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domingo, 15 de maio de 2011

JUDEUS, PRECONCEITOS, MOBILIDADE URBANA E QUALIDADE DE VIDA EM CONFLITO



Higienópolis: de como a discussão sobre uma estação de metrô se transformou na maior polêmica da semana



Organizado pela internet, ato em protesto contra a mudança de estação no bairro atrai cerca de mil pessoas - bem longe dos 54.000 inscritos no Facebook, mas o bastante para fechar a Avenida Angélica



Adriana Caitano



Vista aérea de Higienópolis (Reprodução)

Uma churrascada completamente inusitada ocorrida neste sábado deve pôr ponto final em uma polêmica que deixou o bairro de Higienópolis, na zona oeste de São Paulo, sob os holofotes que costumam destacar seus habitantes famosos. A decisão do governo estadual de mudar a nova estação do metrô de lugar após ser pressionado por um grupo de moradores mexeu com os brios da população. O assunto virou tema de debates acalorados na internet, piadas preconceituosas e um protesto em praça pública. Até o Ministério Público decidiu entrar na história.

A região é uma das mais nobres da capital paulista, com cerca de 80.000 moradores, imóveis valorizados, carros importados circulando em suas ruas e celebridades desfilando pelas esquinas. O bairro é conhecido também por abrigar uma das maiores comunidades judaicas de São Paulo e duas das faculdades mais caras da cidade – a FAAP e o Mackenzie -, além de estar perto do Estádio do Pacaembu. Há mais de dez anos, seus habitantes protestaram contra a construção do Shopping Pátio Higienópolis porque traria complicações ao trânsito. Hoje, o local é frequentado por mais de 1,6 milhão de pessoas.

Em agosto de 2010, um grupo de moradores organizou um abaixo-assinado para impedir a construção de uma das estações da nova Linha 6-Laranja do metrô na esquina da Avenida Angélica com a Rua Sergipe, onde atualmente fica o Supermercado Pão de Açúcar. Eles argumentavam que o metrô iria aumentar o fluxo de pessoas principalmente nos dias de jogos, já que o Estádio do Pacaembu é próximo ao local inicialmente escolhido e provocaria "ocorrências indesejáveis". Também diziam que a estação ficaria muito próxima à Higienópolis-Mackenzie, que deve ser construída a três quadras dali.

Os críticos ao documento com 3.500 assinaturas relacionaram o pedido de mudança com a classe social dos habitantes de Higienópolis. As reclamações triplicaram na última quarta-feira com a notícia de que o governo havia cedido à pressão. O local da estação seria transferido para a Praça Charles Miller, exatamente como pediam os moradores listados no abaixo-assinado. “A minha impressão é de que esse grupo pequeno e que não representa a opinião da maioria conseguiu fazer uma grande marola”, diz a psicóloga Cássia Naves Fellet, que mora no bairro há 40 anos. “O metrô é importante para a cidade inteira e esta é uma região central onde circula muita gente que vem trabalhar ou passa por aqui porque precisa entregar coisas. Essas pessoas e muitos moradores precisam de opções de transporte.”

Encontro - O presidente da Associação Defenda Higienópolis, Pedro Ivanow, confirma que se reuniu com representantes do metrô em setembro do ano passado para apresentar argumentos sobre a desnecessária proximidade entre as estações. “Mas em nenhum momento houve sinal de preconceito ou pressão da nossa parte, apenas destacamos uma questão técnica com a qual o governo concordou, porque fazia todo o sentido”, afirma.

Na quarta-feira, o Metrô de São Paulo divulgou uma nota oficial em que reconhece estar reavaliando a localização da futura Estação Angélica porque, no plano original, ela estaria a apenas 610 metros da Estação Higienópolis-Mackenzie e a 1.500 metros da PUC-Cardoso de Almeida, o que prejudicaria o funcionamento dos trens. “Essa reavaliação tem caráter exclusivamente técnico, em nada motivada por pressão dos moradores da região de Higienópolis, a favor ou contra a estação”, diz a nota. De acordo com o Metrô, a linha Laranja ainda está na fase de elaboração do projeto básico, que deve ficar pronto até o final do ano, prazo em que ainda são permitidas modificações. O novo local, portanto, ainda não foi definido. 

