Perfil

Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

Mensagem aos leitores

Benvindo ao universo dos leitores do Izidoro.
Você está convidado a tecer comentários sobre as matérias postadas, os quais serão publicados automaticamente e mantidos neste blog, mesmo que contenham opinião contrária à emitida pelo mantenedor, salvo opiniões extremamente ofensivas, que serão expurgadas, ao critério exclusivo do blogueiro.
Não serão aceitas mensagens destinadas a propaganda comercial ou de serviços, sem que previamente consultado o responsável pelo blog.



quarta-feira, 28 de março de 2012

TJ/SC ABSOLVE MULHER LAGEANA QUE DISCRIMINOU SOLDADO NEGRO

Apelação Criminal n. 2011.036099-3, de Lages
Relatora: Desa. Marli Mosimann Vargas
APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA POR PRECONCEITO DE RAÇA E COR PRATICADO CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO (ART. 140, § 3° C/C ART. 141, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL) E CRIME DE DESACATO (ART. 331 DO CÓDIGO PENAL) SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO.
PLEITO PELA CONDENAÇÃO DIANTE DAS PROVAS APRESENTADAS NOS AUTOS. ACOLHIMENTO.
CRIME DO ART. 140, § 3° C/C ART. 141, II, AMBOS DO CÓDIGO PENAL. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS POR MEIO DE DEPOIMENTOS COERENTES E UNÍSSONOS DA VÍTIMA E DAS TESTEMUNHAS. COMPROVAÇÃO DE QUE A RÉ PROFERIU EXPRESSÃO INJURIOSA E COM CONTEÚDO DISCRIMINATÓRIO CONTRA A VÍTIMA. DOLO DEMONSTRADO. INJÚRIA PRATICADA CONTRA SERVIDOR PÚBLICO EM RAZÃO DE SUAS FUNÇÕES, INCIDINDO, PORTANTO, A CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO INCISO II, DO ART. 141 DO CÓDIGO PENAL. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.
CRIME DO ART. 331 DO CÓDIGO PENAL. RÉ QUE CUSPIU NO ROSTO E PROFERIU PALAVRAS OFENSIVAS A POLICIAL MILITAR. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS COMPROVADAS PELAS DECLARAÇÕES DA VÍTIMA E DAS TESTEMUNHAS QUE PRESENCIARAM O FATO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE. SENTENÇA REFORMADA.
RECURSO CONHECIDO E PROVIDO.
FIXAÇÃO DAS PENAS QUE RESULTA EM PRESCRIÇÃO, DE OFÍCIO, DA PRETENSÃO PUNITIVA DO ESTADO, NA FORMA RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE DECRETADA EM AMBOS DELITOS. EXEGESE DOS ARTS. 107, IV; 109, V E VI (REDAÇÃO ANTERIOR À LEI N. 12.234/2010); 110, § 1º, TODOS DO CÓDIGO PENAL.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2011.036099-3, da comarca de Lages (1ª Vara Criminal), em que é apelante Ministério Público do Estado de Santa Catarina, e apelada Marcia de Fatima Fontoura:
A Primeira Câmara Criminal decidiu, por votação unânime, conhecer do recurso e dar-lhe provimento e, de ofício, decretar a extinção da punibilidade ante a prescrição da pretensão punitiva do Estado na forma retroativa. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Hilton Cunha Júnior, com voto, e dele participaram a Exma. Sra. Desa. Marli Mosimann Vargas – relatora e a Exma. Sra. Desa. Janice Goulart Garcia Ubialli.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, participou o Exmo. Sr. Procurador Paulo Antônio Günther.
Florianópolis, 7 de fevereiro de 2012.

Marli Mosimann Vargas
Relatora


RELATÓRIO
O representante do Ministério Público da 1ª Vara Criminal da comarca de Lages ofereceu denúncia contra Marcia de Fatima Fontoura pela prática dos delitos definidos no art. 140, § 3°, c/c art. 331 ambos do Código Penal, assim descritos na inicial acusatória (fl. 3-4):
No dia 19 de maio de 2004, por volta de 6h15min, a denunciada, juntamente com terceira pessoa, se encontrava chutando a porta do estabelecimento conhecido como Chiquinhos Bar, localizado neste município, na Avenida Presidente Vargas, quando a viatura nº 2326 passava em frente ao local, sendo que a vítima Jonas Batista de Almeida, em sua função de policial militar, dirigiu-se até a denunciada, perguntando o motivo de tal atitude, bem como aconselhando-a para que fosse para casa, momento em que a mesma cuspiu em seu rosto. No decorrer dos fatos e após solicitação de apoio, a denunciada Marcia de Fátima Fontoura, em visível estado de embriaguês, começou a desacatar e proferir palavras ofensivas à vítima, relacionadas com sua cor, como: "você vai se foder seu negro filho da puta, negro sujo vagabundo, só bate em mulher grávida", quando foi contida e encaminhada ao distrito policial.
