destinação econômica do imóvel objeto da demanda (aliás, existem notícias nos autos de que o bem já vinha sendo utilizado com finalidade econômica precedentemente ao ajuizamento da ação), a explicitar a necessidade de participação do requerido nos custos da reforma do imóvel de sua propriedade.

Ademais, a proporcionalidade aventada pelo juízo singular para reconhecer a procedência apenas parcial do pedido deve ser interpretada em seu duplo sentido: proibição de excesso e proibição de proteção deficitária do patrimônio histórico, turístico e cultural.

Por derradeiro, mantida a sentença, deve ser mantida igualmente a distribuição dos ônus sucumbenciais, com a compensação adequada dos honorários advocatícios.

Ante o exposto, voto no sentido de negar provimento às apelações interpostas pelo IPHAN e pelo Ministério Público Federal e ao recurso adesivo interposto pelo réu.
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
Relator



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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 30/11/2011
APELAÇÃO CÍVEL Nº 2004.71.07.005576-0/RS
ORIGEM: RS 200471070055760


RELATOR
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
PRESIDENTE
:
FERNANDO QUADROS DA SILVA
PROCURADOR
:
Dr(a)Carlos Eduardo Copetti Leite
APELANTE
:
INSTITUTO DO PATRIMONIO HISTORICO E ARTISTICO NACIONAL - IPHAN
ADVOGADO
:
Procuradoria-Regional Federal da 4ª Região
APELANTE
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELANTE
:
JOSE MARIA GREZZANA
ADVOGADO
:
Agel Wyse Rodrigues e outros
APELADO
:
(Os mesmos)





Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 30/11/2011, na seqüência 461, disponibilizada no DE de 18/11/2011, da qual foi intimado(a) o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.





Certifico que o(a) 3ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES INTERPOSTAS PELO IPHAN E PELO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E AO RECURSO ADESIVO INTERPOSTO PELO RÉU.





RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA
VOTANTE(S)
:
Des. Federal FERNANDO QUADROS DA SILVA

:
Des. Federal MARIA LÚCIA LUZ LEIRIA

:
Des. Federal CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ









Letícia Pereira Carello
Diretora de Secretaria



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