O caso foi parar no Ministério Público, que exigiu explicações do governo sobre os critérios técnicos da mudança. “Pedimos também que eles informassem todas as distâncias entre as estações. Eu observei que entre a Liberdade e a Sé há um espaço menor que o das estações em questão, ou seja, esse critério métrico por si só não quer dizer nada”, argumenta o promotor de Habitação e Urbanismo Maurício Antônio Ribeiro Lopes. Ele propõe que seja feita uma audiência pública para esclarecer os critérios. “É preciso tornar mais transparente esse processo de escolha, que parece estar ao sabor dos ventos”, critica.

Discriminação - A afirmação de uma moradora ao jornal Folha de S. Paulo em 2010 foi a responsável por levantar a suspeita de que o pedido de mudança estaria relacionado ao preconceito contra pessoas que utilizam o transporte público. “Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada", afirmou a psicóloga Guiomar Ferreira ao jornal.

Quando saiu a notícia da alteração, internautas imediatamente a rechaçaram utilizando o termo “gente diferenciada”, que chegou ao ranking de termos mais citados do Twitter. A frase também nomeou o protesto realizado neste sábado. O “Churrascão da Gente Diferenciada” começou em frente ao Shopping Pátio Higienópolis e reuniu cerca de mil pessoas, segundo a CET. Bem menos que os 54.000 inscritos no Facebook, mas o bastante para fechar a Avenida Angélica.

Na esteira da discussão, muita gente acabou exagerando no tom. O humorista Danilo Gentilicausou indignação no Twitter ao tratar do assunto fazendo referência odiosa aos judeus que vivem no bairro: "Entendo os velhos de Higienópolis temerem o metrô. A última vez que chegaram perto de um vagão foram parar em Auschwitz [campo de concentração em que judeus eram exterminados durante o Holocausto]. Gentili tentou se desculpar mais tarde.

“Fui agredido pessoalmente por pessoas que interpretaram tudo errado, recebi e-mails ofensivos com palavras de baixo calão e ameaças de agressão física”, relata Pedro Ivanow, que ressalta não compartilhar da opinião de Guiomar Ferreira. “Eu acho que discutir ideias faz parte do jogo democrático, mas a gente precisa fazer isso com responsabilidade”.

(atualizada às 18h38)

Rev. VEJA

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Por Maíra Kubík Mano, no sítio Carta Maior:

– Eu não imaginava que as redes sociais pudessem mobilizar tanta gente.

– Eu fiquei um tempão na Praça Vilaboim e não tinha ninguém. Pensei que era lá. Ainda bem que quando cheguei aqui encontrei a multidão.

– Eu acho que tem pouca gente. Mais de 50 mil confirmaram pelo Facebook e não vieram. Tem pessoas que se escondem atrás do computador, fazem ativismo só online.

Divergências à parte, o churrasco da “gente diferenciada” estava cheio. Bem cheio. Eram pouco mais de 14h quando cerca de mil pessoas começaram a se concentrar em frente ao shopping Pátio Higienópolis. O motivo? Protestar contra a mudança da futura estação de Metrô da av. Angélica para a av. Pacaembu. A alteração dos planos na Linha 6 – laranja teria ocorrido após a Associação Defenda Higienópolis alegar que a obra não deveria ser feita ali porque aumentaria o "número de ocorrências indesejáveis" e a área se tornaria "um camelódromo".

A avenida Higienópolis foi fechada rapidamente pela multidão. Um policial tentava negociar com um homem que segurava uma tigela com farofa: “Precisamos saber o percurso de vocês, para interromper o trânsito”. “Eu não sou líder do movimento, não tem ninguém aqui para responder por isso”, diz ele, virando as costas para a autoridade.

Sou representante da associação de moradores do bairro”, grita um jovem. Silêncio. Todos querem ouvir o que ele tem a dizer. “Me enviaram aqui para dialogar com vocês. Nós queremos o Metrô sim. Mas ele tem que ser condizente com o nível do bairro. Portanto, exigimos uma ligação direta com Alphaville, Morumbi e Veneza, na Itália”. Gargalhadas correm soltas.

Eliná Mendonça, vizinha do shopping, gosta da piada. “Só que essa questão é muito séria”, alerta. “Não é verdade que a gente aqui não quer isso. Não queremos ser vistos como elitista”. Ao seu lado está Myrna Kovyomdjian, também moradora do bairro. “Meu apartamento é na rua Ceará e eu quero o Metrô aqui”, diz. “Somos 55 mil pessoas em Higienópolis. Não podemos deixar que um abaixo-assinado com 3 mil nomes impeça o transporte público.” As duas senhoras lembram que, quando o shopping foi construído, também houve muita oposição. “Ninguém queria e agora todo mundo frequenta. Com o Metrô vai ser a mesma coisa”, completa Myrna.