O Ministério Público salientou, em sede de alegações finais, que a injúria foi praticada contra servidor público em razão de suas funções, incidindo, portanto, a causa de aumento de pena prevista no inciso II, do art. 141 do Código Penal.
Encerrada a instrução, o magistrado julgou improcedente a presente denúncia, para com fundamento no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, ABSOLVER a ré MARCIA DE FÁTIMA FONTOURA, devidamente qualificada nos autos, da imputação que lhe foi feita. Fixou em 15 (quinze) URH's a verba honorária devida ao defensor da acusada, Dr. Mauro Rafaeli Muniz Filho (fls. 204-211).
Inconformado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação, objetivando a reforma da sentença de fls. 204-211, para condenar Marcia de Fatima Fontoura como incurso no art. 140, § 3°, c/c art. 141, II e art. 331 todos do Código Penal, sob alegação de que não há dúvidas acerca da materialidade e autoria delitivas (fls. 219-226).
Em contrarrazões, requereu a apelada o desprovimento do apelo ministerial, mantendo-se a sentença originária na sua integralidade (fls. 232-233).
Lavrou parecer pela douta Procuradoria-Geral de Justiça a Exmo. Sra. Dra. Procurador Heloísa Crescenti Abdalla Freire, manifestando-se pelo conhecimento e provimento do apelo, a fim de condenar a apelada pelos crimes descritos no art. 140, § 3°, c/c art. 331, ambos do Código Penal (fls. 240-243).
Este é o relatório.
VOTO
Presentes os pressupostos de admissibilidade, conhece-se do reclamo e passa-se à análise do seu objeto.
1 RECURSO MINISTERIAL
1.1 PLEITO CONDENATÓRIO
Sustenta o Ministério Público que não há como prosperar a decisão monocrática, visto que, da análise do contexto probatório, observa-se com clareza a prática pela apelada Marcia de Fatima Fontoura dos delitos definidos no art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, e art. 331 todos do Código Penal.
Segundo se infere da denúncia e das informações coletadas no caderno processual, a apelada, juntamente com terceira pessoa, se encontrava chutando a porta do estabelecimento conhecido como Chiquinhos Bar, localizado no município de Lages, quando a viatura em que se encontava a vítima Jonas Batista de Almeida, em sua função de policial militar, dirigiu-se até a apelada, perguntando o motivo de tal atitude, bem como aconselhando-a para que fosse para casa, momento em que ela cuspiu em seu rosto.
Após solicitação de apoio, a apelada Marcia de Fátima Fontoura, em visível estado de embriaguez, começou a desacatar e proferir palavras ofensivas à vítima, relacionadas com sua cor, como: "você vai se foder seu negro filho da puta, negro sujo vagabundo, só bate em mulher grávida", quando foi contida e encaminhada para a delegacia de polícia.
In casu, dessume-se que, de fato, existem provas suficientes de que a apelada praticou o crime previsto no art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, e art. 331 todos do Código Penal, in verbis:
Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
[...]
§ 3.º Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.
E:
Art. 141 - As penas cominadas neste Capítulo aumentam-se de um terço, se qualquer dos crimes é cometido:
[...]
II - contra funcionário público, em razão de suas funções;
Ainda:
Art. 331 - Desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela:
Pena - detenção, de seis meses a dois anos, ou multa.
A materialidade delitiva está consubstanciada pelos boletins de ocorrência (fls. 24-25).
A autoria delitiva está demonstrada pela prova oral colacionada nos autos.
