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sábado, 7 de agosto de 2010

Entrevista com Juiz Federal

07/08/2010 - 09:00 - Atualizado em 07/08/2010 - 08:35
Fausto De Sanctis: "Há hoje uma babel jurídica no Brasil"
Ao estrear como romancista, o juiz dos casos mais polêmicos do país critica o funcionamento do Poder Judiciário
WÁLTER NUNES

O juiz Fausto De Sanctis ganhou notoriedade por estar à frente de alguns dos mais rumorosos casos de crimes fiscais, lavagem de dinheiro e corrupção do país. Pela atuação à frente desses processos, De Sanctis ganhou aplausos, popularidade, mas também muitas críticas de adversários que enxergam desrespeito à lei em algumas de suas decisões. O juiz escreveu 11 livros sobre Direito. Nesta semana, fará sua estreia na ficção com o lançamento de um romance policial, primeiro de um série de cinco, em que o protagonista é um juiz, Fernando Montoya Di Sorrento, envolvido num difícil caso de grande repercussão na imprensa. As iniciais dos nomes do autor e do personagem são as mesmas. Mas logo nas primeiras páginas o leitor é advertido: “Qualquer semelhança com nomes, pessoas, situações ou fatos é mera coincidência”. De Sanctis está prestes a assumir uma vaga de desembargador no Tribunal Regional Federal da 3ª Região, em São Paulo. Na semana passada, ele recebeu ÉPOCA para falar sobre seu romance e sua atuação como juiz de primeira instância.


ENTREVISTA - FAUSTO MARTIN DE SANCTIS

Gabriel Rinaldi/ÉPOCA QUEM É
Juiz federal, tem 46 anos e é pai de dois filhos


O QUE FEZ
Prendeu por crimes financeiros entre outros o banqueiro Daniel Dantas, do Banco Opportunity, e diretores da Camargo Corrêa


O QUE PUBLICOU
Escreveu 11 livros sobre Direito. O último é Lavagem de dinheiro. Jogos de azar e futebol. Estreia como escritor de ficção com Xeque-mate, romance policial

ÉPOCA – Por que o senhor escreveu um livro de ficção?
Fausto De Sanctis –
No início do ano passado eu estava corrigindo dois livros de Direito que havia escrito. Meu filho Thomas me perguntou por que eu escrevia esses livros. Eu disse: “Você quer que eu escreva sobre o quê? “E ele: “Escreve uma história de um juiz”. Recebi isso como uma determinação. Eu já estava querendo retratar para as pessoas o juiz como uma figura humana. Então juntou a fala dele com essa necessidade que eu tinha. E aí deu uma vontade incrível, comecei a escrever imediatamente.

ÉPOCA – O que o livro tem de autobiográfico?
De Sanctis –
As situações foram criadas, mas foram inspiradas em minhas observações no dia a dia, tanto no Judiciário quanto fora. Eu só poderia escrever sobre algo com o qual eu tenho familiaridade. Há alguns personagens que foram criados a partir de várias pessoas. Há outros em que eu me inspirei especificamente em uma pessoa.

ÉPOCA – O senhor vai deixar de ser juiz federal de primeira instância depois de 20 anos. Qual é seu balanço desse período?
De Sanctis –
A Justiça Federal mudou drasticamente. Quando eu entrei, só se tratava de descaminho (contrabando), ou seja, de ônibus vindos do Paraguai. Tudo o que era mais relevante não era investigado. Em 2004, a criação de uma vara especializada em crimes financeiros e lavagem de dinheiro permitiu um avanço. Houve um ganho grande em qualificação dos funcionários, dos advogados, do Ministério Público e da Polícia Federal. Isso permitiu que a Justiça cuidasse de fatos importantes que mereciam as respostas adequadas.

"Cada juiz entende de um jeito. Não há o mínimo de coesão institucional"

ÉPOCA – Essas respostas estão sendo dadas? Muitos dos presos nesses grandes casos estão soltos.
De Sanctis –
Em termos de primeira instância, essas respostas estão sendo dadas, mas ainda falta muito para chegar a um estado satisfatório do funcionamento da Justiça Criminal.

ÉPOCA – O senhor está dizendo isso porque seus principais processos, como a Operação Castelo de Areia, que acusa diretores da empreiteira Camargo Corrêa, e a Operação Satiagraha, que investigou o banqueiro Daniel Dantas, estão parados em tribunais superiores?
De Sanctis –
Não posso falar sobre fatos concretos. Posso dizer que a paralisação de feitos é um fato peculiar no Brasil. Isso demonstra falta de estrutura ou necessidade de maior empenho daqueles que estão à frente desses casos. Isso vale para o Ministério Público, para a defesa e para os juízes de outros graus. Há também o acúmulo de serviço. O Judiciário precisa saber ao que deve dar prioridade.

