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segunda-feira, 2 de agosto de 2010

A fé religiosa, a mídia e as eleições

16.10.09

- Deus: um Cabo Eleitoral

Intrigante, instigante e impressionante a matéria da Revista CartaCapital de 14/10/2009, páginas 32-37, por Gilberto Nascimento, sobre o título: “Que se cuidem os infiéis - um Deus cabo eleitoral“.

Nela, mostra-se como o eleitorado e os candidatos se relacionam em questões politico-religiosas, as diferentes profissões de fé frente as candidaturas de seus membros e como pode ocorrer virtudes e desvios dessa combinação explosiva. Ainda, a influência da mídia religiosa televisa e até um mal-estar envolvendo Sílvio Santos!

Independente da crença, vale a pena refletir (com todos os cuidados para não se ferir o foro intímo de cada um) sobre o tema:

QUE SE CUIDEM OS INFIÉIS

Um novo coronelismo eletrônico começa a tomar corpo no Brasil. Ele se espelha na velha estratégia de associar o controle dos meios de comunicação ao poder político, à moda de clãs como os Sarney, no Maranhão, e os Magalhães, na Bahia. Com uma diferença: os movimentos têm como pano de fundo a fé religiosa.

Nunca antes grupos – sejam evangélicos, sejam católicos – acumularam tanta influência na mídia. E nunca trabalharam tão claramente para eleger diretamente deputados, senadores e governadores ou apoiar candidatos identificados com suas ideias e projetos, que incluem a oposição ao aborto e à união homossexual, para citar dois casos no campo dos direitos civis. “O deputado-pastor ou deputado-bispo tem a sua eleição garantida pela hierarquia religiosa que o escolhe, mas tem por função defender todo e qualquer interesse que envolva a sua agremiação religiosa. O seu mandato não é dos eleitores, mas daqueles que o colocam no Parlamento. Ele deve prestar contas somente a quem o indicou”, constata o presbiteriano Leonildo Silveira Campos, professor de pós-graduação em Ciências da Religião na Universidade Metodista.

“Na Câmara, os representantes das igrejas vão defender os valores considerados legítimos por elas, como o combate ao aborto, e os interesses das corporações religiosas no campo da comunicação”, acrescenta Campos, autor do estudo Evangélicos e Mídia no Brasil – Uma história de acertos e desacertos.

Igrejas evangélicas como a Universal do Reino de Deus, Internacional da Graça, Mundial do Poder de Deus e Assembleia de Deus e os movimentos ligados à Renovação Carismática (a versão católica do pentecostalismo) aumentam a cada dia a sua presença na mídia. Entre os carismáticos, o grupo que mais cresce é o da Canção Nova, fundada em 1978, em Cachoeira Paulista (SP), no Vale do Paraíba.

Com o controle dos meios de comunicação para expor suas ideias, os grupos religiosos se fortalecem politicamente. Fazem o seu proselitismo, combatem ideias contrárias aos seus interesses e expõem maciçamente a imagem dos religiosos que, no futuro, podem se tornar líderes políticos.

A tendência, avalia o pesquisador Antônio Flávio Pierucci, professor do Departamento de Sociologia da USP dedicado aos estudos da religião, é o Congresso tornar-se mais conservador, principalmente em temas ligados aos direitos civis.

“Há um risco para a sociedade de termos cada vez mais, na Câmara dos Deputados, políticos defendendo teses conservadoras. Eles estão lá para impedir a modernização cultural. Vão barrar propostas sobre aborto, união civil de homossexuais e outros temas morais. Questões como os direitos reprodutivos da mulher são combatidos pela bancada evangélica, com a ajuda da católica. Haverá um grande atraso para o País”, acredita Pierucci.

Já o avanço de cultos no controle da mídia provoca reações do velho oligopólio dos meios de comunicação e não mais só da Rede Globo. Em sua estratégia de crescimento, as igrejas pentecostais elegeram como alvo as emissoras regionais e passaram a comprar canais afiliados às grandes redes. O SBT, a emissora que mais perdeu espaço para os evangélicos, decidiu agora declarar guerra a esses grupos.

Não se trata exatamente de um movimento para levar os fãs de Silvio Santos às ruas contra a liberdade religiosa. Mas o canal do homem-sorriso quer impedir que bispos e pastores continuem arrendando canais de tevê ou comprando espaços na programação. Em dificuldades para bancar o custo da transmissão dos programas das redes nacionais, as emissoras locais passaram a receber ofertas vantajosas das igrejas.