Na fase extrajudicial, a apelada afirma que, após ter sido expulsa do bar, em um determinado momento chamou um policial de "negro" (fls. 26-27):
QUE, alega que na madrugada do dia 29/05/2004, por volta das 05:30 da manhã estava no "Chiquinhos Bar" em companhia de seu esposo e quando foi dar um beijo em seu marido os dois caíram do banco; que, na frente do referido bar um policial usou gás de pimenta no rosto da interrogada sendo que esta caiu; que, uma pessoa que não conhece a ajudou a levantar e lhe ofereceu um copo de água [...]; que, passou mal em função do gás pois está grávida de quatro meses; que confirma ter chamado um policial de "negro" em em determinado momento; [...]; que confirma ter ingerido bebida alcoólica juntamente com seu marido (grifo nosso).
A apelada, apesar de intimada por edital após as tentativas de intimação pessoal, teve decretada a sua revelia, não tendo sido ouvida na fase de instrução.
A vítima Jonas Batista Almeida, que é policial militar, ratificou seu depoimento prestado na fase policial (fl. 29), aduzindo em juízo que a apelada cuspiu em seu rosto e esta falou que "nenhum negro iria prendê-la uma vez que estava grávida" (fl. 151):
[...] que o depoente na qualidade de policial militar estava em ronda na Av. Pres. Vargas, quando avistaram a denunciada dando ponta pés na porta do bar conhecido como "Chiquinhos Bar", isso próximo das cinco horas da manhã. Que o depoente parou a viatura e foi conversar com a denunciada, indagando o motivo de estar chutando e batendo na porta do bar. Qua a denunciada somente se virou e cuspiu no rosto do depoente, tendo este dado voz de prisão. Que a denunciada passou a desacatar o denunciado, falando: "que nenhum negro iria prende-la uma vez que estava grávida" [...] Que a denunciada exalava odor alcoólico, mas não estava totalmente embriagada. Que o Sd. Adrian estava na companhia da depoente, não percebendo se a denunciada também desacatou seu companheiro de farda. Que no local havia um rapaz que se apresentou como esposo da denunciada ficando também alterado, o qual foi atendido pelo policial Adrian (grifou-se).
A testemunha presencial Adão Camilo Pereira relata os fatos na fase inquisitiva (fl. 39):
QUE, em data que não se recorda, do corrente ano, por volta das 06:00 horas o depoente estava defronte ao Chiquinhos Bar, vendendo "espetinho", Que, nessa ocasião, ocorreu uma briga na calçada, entre um homem e uma mulher; Que, naquele momento, passava pelo local, uma viatura da Polícia Militar, integrada por dois Policiais Militares, os quais pararam a viatura, descendo e abordando os envolvidos na briga, ou seja o homem e a mulher; Que, recorda-se que um dos policiais Militares era de cor "negra"; Que, presenciou quando a mulher ao ser abordada pelos Policiais Militares, tentou "desferir um soco" no Policial Militar "negro", o qual mandou que ela se afastasse; Que, a mulher passou a "insultar" o Policial Militar de cor "negra", chamando-o de negro sujo", "negro macaco", que ele não valia nada; Que, mais Viaturas Militares chegaram ao local, mas a mulher continuou a ofender o policial Militar, chamando-o de "sem vergonha", e repetindo 'seu negro sujo", se "negro macaco", Que o Policial Militar de cor "negra", de nome que não sabe informar, apenas que é cabo da Polícia Militar, este prendeu a mulher colocando-a na viatura [...] (grifo nosso).
No mesmo sentido, colhe-se do testemunho de Luiz Cleir Varela do nascimento (fl. 43): "[...] que presenciou quando uma mulher chamou um Policial Militar de negro filho da puta, você não é homem nem nada [...]".
Por fim, extrai-se na fase policial do testemunho do miliciano Adrian Dias Guadagnin (fl. 41):
QUE, no dia 28/05/2004, estava de serviço na VTR 2326, juntamente com o cabo Jonas; QUE, por volta das 6:17 horas, efetuavam rondas pela Av. Pres. Vargas, quando depararam-se com um tumulto em frente ao Chiquinhos Bar; QUE, uma mulher estava dando chutes na porta do citado bar; QUE, o depoente e o cabo Jonas a abordaram; QUE, a mulher, desconhecida, alegou que a tinham retirado do bar, mas que ela "iria entrar"; QUE, orientaram a mulher para que parasse de dar chutes na porta do bar, bem como que deixasse de fazer "escândalo" e que fosse embora; QUE, a mulher não deu atenção e "cuspiu" no rosto do cabo Jonas e passou a chamá-lo de: "seu negro sujo", "filho da puta", você vá se foder"; QUE na guarnição fez uso de gás de pimenta contra a mulher, com o objetivo de poderem "imobilizá-la", pois estava "muito agitada"; QUE, nessa ocasião um elemento que identificou-se pelo nome de Davide "tumultuou o local", pois pedia que "soltasse a mulher" [...] (grifo nosso).
