Matheus Pichonelli
Ao tomar conhecimento de que o homem-forte do governo Dilma havia aumentado em quase 20 vezes seu patrimônio pessoal enquanto exerceu o mandato de deputado federal, graças ao desempenho de uma empresa de consultoria, o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, tinha o dever de instaurar procedimento apuratório criminal para investigar eventuais ilícitos penais do ministro Antonio Palocci Filho. Ao dizer que não existiam elementos a justificar a atuação do Ministério Público, o procurador-geral partiu para o “escapismo”.
A análise é do jurista e desembargador aposentado Wálter Fanganiello Maierovitch, colunista de CartaCapital. Segundo ele, “já passou da hora” de Gurgel começar a tomar providências. A revelação sobre a empresa de consultoria Projeto leva à suspeita de que o então deputado poderia ter mantido uma espécie de “dupla personalidade jurídica”, uma como pessoa física e outra como jurídica, a segunda a se confundir com a primeira.
Palocci, em pleno mandato parlamentar, era dono de 99% das ações da empresa, cujas atividades possibilitaram que ele comprasse imóveis no valor de 7,5 milhões de reais – muito superior ao salário que recebia como deputado federal e a suplantar, gigantescamente, o declarado à Justiça Eleitoral em 2006, quando elegeu-se deputado federal (375 mil reais).
“Havia um dever imediato de se apurar, pelo princípio constitucional da transparência. O princípio da transparência é um dos alicerces que sustenta o Estado democrático de direito. A constituição de uma pessoa jurídica, daí a necessidade de apuração, pode ter sido para driblar proibições constitucionais previstas no artigo 55 da Constituição”.
“Cheira a prevaricação”
Se a notícia, em si, já configurava elementos para apurações, a revelação de que a empresa faturou, somente em 2010, cerca de 20 milhões de reais deixou a situação ainda mais delicada, segundo o especialista. “Agora cheira a prevaricação”, diz Maierovitch. Pelo Código Penal, a prevaricação acontece quando um agente público retarda ou deixa de praticar um ato de ofício por interesse ou sentimento pessoal.
Maierovitch lembra que apenas o procurador-geral, que é nomeado pelo presidente da República e cujo mandato pode ser prorrogado, tem a atribuição de investigar um ministro – que, por sua vez, só pode ser processado no Supremo Tribunal Federal.
“A empresa do Palocci é a segunda maior da área, com reduzido número de empregados. Se isso não é indício para se abrir uma investigação, o procurador sofre de miopia”, diz Maierovitch. O especialista diz acreditar também que a conduta das autoridades em torno das suspeitas poderia ser outra caso a questão envolvesse outro ministro. “Espero que o procurador Geral não tenha se pautado por interesse que não seja o público. Entendo, por tudo que já foi revelado pela imprensa, que pode ter ocorrido ilícito penal. E na dúvida aplica-se o princípio in dubio pro societatis (na dúvida investiga-se, pelo interesse da sociedade). Acho que existem indicativos com lastro e consistência para se instaurar um procedimento e isso é de uma clareza solar. Ele não pode dizer, como disse, que ainda não tem elementos na área criminal, se recusa-se a verificar por meio de um devido procedimento. Esse caso não é apenas de um eventual problema ético, sobre descumprimento de dever de um ex-parlamentar”.
Segundo Maierovitch, todos os que hoje tentam blindar Palocci podem estar prevaricando. Mais ainda, atentam ao princípio da transparência, um “principio basilar do Estado democrático de Direito”. Ainda segundo o jurista, é descabido o argumento de Palocci e das empresas que o contrataram de que a revelação dos nomes de seus clientes poderia ferir cláusula dos contratos que previam sigilo da atividade. “Quem contrata essa empresa está contratando o Palocci, e sabe que, nesse caso, não pode alegar sigilo. Nem sigilo bancário é absoluto.” Com a apuração pode-se concluir pela absoluta correção de Palocci ou por ilicitudes e até tráfico de influências. E todo homem público tem de ser investigado quando surgem suspeitas. Não existem pessoas acima de qualquer suspeita.”
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Fonte: CARTACAPITAL
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