Apelação Cível n. 2008.028989-9, de Criciúma
Relator: Des. Sérgio Roberto Baasch Luz
INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO MUNICÍPIO – TEORIA DO RISCO ADMINISTRATIVO - DICÇÃO DO ARTIGO 37, § 6º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – ALEGADO IMPEDIMENTO DE PREGAR CRENÇA RELIGIOSA EM ESPAÇO PÚBLICO
PRELIMINAR - CERCEAMENTO DE DEFESA – DISPENSA PELA TOGADA, EM AUDIÊNCIA, DA OITIVA DAS TESTEMUNHAS – INSURGÊNCIA - DECISÃO INTERLOCUTÓRIA NÃO ATACADA EM MOMENTO OPORTUNO – EXEGESE DO ART. 523, §3º, DO CPC - PRECLUSÃO TEMPORAL – PRELIMINAR AFASTADA
- Deveria o apelante, inconformado com a decisão deferida em sede de audiência, ter interposto agravo retido (art. 523, §3º, do CPC). No entanto, não havendo interposição de recurso próprio para atacar aquela decisão interlocutória, sobre aquele enfoque recai a preclusão temporal.
MÉRITO - ALEGADO CONSTRANGIMENTO MORAL E AGRESSÃO À LIBERDADE DE RELIGIÃO – NÃO DEMONSTRAÇÃO DA SUPOSTA OFENSA E DO NEXO DE CAUSALIDADE - FALTA DE PRESSUPOSTOS PARA A INDENIZAÇÃO – SENTENÇA MANTIDA – RECURSO IMPROVIDO
- "Ausente o nexo de causalidade entre o dano sofrido e a conduta do agente, requisito indispensável para a responsabilização civil, a improcedência do pleito indenizatório é medida que se impõe (AC n. 2007.054597-6, Rel. Des. Fernando Carioni, julgado em 10.12.2007)" (AC n. 2006.030802-1, rel. Des. José Volpato de Souza, de Lages, julgado em 03/07/2008).
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n. 2008.028989-9, da comarca de Criciúma (2ª Vara Cível), em que é apelante Edionofre Costa, e apelada Empresa Pública de Trânsito e Transportes de Criciúma S.A. - CRICIUMATRANS:
ACORDAM, em Primeira Câmara de Direito Público, por votação unânime, negar provimento ao recurso. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Trata-se de apelação cível interposta por Edionofre Costa, contra sentença proferida pela douta togada monocrática que, nos autos de ação condenatória de indenização por danos morais, movida pelo apelante em face de CRICIUMATRANS - Empresa Pública de Trânsito e Transportes de Criciúma S.A., julgou improcedente o pedido contido na exordial, asseverando que "[...] a ré agiu de acordo com os padrões normais de conduta. Merece nota o fato de que o agir da ré destinava-se também a proteção de seu patrimônio em detrimento da convenção que rege o condomínio, excluindo qualquer possibilidade de haver restrição religiosa." (fl.75).
Por fim, condenou o autor vencido ao pagamento das despesas processuais e honorários advocatícios, estes arbitrados em 20% sobre o valor da condenação, nos moldes do art.20, §3º do CPC. Suspensa a sua cobrança tendo em vista o requerente ser beneficiário da assistência judiciária gratuita.
Inconformado o autor interpôs recurso de apelação, asseverando, preliminarmente, o cerceamento de defesa pela dispensa injustificada da oitiva das testemunhas trazidas pela parte autora, tendo em vista a ausência do procurador da empresa ré na audiência de instrução e julgamento.
No mérito alegou que não há dúvidas do abalo moral sofrido, razão pela qual a apelada tem o dever de reparar o dano causado, "pois, o povo brasileiro por sua natureza constitui-se como um povo de fé, desta forma a busca em difundir a palavra de Deus, para os membros da sociedade, constitui-se como um estabelecimento de paz espiritual e isto são fundamentais para uma sociedade tão violenta e era isso que o autor fazia no momento que sofreu a ofensa descrita na peça inicial" (fl.85).
Asseverou ainda o apelante que os atos realizados fazem parte da liturgia de sua crença religiosa, restando protegida pela Constituição Federal, art. 5º, VI.
Contra-arrazoados, os autos ascenderam a esta Corte. A douta Procuradoria Geral de Justiça, manifestou-se pela ausência de interesse público a motivar a intervenção ministerial.
É o relatório.
VOTO
Primeiramente, não há de se falar em cerceamento de defesa. Analisando-se o transcorrer processual, pode-se verificar que em audiência (fl.71), a magistrada entendeu por necessário dispensar as testemunhas trazidas pela parte autora, realizando, tão-somente, a oitiva do requerente.
Assim, deveria o apelante, inconformado com a decisão deferida em sede de audiência, ter interposto recurso próprio (agravo retido) para atacar aquela decisão interlocutória, não realizado, recai sobre aquele enfoque a preclusão temporal, nos moldes do art. 523, §3º do Código de Processo Civil.
Afastada a preliminar argüida, passa-se ao exame do mérito da demanda.
O art. 186 do Código Civil, ao definir o ato ilícito, conceitua-o in verbis: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.
Ocorrendo o ato ilícito, exsurge ao causador do dano a responsabilidade civil, a qual é classificada em subjetiva, fundada na teoria da culpa, nas hipóteses de imprudência, negligência e imperícia e na objetiva, respaldada pela teoria do risco.