Importante ressaltar, apesar de o togado sustentar na sentença que o policial militar Adrian Dias Guadagnin modificou essencialmente seu depoimento na fase judicial, turvando o esclarecimento dos fatos (fl. 209), não é o que se denota dos autos.
Vê-se que, apesar de ter transcorrido mais de seis anos entre a data dos fatos (29/5/2004 – fl. 2) e o depoimento da citada testemunha (17/6/2010 – fl. 152), o policial militar Adrian forneceu elementos relevantes quanto a ocorrência dos fatos, mantendo íntegra a versão principal, qual seja, que a apelada praticou os delitos de desacato e injúria qualificada.
Além disso, o contexto probatório não é exclusivamente de natureza inquisitorial como afirma o sentenciante (fl. 210), eis que o depoimento judicial da vítima (fl. 151), não deixa dúvidas das condutas criminosas em questão, estando em conformidade com o restante do contexto probatório.
Ademais, a própria apelada, ao ser interrogada na fase inquisitiva, aduz ter chamado um policial de "negro" em um determinado momento, o que reforça a sua responsabilidade criminal.
Como bem ressalta a douta Procuradora de Justiça (fl. 242): "como se percebe os depoimentos colhidos e o desenrolar dos fatos indicam que a ré desacatou de fato o policial militar e vítima Jonas Batista Almeida, ao cuspir em seu rosto e, posteriormente, configurou-se o crime de injúria, quando o ofendeu com a utilização de expressões racistas, não sendo o simples fato de uma testemunha não se recordar bem de alguns detalhes em Juízo bastante para caracterizar a autoria do delito cometido pela recorrida".
No que tange de desacato, sabe-se que detém previsão legal somente a figura dolosa, ou seja, exige-se do agente a vontade livre e consciente de humilhar, desprestigiar ou menosprezar o funcionário público, quando esteja ele exercendo as suas funções, situação esta verificada no caso sob análise.
O doutrinador Rogério Greco leciona sobre o crime de desacato:
O núcleo desacatar deve ser entendido no sentido de faltar como devido respeito, afrontar, menosprezar, menoscabar, desprezar, profanar. Conforme esclarece Hungria "a ofensa constitutiva do desacato é qualquer palavra ou ato que redunde em vexame, humilhação, desprestígio ou irreverência ao funcionário. É a grosseira falta de acatamento, podendo constituir em palavras injuriosas, difamatórias ou caluniosas, vias de fato, agressão física, ameaças, gestos obscenos, gritos agudos, etc. (Código penal comentado, 2ª ed., 2009, p. 792/793)
Desta feita, pelos depoimentos acima transcritos, resta caracterizado o crime de desacato, colhe-se da lavra desta relatora:
APELAÇÃO CRIMINAL. RÉU DENUNCIADO PELO CRIME DE DESACATO E AMEAÇA (ART. 331 E ART. 147 AMBOS DO CÓDIGO PENAL). SENTENÇA CONDENATÓRIA APENAS EM RELAÇÃO AO CRIME DE DESACATO. RECURSO DA DEFESA.
ABSOLVIÇÃO. INSUFICIÊNCIA PROBATÓRIA. INVIABILIDADE. AGENTE QUE PROFERE PALAVRAS OFENSIVAS A FUNCIONÁRIO PÚBLICO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS DEVIDAMENTE COMPROVADAS PELAS DECLARAÇÕES PRESTADAS PELA VÍTIMA E TESTEMUNHAS PRESENCIAIS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA QUE SE IMPÕE.
RECURSO CONHECIDO E DESPROVIDO (Apelação Criminal n. 2011.042622-2, de Anchieta, j. 16/8/2011).