A Associação Defenda Higienópolis? Nenhuma pessoa ali havia ouvido falar antes das denúncias. “Eu tenho um escritório ao lado do Pão de Açúcar [onde seria construída a futura estação, na Avenida Angélica], e não passou abaixo-assinado algum por lá”, afirma a consultora de recursos humanos Márcia Hasche, tomando um café dentro do shopping.

André Vasquez de Abreu não é habituê do bairro. Pelo contrário: mora em Itaquera. Mas decidiu ir ao protesto, mesmo tão longe de casa. “Eu trabalho como atendente de telemarketing na Praça da República e sempre pego o Metrô”, justifica. “E falaram que os diferenciados viriam de Metrô. Isso é para eles verem que nós viemos de qualquer jeito”, declara Vitório Felipe, também da Zona Leste, com um espetinho de queijo na mão e um sorriso no rosto.

Cartazes dão tom de brincadeira ao protesto. “Só ando de metrô em Paris, Nova York e Londres” foi um dos que fez mais sucesso. Alguns integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) queimam uma catraca e depois assam uns espetinhos nas chamas. A cena rende fotos e vídeos para todos os jornalistas presentes.

Finalmente em marcha, os manifestantes decidem subir a avenida Angélica até o local onde estava prevista a construção da estação. A bateria anima os gritos contra o governador Geraldo Alckmin e os moradores ditos “elitistas” da região. Uma churrasqueira é carregada para cima e para baixo, acesa. Em breve, todos se dispersariam no que terminou como um grande bloco de carnaval.

“Acho que o ato cumpriu seu papel”, avalia o promotor Mauricio Antonio Ribeiro Lopes, responsável por pedir esclarecimentos sobre o caso à Secretaria de Transportes Metropolitanos. Morador de Higienópolis, ele foi acompanhar de perto o protesto. Em entrevista mais cedo, Lopes havia dito à Carta Maior que iria averiguar a fundo a questão. “Quero saber porque o governo mudou de ideia em relação a onde colocar a estação. É preciso descobrir se, de fato, um grupo de 3.500 pessoas que fez o abaixo-assinado pode decidir pelas 25 mil que usariam diariamente essa estação de Metrô”. O governo tem 30 dias para responder seu pedido. Caso o promotor não fique satisfeito com a argumentação, solicitará a realização de estudos técnicos. 

Em nota divulgada no final da semana, o Metrô reafirmou que a decisão de mudar a estação foi técnica e que está estudando a melhor localização para atender à FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), à Avenida Angélica, à Praça Vilaboim e ao estádio do Pacaembu. Entre os argumentos do governo está a proximidade com a futura estação Mackenzie – 610 metros – o que impediria os trens de adquirirem alta velocidade na linha . “Vou avaliar as distâncias entre todas as estações de São Paulo. Aquela entre a Sé e a Liberdade, na linha Vermelha, é menor ainda do que essa. Por que foi construída então?”, indaga o promotor Lopes.

Pelas andanças no bairro, apenas uma moradora se disse contrária à estação. “Já tem metro aqui perto. Santa Cecília, Barra Funda. Agora vai ter no Mackenzie. O pessoal pode caminhar, não é tão longe”, afirma Bia, que não quis revelar o sobrenome. Um de seus temores é que o bairro se desvalorize.

“Essa é a maior bobagem”, sentencia a arquiteta e urbanista Ermínia Maricato. “O Metrô valoriza os imóveis. É um serviço que todo mundo deveria querer. Isso é típico do Brasil, de uma sociedade muito desigual e preconceituosa, que não consegue conviver com a pluralidade”. 

O pessoal do churrasco diferenciado bem que tentou se misturar: a cada esquina, convidavam os moradores a descer dos prédios para provar a carne.


Fonte: BLOG DO ALTAMIRO BORGES

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Higienópolis e o pensamento escravocrata


Por Brizola Neto, no blogTijolaço:


Como gaúcho-carioca, não quis dar muito palpite nessa polêmica em torno da estação do Metrô no bairro rico de Higienópolis, onde, aliás, reside o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso.


Mas hoje, lendo a matéria sobre a declaração do também ex-presidente Lula, classificando de “absurda” e “inadmissível” a reação que fez o governo do Estado desistir de abrir uma estação na avenida Angélica, não posso deixar de entrar no assunto e reproduzir suas palavras.

“Eu acho um absurdo, porque isso demonstra um preconceito enorme contra o povo que anda de transporte coletivo neste país”, disse Lula, lamentando que haja gente criticando a possibilidade circulação de pobres no bairro de alto padrão.