A tevê “mais feliz do Brasil” (esse é o slogan do SBT) tem motivos de sobra para ficar triste. De 1995 para cá, o canal de Silvio Santos perdeu treze de suas emissoras afiliadas apenas para a Record, controlada pela Igreja Universal do Reino de Deus, do bispo Edir Macedo.

Somente em 2009, outras cinco emissoras abandonaram o dono do Baú da Felicidade para passar a veicular os cultos e pregações do apóstolo Valdemiro Santiago, líder da Igreja Mundial do Poder de Deus. De uma hora a outra, Silvio Santos ficou sem as tevês Alagoas, de Maceió, e Cidade Verde, de Cuiabá, Sapezal, Rondonópolis e Tangará da Serra, de Mato Grosso.

No ano passado, o SBT perdeu para a Record quatro emissoras da Rede Santa Catarina (a de Florianópolis, a de Blumenau, a de Chapecó e a de Joinville). A RedeTV! é outra vítima. No dia 29 de setembro, ficou sem a TV Piauí (canal 19), de Teresina, que migrou para o grupo do apóstolo Santiago.

Dissidente da Universal, o apóstolo da Mundial é um novo fenômeno do pentecostalismo. Como Macedo, promete curas milagrosas e atrai multidões em seus cultos. Sua igreja ocupa atualmente 22 horas da programação diária de emissoras como o Canal 21, da Rede Bandeirantes. Valdemiro desbancou a PlayTV, da Gamecorp, empresa de jogos para celular e tevê que tem como sócio Fábio Luís Lula da Silva, o filho do presidente Lula, e era a responsável pela grade do Canal 21 até 2008. Pelo espaço na programação, a Mundial paga 3 milhões de reais, segundo seus dirigentes. Mas há quem garanta que o valor é maior.
A Band produz apenas um telejornal de duas horas e o restante da programação é completada com os cultos da Mundial. Na TV Alagoas e na TV Piauí, essa prática deve se repetir. Santiago ainda arrenda ou compra horários em outras catorze emissoras, entre elas a RedeTV!, a CNT e a Boas Novas (da Assembleia de Deus).
Para tentar frear o ímpeto dos evangélicos, o diretor de rede do SBT, Guilherme Stoliar, foi a Brasília pedir apoio ao ministro das Comunicações, Hélio Costa. O executivo da emissora considera ilegal o arrendamento de canais. Ele se baseia no Decreto 8.806, de 1983, que determina que as tevês não podem vender mais do que 25% de seus espaços.

A Record aluga hoje cinco horas diárias – 21% do seu espaço – apenas para a Universal. A igreja compra por valores majorados o horário das madrugadas, de baixíssima audiência. Segundo informações divulgadas pela imprensa, o valor teria chegado a 400 milhões de reais no ano passado. A Record diz que não divulga o total pago. Mas a própria Universal chegou a oferecer à TV Globo, em agosto, 545 milhões de reais por horários na grade da concorrente. A Globo nem sequer respondeu. Em 2007, já teria recusado proposta semelhante.

Ao controlar a programação quase completa de várias emissoras, a Mundial estaria em situação irregular. “Não é legal e traz prejuízos para a radiodifusão e para a sociedade o arrendamento de programação parcial ou integral. A empresa que recebe uma concessão, dada pelo Executivo e homologada pelo Legislativo, não tem o direito de arrendar a terceiros”, defende Stoliar. A Mundial rebate. Diz que as igrejas têm o direito de divulgar suas mensagens e o acordo feito com as emissoras resulta num “contrato de gestão de conteúdo”.
Segundo Stoliar, a prática do arrendamento nas tevês tem aumentado. Ele diz, porém, não saber se a perda de suas emissoras deve-se unicamente ao dinheiro. “Não podemos afirmar, pois não temos como provar. Existem informações de que algumas foram compradas e outras alugadas por valores expressivos. Em nenhum dos casos fomos procurados por nossas afiliadas para uma negociação. Simplesmente fomos informados”, protesta.

Em contrapartida, representantes da Mundial lembram que o próprio dirigente do SBT é dono da TV Alphaville, de São Paulo, e transmite nessa emissora programas de religiosos, inclusive do apóstolo Santiago. “Na televisão fechada não existe nenhum impedimento legal de se vender programação a terceiros. A tevê a cabo é essencialmente uma distribuidora de conteúdos de terceiros. As leis para a cabo e para a radiodifusão são distintas”, defende-se Stoliar.