Este Tribunal de Justiça vem entendendo:
APELAÇÃO CRIMINAL. DESACATO. PRETENDIDA A ABSOLVIÇÃO POR FALTA DE PROVAS. APELANTE QUE PROFERIU OFENSAS AOS POLICIAIS MILITARES QUE EFETUARAM SUA PRISÃO EM FLAGRANTE. PALAVRAS FIRMES E COERENTES DE UM DOS AGENTES PÚBLICOS ALIADAS AOS DIZERES DE TESTEMUNHAS OUVIDAS NA FASE POLICIAL. MATERIALIDADE E AUTORIA EVIDENCIADAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO [...] (Apelação Criminal n. 2010.078628-0, da Capital, rel. Des. Torres Marques, j. 2/6/2011).
E:
[...] DESACATO - AGENTE QUE, NO MOMENTO DA PRISÃO EM FLAGRANTE, PROFERE PALAVRAS COM A INTENÇÃO DE DESRESPEITAR POLICIAIS MILITARES NO EXERCÍCIO DA FUNÇÃO - PLEITO ABSOLUTÓRIO - NÃO ACOLHIMENTO - DEPOIMENTOS COERENTES E UNÍSSONOS DOS SERVIDORES QUE AUTORIZAM A CONDENAÇÃO. [...] (Apelação Criminal n. 2008.080530-1, de Porto União, rel. Des. Moacyr de Moraes Lima Filho, j. 22/4/2009).
Desta feita, configurado está o crime do art. 331 do Código Penal.
No mesmo diapasão, caracterizado o crime de injúria qualificada por preconceito de raça e cor praticado contra funcionário público.
A respeito da injúria qualificada ou racial, insculpida no art. 140, § 3º, do Código Penal, já se manifestou a doutrina. Nota-se:
Esta figura foi introduzida pela Lei 9.459/97 com a finalidade de evitar as constantes absolvições que vinham ocorrendo de pessoas que ofendiam outras, através de insultos com forte conteúdo racial ou discriminatório, e escapavam da Lei 7.716/89 (discriminação racial) porque não estavam praticando atos de segregação. Acabam, quando muito, respondendo por injúria - a figura do caput deste artigo - quando eram absolvidas por dizerem que estava apenas expondo sua opinião acerca de determinado assunto. Assim, aquele que, atualmente, dirige-se a uma pessoa de determinada raça, insultando-a com argumentos ou palavras de conteúdo pejorativo, responderá por injúria racial, não podendo alegar que houve uma injúria simples, nem tampouco uma mera exposição do pensamento (como dizer que todo 'judeu é corrupto' ou que 'negros são desonestos'), uma vez que há limite para tal liberdade. Não se pode acolher a liberdade que fira direito alheio, que é, no caso, o direito à honra subjetiva. Do mesmo modo, que simplesmente dirigir a terceiro palavras referentes a 'raça', 'cor', 'etnia', 'religião', ou 'origem', com o intuito de ofender, responderá por injúria racial ou qualificada" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal comentado. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 453).
Colhe-se da jurisprudência:
A utilização de palavras depreciativas referentes à raça, cor, religião ou origem, como intuito de ofender a honra subjetiva da pessoa, caracteriza o crime previsto no §3º do art. 140 do CP, ou seja, injúria qualificada, e não o crime previsto no art. 20 da Lei n. 7.7616/89, que trata dos crimes de preconceito de raça ou de cor (RT 752/594).
E desta Corte de Justiça:
PENAL. CRIME CONTRA A HONRA. INJÚRIA QUALIFICADA POR PRECONCEITO DE RAÇA E COR (CP, ART. 140, § 3.º). OFENSA PROFERIDA POR PROFESSORA CONTRA ALUNO AFRO-DESCENDENTE. IMPROCEDÊNCIA DA QUEIXA-CRIME.
RECURSO DO QUERELANTE. ALMEJADA A CONDENAÇÃO DA QUERELADA. AUTORIA E MATERIALIDADE EVIDENCIADAS. PALAVRA DA VÍTIMA E DAS TESTEMUNHAS SOMADAS ÀS DECLARAÇÕES DA PRÓPRIA QUERELADA QUE COMPROVAM QUE ESTA PROFERIU EXPRESSÃO INJURIOSA E COM CONTEÚDO DISCRIMINATÓRIO CONTRA O QUERELADO. NÍTIDA INTENÇÃO DE HUMILHÁ-LO DIANTE DOS DEMAIS COLEGAS DE CLASSE. DOLO DEMONSTRADO. CONDENAÇÃO QUE SE IMPÕE.