“Sinceramente, não posso conceber que uma pessoa que estudou e tem posses seja tão preconceituosa e queira evitar que as pessoas mais humildes possam transitar no bairro onde mora”, disse.

Aqui no Rio, o Metrô está também em Ipanema, em Copacabana e vamos muito bem, obrigado. Se algum erro há é que não esteja igualmente em outros bairros, mais carentes de transportes.

E será assim em Higienópolis, ou bem pertinho, e depois esta polêmica será apenas uma triste lembrança.

Que servirá, como serve, para lembrar que a abolição da escravatura, que hoje completa 123 anos, não significou o fim do pensamento escravocrata. Que sobrevive na alma mesquinha de quem acha que pobre serve como porteiro, zelador, babá, empregada doméstica, mas não é um ser humano que não mereça passar quatro ou cinco horas nos ônibus e engarrafamentos, porque não tem direito à família, ao lazer, ao descanso e, até, a estudar para progredir.

Mas vou ser coerente e parar por aqui. Vou deixar que alguém que vive lá em Higienópolis, a jornalista Leila Suwwan, que assina o blog Ronda Paulistana, em O Globo, fale, muito melhor do que eu seria capaz de fazer, sobre esta inacreditável rejeição ao Metrô de Higienópolis.

Higienópolis, higienismo

“Gosto de eufemismos para dar acidez às piadas. Mas os eufemismos me dão azia quando são usados para mascarar o preconceito. Pode ter sido uma escolha ruim de almoço, mas meu estômago ainda está revirado com a notícia de hoje: os moradores de Higienópolis protestaram contra a construção de uma estação de metrô na Avenida Angélica. Rejeitam a presença de “pessoas diferenciadas” e temem “ocorrências indesejáveis”. Déjà vu.

Sou de Brasília e me lembrei de quando moradores da “Asa Sul” protestaram contra a passagem do metrô por ali: “isso vai facilitar o acesso da população das cidades satélites nos finais de semana”. Não se enganem: em ambos os casos, faltou uma coragem, digamos assim, bolsonaresca, de dizer: pobres são criminosos. Pobres não têm direito de ir e vir. Pobres estragam a paisagem.

Não tenho dúvida de que são as mesmas pessoas que dizem que os aeroportos viraram um inferno porque a classe C (os antigos “pobres”) pode comprar passagens. Não teria nada a ver com anos de descaso e falta de investimentos no setor aéreo. Ou que são as mesmas pessoas que não enxergam a fina ironia do destino quando se sentem discriminados em suas viagens aos Estados Unidos e à Europa, reduzidos a “brazucas”. Afinal, antes de serem cidadãos brasileiros, são cidadãos de uma classe que se pensa melhor, ou com mais direitos. Esse status deriva do privilégio e depende quase que exclusivamente do esforço segregacionista.
Eu moro em São Paulo há quase um ano e meio, no bairro de Santa Cecília, também conhecido como o “baixo” Higienópolis. Essa pseudo-nobreza imobiliária me rende piadas, a mais nova é a que pago um aluguel “diferenciado”. A região é “baixa” porque não tem nome nordestino - no “alto” de Higienópolis, as pessoas medem seu status pelo nome da rua, em uma equação inversamente proporcional ao desenvolvimento humano de alguns estados, como o Maranhão e o Piauí. Mas, principalmente, minha Higienópolis é baixa porque está no declive que desemboca no “minhocão”, local visto lá do “alto” como um dos círculos do inferno de Dante.

Pois bem, Higienópolis conseguiu se ironizar ao extremo com esta trágica paródia do higienismo urbano. Triste ver que o eufemismo é contagioso. Na “Folha de S. Paulo”, de uma moradora da zona leste que trabalha em Higienópolis: “Seria ótimo porque trabalho aqui, mas acho a opinião deles válida. Vai bagunçar mais”. É como se essa trabalhadora não quisesse ver o “privilégio” do acesso, liberado por “eles”, concedido aos demais. Fosse o Brasil um país mais instruído, menos injusto, veríamos o protesto oposto.

Na verdade, há no Facebook um movimento: “o churrascão da gente diferenciada”, marcado no bairro para este sábado. Seria uma resposta à moradora que, ano passado, já havia declarado à Folha: “Eu não uso metrô e não usaria. Isso vai acabar com a tradição do bairro. Você já viu o tipo de gente que fica ao redor das estações do metrô? Drogados, mendigos, uma gente diferenciada…” A ver se vai realmente acontecer

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