ÉPOCA – De quem é a responsabilidade pela impunidade?
De Sanctis –
Eu posso falar do que eu faço e percebo. A ausência de trânsito em julgado e a sistemática paralisação de processos em curso, mesmo com toda a bagagem que existe de provas, fazem com que o processo acabe sendo anulado ou prescrevendo. Houve avanço? Sim, mas estamos longe do ideal. Na vara que comando, não houve nenhum caso de lavagem de dinheiro que foi transitado em julgado. Não há ninguém cumprindo pena por lavagem de dinheiro.

ÉPOCA – Por que isso acontece?
De Sanctis –
Por que há hoje uma babel jurídica no Brasil. Cada juiz entende de um jeito. Não há o mínimo de coesão institucional. Não se chega a resultado nenhum. Ninguém espera que os tribunais superiores fiquem reiterando os juízes de primeira instância e nem se pode esperar que o juiz de primeiro grau reitere o grau superior. Mas não é possível trabalhar do jeito como está hoje. Sem querer desrespeitar nenhum ministro ou desembargador, tudo é paralisado e interrompido – às vezes – sem apreciação profunda da prova e do que se decide na primeira instância.

ÉPOCA – O senhor respondeu a dezenas de representações na Corregedoria do Tribunal da 3ª Região e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O senhor foi acusado de conceder indiscriminadamente senhas de quebra de sigilo telefônico e iniciar investigações com denúncia anônima. Em algumas ocasiões, o senhor não exorbitou de suas funções e agiu como um justiceiro para punir suspeitos?
De Sanctis –
Quando não se quer discutir o fato concreto, o caminho é desqualificar a pessoa de alguma forma com um termo pejorativo. Acusar-me de arbitrário ou de justiceiro é um caminho fácil para não discutir o que interessa num processo. Tudo o que foi feito aqui foi feito com base na lei e com base em fatos concretos e nas provas e evidências que existem. Existe uma interpretação jurisdicional. As convenções internacionais das Nações Unidas permitem o uso de técnicas especiais de investigação e determinam que os Estados têm de se comprometer com um combate eficaz dos crimes. Falam claramente que denúncias anônimas, interceptações telefônicas, escutas ambientais têm de ser admitidas pelo país. O Brasil concordou e assinou isso.

ÉPOCA – O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), disse que nos casos sob sua responsabilidade houve um conluio entre Polícia Federal, Ministério Público e juízes.
De Sanctis –
É importante esclarecer o seguinte. O estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil obriga os juízes a atender os advogados. Eu, cumprindo a lei, atendo. O Código de Ética da Magistratura obriga o juiz a atender todas as partes envolvidas. Se o juiz atende uma parte, tem de atender as outras. O atendimento da parte não revela que o juiz está em conluio. Revela o cumprimento da lei. Quem conhece o trabalho realizado aqui sabe que é um trabalho imparcial e de respeito mútuo. Estou tranquilo nessa parte. E a Corregedoria já arquivou essa representação.

ÉPOCA – O que o senhor acha do trabalho de instituições como as corregedorias de tribunais e o CNJ?
De Sanctis –
No Brasil as instituições ainda estão encontrando seu verdadeiro caminho. A importância da independência judicial como um valor da democracia é algo irrenunciável num país que se diz em estado de direito. Eu acredito no CNJ, acredito no Supremo, acredito nas cortes em geral e acredito que vai se chegar ao consenso de dizer que questões jurisdicionais não podem ser objeto de punição para o juiz que agiu conforme sua consciência.

ÉPOCA – Seu nome foi incluído numa lista de seis nomes mais votados pelos juízes que deveriam ser indicados para o Supremo. A lista foi encaminhada ao presidente Lula pela Associação dos Juízes Federais. O senhor tem a ambição de ir para o Supremo?
De Sanctis – Para mim, a indicação foi muito gratificante. Tenho certeza de que os colegas decidiram assim porque fizeram opção pela independência da magistratura, pela necessidade de os juízes levarem sua experiência para o Supremo. Sem desmerecer nenhum ministro, mas a experiência conta muito. Está mais do que na hora de o Supremo ser integrado por juízes federais. Hoje, não há nenhum lá. Não falo por mim, mas pela instituição.

Fonte: ÉPOCA

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