RECURSO PROVIDO (Apelação Criminal n. 2008.077094-3, da Capital, rel. Des. Substituto Roberto Lucas Pacheco, j. 26/5/2010).
E:
APELAÇÕES CRIMINAIS - CRIME CONTRA A HONRA - INJÚRIA QUALIFICADA - RACISMO.
APELO DE RAFAELA EMERENCIANO - AUTORIA E MATERIALIDADE DEVIDAMENTE DEMONSTRADAS - PALAVRAS DAS VÍTIMAS E DAS TESTEMUNHAS UNÍSSONAS E COERENTES - EVENTUAIS CONTRADIÇÕES NOS DEPOIMENTOS TESTEMUNHAIS QUE ABORDAM APENAS QUESTÕES PERIFÉRICAS - VALIDADE PARA EMBASAR UM DECRETO CONDENATÓRIO -QUALIFICADORA EFETIVAMENTE CONFIGURADA - RECURSO DESPROVIDO.
Comete o crime de injúria qualificada, ou racial, quem emprega palavras pejorativas, com a clara pretensão de menosprezar pessoa em razão da cor da pele (Apelação Criminal n. 2008.018001-0, de Balneário Camboriú, rel. Des. Solon d'Eça Neves, j. 30/7/2008).
Nesse diapasão, as provas angariadas ao longo da instrução criminal, conforme se pode perceber, evidenciam, com segurança necessária, que a apelada praticou os crimes descritos na denúncia.
Assim, diante do conjunto probatório, reforma-se a sentença absolutória, para condenar a apelada Marcia de Fatima Fontoura pelos crimes descritos no art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, e art. 331 todos do Código Penal.
2 APLICAÇÃO DA PENA
Passa-se à aplicação das penas relativamente aos crimes em comento.
2.1 DO CRIME DE INJÚRIA QUALIFICADA POR PRECONCEITO DE RAÇA E COR PRATICADO CONTRA FUNCIONÁRIO PÚBLICO
A culpabilidade da ré é normal à espécie. Quanto aos antecedentes, assim entendidos como as sentenças penais condenatórias que não mais se prestam para o cálculo da reincidência, não a possuía quando a época dos fatos (fl. 91). Sobre a conduta social e a personalidade não há nos autos elementos que autorizem a análise de tais circunstâncias. Os motivos, as circunstâncias e as consequências não ensejam exarcebação da reprimenda. O comportamento da vítima em nada influiu para o cometimento do ilícito penal.
Não tendo a ré circunstância judicial desfavorável aplica-se reprimenda no mínimo legal, qual seja, 1 (um) ano de reclusão e pagamento de 10 (dez) dias-multa, cada dia no seu valor unitário mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo à época do delito, corrigido monetariamente.
Na segunda fase, inexistem circunstâncias agravantes e/ou atenuantes; desta feita, mantém-se a fixação da pena em 1 (ano) ano de reclusão.
Por fim, ausentes causas especiais e/ou gerais de diminuição de pena, mas presente a causa de aumento de pena prevista no inciso II, do art. 141 do Código Penal, porquanto a injúria qualificada foi praticada contra servidor público em razões de suas funções, exaspera-se a reprimenda em 1/3, finaliza-se em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa, cada dia no seu valor unitário mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo à época do delito, corrigido monetariamente, pela prática do crime descrito no art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, ambos do Código Penal.
Fixa-se o regime inicial aberto para cumprimento da reprimenda corporal, uma vez que a apelada não é reincidente, possui pena inferior a 4 (quatro) anos e nenhuma circunstância judicial desfavorável.
2.2 DO CRIME DE DESACATO
A culpabilidade da ré é normal à espécie. Quanto aos antecedentes, assim entendidos como as sentenças penais condenatórias que não mais se prestam para o cálculo da reincidência, não a possuía quando a época dos fatos (fl. 91). Sobre a conduta social e a personalidade não há nos autos elementos que autorizem a análise de tais circunstâncias. Os motivos, as circunstâncias e as consequências não ensejam exarcebação da reprimenda. O comportamento da vítima em nada influiu para o cometimento do ilícito penal.
Não tendo a ré circunstância judicial desfavorável aplica-se reprimenda no mínimo legal, qual seja, 6 (seis) meses de detenção.