Destarte, de acordo com o art. 37, § 6º da Constituição Federal, adotou-se a teoria do risco administrativo quanto à responsabilidade civil objetiva do Ente Público. Ou seja, deve-se indenizar os danos causados a terceiros, independentemente de demonstração da culpa, diante da comprovação do nexo de causalidade entre o fato e o dano.
Segundo Hely Lopes Meirelles:
“O exame desse dispositivo revela que o constituinte estabeleceu para todas as entidades estatais e seus desmembramentos administrativos a obrigação de indenizar o dano causado a terceiros por seus servidores, independentemente da prova de culpa no cometimento da lesão” (Direito Administrativo Brasileiro, 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 622).
Sabe-se que, para a configuração da responsabilidade objetiva, devem estar preenchidos todos os seguintes requisitos: a existência do dano, a ocorrência da ação ou omissão, o nexo causal, e a falta de causa excludente de responsabilidade, caso contrário não há de se julgar procedente o pedido indenizatório.
Ao caso em concreto, o requerente inconformado com a sentença monocrática que indeferiu o pleito indenizatório, interpôs recurso de apelação, alegando, em síntese, afronta ao preceito constitucional de liberdade de religião, bem como constangimento moral ao ser expulso no momento em que "estava pregando a palavra de Deus no Terminal Central de Ônibus" (fl.21).
No entanto o apelante deixou de realizar qualquer tipo de prova que demonstrasse a alegada injusta abordagem do funcionário da requerida, para com sua pessoa, no momento em que tentava pregar ensinamentos religiosos aos transeuntes.
Por iguais razões, analisando-se os documentos anexados nos presentes autos, verificou-se, tão-somente, a juntada do Boletim de Ocorrência relatado de forma unilateral pelo autor da demanda, bem como um panfleto com dizeres religiosos (fls.21/22). Documentos estes insuficientes para a demonstração do nexo de causalidade entre a suposta agressão moral perpetrada pelo funcionário e os supostos danos alegados pelo autor.
Outrossim mesmo que restasse demonstrado a alegada conduta comissiva do agente, tal ato não seria justificador da reparação moral, uma vez que não restou verificado qualquer atitude grosseira no sentido de expulsar o requerente daquele local, bem como indícios de agressão física.
Onde, "[...]só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio no seu bem-estar." (Op. Cit, p. 78).
Ao contrário, pelo relato descrito em Boletim de Ocorrência, o próprio requerente afirma que fora solicitado por um fiscal que o mesmo se retirasse daquele estabelecimento. Não restando configurado, portanto, qualquer evidência de situação vexatória e humilhante que justificasse a reparação por danos morais.
Do histórico descrito em Boletim de Ocorrência pelo requerente:
"Relata que é da Igreja Assembleia de Deus, e estava pregando a palavra de Deus no terminal Central de Onibus quando de repente um fiscal de Crisciuma Trans de none Arlei Gomes pediu para o comunicante se retirasse do local, sendo que o comunicante tem a permissão da prefeitura para pregar a palavra de Deus." (fl.21). Grifo nosso.
Ademais, convém mencionar o uso desenfreado do instituto da responsabilidade civil como busca do enriquecimento sem causa. Assim, lamentavelmente, tem se visto com maior freqüência a busca pelo lucro incomensurável, sem qualquer ato justificável de reparação.
Por esta forma, "Mero dissabor, aborrecimento, mágoa, irritação ou sensibilidade exacerbada estão fora da órbita do dano moral, porquanto, além de fazerem parte da normalidade do nosso dia-a-dia, no trabalho, no trânsito, entre os amigos e até no ambiente familiar, tais situações não são intensas e duradouras, a ponto de romper o equilíbrio psicológico do indivíduo" (FILHO, Sérgio Cavalieri. Programa de responsabilidade civil, 4. ed., São Paulo: Malheiros, 2003, p. 105)
Nestes termos, conforme corretamente exposto pelo doutrinador Carlos Dias Motta "[...] o maior desafio da doutrina e da jurisprudência hoje não mais é a aceitação por dano moral, já garantida constitucionalmente, mas, paradoxalmente, estabelecer seus limites e verificar em que situação não é cabível. O uso despropositado do instituto poderá conduzi-lo ao descrédito e provocar lamentável retrocesso, em prejuízo daqueles que dele realmente merecem seus benefícios [...]" (Dano Moral por abalo indevido de crédito. Revista dos Tribunais, São Paulo: RT, n. 760, p. 92, fev. 1999).
Portanto, ausente a presença do nexo de causalidade entre o abalo moral sofrido pelo requerente e a suposta conduta comissiva do funcionário da requerida, não há razão para alterar a sentença de primeiro grau, mantendo-se o entendimento pela improcedência do pedido indenizatório.
Diante do exposto, nega-se provimento ao recurso.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, nega-se provimento ao recurso.
O julgamento, realizado no dia 2 de dezembro de 2008, foi presidido pelo Exmo. Sr. Des. Newton Trisotto, com voto, e dele participou o Exmo. Sr. Des. Vanderlei Romer.
Pela douta Procuradoria-Geral de Justiça, lavrou parecer o Dr. André Carvalho.
Florianópolis, 3 de dezembro de 2008.
Sérgio Roberto Baasch Luz
Relator
Fonte: Portal do TJ/SC
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