O executivo não revelou o teor de sua conversa com Hélio Costa. O Ministério das Comunicações informou, por meio de sua assessoria, que só se posiciona nesse tipo de caso quando provocado por uma denúncia formal. O dirigente do SBT, entretanto, não teria feito uma representação. Por outro lado, o ministério abriu processo contra a Record por ter transformado sua retransmissora de Campinas em geradora.
O novo inimigo da rede de Silvio Santos, Santiago, repete hoje Edir Macedo. O apóstolo ergue diariamente novos templos no Brasil e no exterior. Seus seguidores dizem que o número de igrejas no País pulou de 487, em 2008, para 1.600 neste ano. O crescimento é de 328,5%.

Em Moçambique, a Mundial conta com 30 templos. Na Argentina, 12. A Igreja está instalada ainda nos Estados Unidos, no Japão, em Portugal, no Uruguai e em Angola. Sua programação religiosa vai para toda a África e Europa por meio de um satélite. Uma produtora se encarrega de fazer a tradução simultânea, ao estilo dos programas dos tele-evangelistas americanos, como Rex Humbard, Billy Graham e Jimmy Swaggart, famosos nos anos 1980.

A sede das igrejas pelo seu próprio veículo de comunicação, segundo Leo-nildo Campos, é resultado da competitividade no campo religioso do País, a partir dos anos 1980. “É preciso atrair mais fiéis. A mídia, numa sociedade urbana e de massas, é o único meio para anunciar a sua mensagem. Porém, como outros estão nessa competição acirrada, torna-se necessário vencer a concorrência por meio de uma decisão religiosa. Essa decisão pode ser estimulada por uma propaganda religiosa apropriada e daí vem a importância do veículo de comunicação”, detecta o professor. “O religioso, então, supera o seu púlpito e torna-se um pregador das multidões.”

Outra razão para o crescimento das novas igrejas na mídia é o fato de terem um caixa único, observa Campos. “Se alguém faz uma doação para a Universal no Acre, no dia seguinte está na conta. Isso possibilita à igreja ter uma quantidade de dinheiro suficiente para participar de um leilão ou de uma disputa em melhor condição”, avalia o estudioso. “A Universal pode ter 10 milhões de reais na conta. Não precisa dividir com paróquias ou bispos. Essa foi a grande sacada do Edir Macedo: ter dinheiro na mão para fazer negócio.”

As igrejas buscam os veículos de comunicação e o poder político também para tentar superar as concorrentes. “Eles vão se comer uns aos outros. Há ataques violentíssimos feitos por integrantes da Mundial à Universal. A igreja de Edir Macedo cresceu, ficou muito forte e a sua trajetória é imitável. O Valdemiro quer chegar aonde o Macedo chegou. Por isso, ele peita o Macedo”, diz Pierucci.

A Rede Record, que diz ter a Universal apenas como uma “cliente”, reúne hoje 30 emissoras no País (cinco próprias e 25 afiliadas) e 747 retransmissoras, segundo o Ministério das Comunicações. A Record afirma ter 105 emissoras (entre próprias e afiliadas). Conta ainda com a Record News, a Rede Família e a Record Internacional (Estados Unidos, Canadá, Japão, Europa e África). A Igreja Internacional da Graça, do missionário R.R. Soares – fundador da Universal, ao lado de Macedo – montou a Rede Internacional de Televisão (RIT), com oito emissoras próprias. Já chegou a Portugal e aos Estados Unidos.

Os católicos também continuam a construir o seu império de comunicação. Mas, por contarem com a simpatia dos meios de comunicação dominantes e de setores influentes da sociedade, raramente são criticados por isso. Em março, o Ministério das Comunicações concedeu quatro retransmissoras para a Rede Vida: em Joinville (SC), São Roque (SP), Oiapoque (AP) e Pedra Branca do Amapari (AP). A rede já contabiliza 472 transmissoras.