Na segunda fase, inexistem circunstâncias agravantes e/ou atenuantes; desta feita, mantém-se a fixação da pena em 6 (seis) meses de detenção.
Por fim, ausentes causas especiais e/ou gerais de diminuição ou aumento de pena, finaliza-se em 6 (seis) meses de detenção, a pena pela prática do crime descrito no art. 331 do Código Penal.
Fixa-se o regime inicial aberto para cumprimento da reprimenda corporal, a teor do art. 33, § 2°, “c”, Código Penal.
Por fim, finalizo a reprimenda corporal de MARCIA DE FATIMA FONTOURA em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão em regime aberto e 13 (treze) dias-multa, cada dia no seu valor unitário mínimo de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo à época do delito, corrigido monetariamente, por infração do art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, ambos do Código Penal; e em 6 (seis) meses de detenção em regime aberto pela prática do crime descrito no art. 331 do Código Penal.
Logo, dá-se provimento ao recurso ministerial.
3 PRESCRIÇÃO EX OFFICIO
Em razão da pena ora aplicada aos crimes em comento, é de ser declarada extinta a punibilidade, pela prescrição da pretensão punitiva do Estado na forma retroativa, que por se tratar de matéria de ordem pública merece ser reconhecida de ofício, consoante dispõe o art. 61 do CPP.
Importante salientar, que conforme lição de Damásio de Jesus: " No concurso material, para efeito de prescrição da pretensão punitiva, as penas não são somadas. Cada crime, considerados os termos iniciais próprios, tem seu respectivo prazo" (Prescrição Penal. 18 ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 57).
Quanto ao crime de desacato, a pena aplicada à apelada foi de 6 (seis) meses de detenção. Importante ressaltar que a Lei n. 12.234, de 5 de maio de 2010, alterou o inc. VI do art. 109 do CP, majorou o prazo prescricional de 2 (dois) anos para 3 (três) anos quando a pena for inferior a 1 (um) ano, ocorre que imprescindível que os efeitos do antigo texto legal perdurem no tempo.
Isso porque, a redação vigente à época dos fatos, é mais benéfica a ré, porquanto previu lapso temporal menor para a ocorrência da prescrição, devendo, portanto, ser integralmente aplicada nessa hipótese, sob pena de ferir o princípio da irretroatividade da lei penal maléfica.
Vê-se que o art. 109, VI, do CP (redação anterior à Lei n. 12.234/2010) prevê que a causa extintiva da punibilidade prevista no art. 107, IV, do mesmo diploma ocorrerá em 2 (dois) anos, caso a sanção aplicada ou abstratamente cominada seja inferior a 1 (um) ano, observadas as interrupções da prescrição descritas no art. 117 do CP.
Desta feita, examinando os marcos interruptivos do art. 117 do CP, constata-se que entre o recebimento da denúncia (28/6/2005 - fl. 2) e o presente julgamento transcorreu tempo superior ao limite legal de 2 (dois) anos, razão pela qual se declara extinta a punibilidade da apelada quanto ao delito descrito no art. 331 do CP, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado na forma retroativa, com fundamento nos arts. 107, IV; 109, VI e 110, § 1º, todos do Código Penal.
Em relação ao crime do art. art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, ambos do Código Penal a apelada foi condenada a pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão e 13 (treze) dias-multa esta no mínimo legal, ocorre que, de acordo com o art. 109, V, do Código Penal, quando a pena for igual a 1 (um) ano ou, sendo superior, não ultrapasse a 2 (dois), o prazo prescricional dá-se em 4 (quatro) anos.
Assim, promovendo-se o cotejo da data do recebimento da denúncia, 28/6/2005 (fl. 2), com a deste julgamento, ocorreu o transcurso de lapso superior ao indicado, particularidade que obriga que se declare a extinção da sua punibilidade, de ofício, clara a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva do Estado, na sua forma retroativa, nos termos dos arts. 107, IV; 109, IV e V; 110, § 1º, todos do Código Penal.
Logo, declara-se extinta a punibilidade da apelada Marcia de Fatima Fontoura em relação aos delitos definidos art. 140, § 3°, c/c art. 141, II, e art. 331 todos do Código Penal, em face da prescrição da pretensão punitiva do Estado na forma retroativa, com fundamento nos arts. 107, IV; 109, V e VI, e 110, § 1º, todos do Código Penal.
Este é o voto.

Nenhum comentário: