A palavra complicada que usamos no título deste artigo justifica uma explicação inicial. Em sentido restrito, vivissecção é a prática (cuja origem é atribuída ao médico romano de origem grega Cláudio Galenao, no século I DC) de se dissecar animais vivos para estudar sua anatomia e fisiologia. Em sentido amplo, o termo define todos os experimentos realizados em animais vivos.
Tanto em um caso quanto no outro, porém, os resultados são sempre os mesmos: dor e sofrimento. É isso o que acontece nas câmaras de torturas – eufemisticamente chamadas de laboratórios – de universidades públicas e privadas, indústrias (sobretudo de produtos farmacêuticos e cosméticos) e institutos de pesquisa.
Nelas, animais vivos – mamíferos, em especial – são submetidos a um rol extenso de experiências, cujo espaço restrito deste artigo não nos permite detalhar. Citemos algumas: a amputação de membros sadios para a implantação de próteses produzidas com novos materiais supostamente úteis aos seres humanos, a injeção de substâncias tóxicas no corpo ou a aplicação de produtos químicos na pele para a verificação dos seus efeitos e, ainda, a fixação de instrumentos em órgãos internos (como o crânio) para o monitoramento das suas atividades diante de choques elétricos ou de novas drogas.
Tudo em nome da Ciência – e, de forma velada, do dinheiro. Porque, não se iluda, este é o pano de fundo do debate. Ainda que fosse justificável a necessidade de se torturar e mutilar animais em nome da Ciência, o que é discutível, não o é fazê-lo em nome do dinheiro. Por isso, a vivissecção é, sem dúvida, a maior das questões da Bioética.
Não por acaso. Não há estatísticas oficiais sobre o número de animais mortos neste gênero de barbárie moderna, mas os PhDs alemães Milly Schar-Manzoli e Max Heller, no livro Holocausto, estimam que a máquina de dinheiro que move esta fábrica de horrores chega a consumir extraordinários quatrocentos milhões de animais em todo o mundo, anualmente.
Não se diga, seguindo a cartilha maquiavélica, que os fins justificam os meios. No livro Alternativas ao uso de animais vivos na Educação, o biólogo paulista Sérgio Greif relaciona uma longa lista de alternativas eficazes à vivissecção, que esvaziam os discurso de que este tipo de prática é necessário: modelos e simuladores mecânicos ou de computador, realidade virtual, acompanhamento clínico em pacientes reais, auto-experimentação não-invasiva, estudo anatômico de animais mortos por causas naturais, além dos filmes e vídeos interativos.
Apoiadas por cientistas, pesquisadores, políticos e até executivos de grandes empresas privadas, instituições sérias como a InterNiche (International Networtk of Individuals and Campaigns for a Humane Education) e a British Union for the Abolition of Vivisection (organização que existe desde o final do século 19) têm uma coleção de bem fundamentados argumentos contrários a este tipo de prática.
Provando que a preocupação com o tema não é delírio das organizações de defesa dos animais, a grande maioria das escolas de medicina dos EUA (maior berço científico do planeta) não usa animais. Entre elas, as consagradíssimas Harvard Medical School e Columbia University College of Physicians and Surgeons. Baseiam-se, entre outras coisas, em estudos que comprovam que 51,5% das drogas lançadas entre 1976 e 1985 ofereciam riscos aos seres humanos não previstos nos testes.
Já em Israel, a El Al (principal linha aérea do País) se recusa a transportar primatas para serem usados em experiências. Lá, a vivissecção é proibida em todas as instituições federais de ensino. O argumento que utilizam para justificar esta atitude, com o qual encerro este artigo, é uma primorosa lição de humanidade. “É mais importante ensinar aos alunos israelenses a compaixão pelos animais porque este sentimento certamente criará maior compaixão por seres humanos”.
Aurélio Munhoz no Twitter: http://twitter.com/aureliomunhoz
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