Reconhecida em 2008 como uma nova comunidade da Igreja Católica, a Canção Nova cresce a passos largos. Já possui duas emissoras de tevê e 272 retransmissoras, além de uma rede de rádio. Conta com tevê e rádio em Portugal e casas de formação em Israel, França, Itália, Portugal, Inglaterra, Estados Unidos e África. O site da Canção Nova é uma das páginas religiosas mais acessadas no mundo. Tem 7 milhões de acessos ao mês e reveza-se na liderança com o portal do Vaticano, segundo os dirigentes do movimento.

Para o pesquisador Pierucci, grupos católicos, como a Canção Nova, querem trilhar o mesmo caminho que os evangélicos, mas não conseguirão êxito. “A estrutura é muito diferente. Na Igreja Católica, sempre há alguém acima mandando mais que o padre. Entre os evangélicos, se há algum problema o pastor sai e funda outra igreja. Os católicos não têm como fazê-lo”, analisa.

Como acontece entre os laicos, a expansão do controle midiático implica imediatamente aumento do poder político. Católicos e evangélicos trabalham com uma intensidade inédita para aumentar sua representação política em 2010. A Canção Nova vai lançar candidatos à Câmara dos Deputados e às assembleias de todos os estados. Para o Senado, já tem ao menos três nomes de políticos ligados ao movimento: o vereador Gabriel Chalita (PSB), em São Paulo; o deputado estadual Eros Biondini (PTB), em Minas Gerais; e Marcio Pacheco (PSC), no Rio de Janeiro.

Integrante da Canção Nova, a atriz Myriam Rios vai atrás de votos dos cariocas. Concorrerá a uma vaga de deputada estadual pelo PDT. Outros políticos ligados à Renovação Carismática devem disputar a reeleição, como os deputados Alexandre Molon (PT), na Assembleia do Rio, e Miguel Martini (PHS-MG) e Odair Cunha (PT-MG), na Câmara. “Nós não podemos substituir o partido em relação ao movimento nem o movimento pode se tornar um partido”, ressalta, sem muita clareza, o mineiro Cunha.

A Mundial segue na mesma linha. Nas últimas eleições, a igreja elegeu um vereador em São Paulo, José Olímpio (PP). No ano que vem, pretende lançar candidatos a deputado federal em todas as capitais do País. Deve ainda dar apoio a políticos como Marconi Perillo (PSDB) e Jaques Vagner (PT), candidatos ao governo em Goiás e na Bahia, respectivamente, e ao senador Aloizio Mercadante (PT-SP), que disputa a reeleição.
O candidato a deputado mais conhecido da Mundial é o pastor Ronaldo Didini (PSC), ex-Universal e ex-Internacional da Graça. Didini assume que sua principal bandeira é o combate ao casamento de gays. O pastor também promete propor na Câmara mecanismos para controlar o que “pode sair e entrar nas igrejas e o que deve ou não ser tributado”.

Para puxar votos, a Universal do Reino de Deus pensa em lançar a deputado federal em São Paulo o bispo e atual senador Marcelo Crivella (PRB-RJ), segundo comentários nos meios religiosos. Procurada, a igreja não falou sobre o assunto. Outros deputados ligados à Universal devem concorrer à reeleição, entre eles o bispo Antonio Bulhões (PMDB-SP). A Internacional da Graça e a Renascer devem repetir as candidaturas de Jorge Tadeu Mudalen (PMDB-SP) e do Bispo Gê (DEM-SP), respectivamente.

Nesse emaranhado de siglas e crenças, pouca coisa une os grupos religiosos. Um partido, porém, reúne religiosos de grupos distintos. O Partido Social Cristão (PSC), vai lançar candidatos como o católico Márcio Pacheco, Ronaldo Didini, da Mundial, e o ex-deputado e pastor Gilberto Nascimento, da Assembleia de Deus.
Na eleição de 2006, as bancadas da Universal e da Assembleia de Deus tiveram significativa redução por causa do envolvimento de seus parlamentares com os escândalos dos sanguessugas e de caixa 2 (conhecido como mensalão). A bancada da Universal caiu de 18 para 6 deputados e a da Assembleia de Deus, de 22 para 9. Os candidatos da Assembleia receberam 200 mil votos a menos do que em 2002. E de uma eleição para a outra a Universal teve a votação de seus representantes reduzida de 1,6 milhão de votos para 573 mil. Sinal, aliás, de que a fé religiosa não gera políticos mais éticos. O objetivo de ambas é recuperar o terreno perdido. Para tanto, contam com os púlpitos midiáticos.

criado por Prof Rafael Porcari 16:08:08

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