Adolescentes não trabalham nem estudam. Duas
barreiras têm impedido o desenvolvimento de boa parte dessa população: a
pobreza e a violência
Nem na escola nem no mercado de trabalho. Mais de 1,1 milhão de adolescentes brasileiros, o equivalente a 5,4% da população nessa faixa etária no país, não frequentam o ensino médio ou fundamental e também estão distantes de empregos formais e informais que possam agregar renda à família e ocupação para os jovens. No Paraná, a média de adolescentes ociosos é ainda maior: chega a 6,9% dos habitantes entre 12 e 17 anos no estado.
Os números, que colocam em foco uma faixa etária que corresponde hoje a 11% da população brasileira, são parte do estudo Situação da Adolescência Brasileira 2011, lançado no fim de novembro pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef). Apesar de registrar avanços na maioria dos indicadores analisados entre 2004 e 2009, o relatório reforça a existência de duas barreiras que, ao longo dos últimos anos, têm se mostrado intransponíveis para o desenvolvimento de boa parte dos adolescentes brasileiros: a pobreza e a violência.
Entrevista
“A pobreza afeta com mais força o adolescente”Mário Volpi, coordenador do Programa de Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) no Brasil.
Dentre os 10 indicadores avaliados pelo relatório do Unicef, o único que apresentou um retrocesso nos últimos anos foi o de adolescentes vivendo em situação de extrema pobreza. Como isso afeta, em particular, quem tem entre 12 e 17 anos?
A pobreza extrema limita o acesso aos demais direitos e afeta os adolescentes com mais força. Isso porque a adolescência é uma fase em que as demandas por saúde, educação, cultura e esporte são muito grandes. É a fase, por excelência, da integração do indivíduo à sociedade. E isso custa caro. Sem recursos, as famílias desses jovens vão depender sempre das políticas públicas, que muitas vezes não estão presentes no local em que elas vivem.
Esse cenário contribui para o número ainda alto de adolescentes que optam por trabalhar ao invés de estudar?
Nesses casos, o trabalho se apresenta como solução, mas é uma falsa solução. Quanto menos capacitado o adolescente entrou no mercado de trabalho, menos a renda dele vai progredir. Hoje não existe mais aquela história do garoto que entrou como office boy na empresa e depois virou presidente dela. Outra questão é que essa vulnerabilidade gera uma pressão no adolescente em relação ao consumo e o coloca em contato com redes organizadas de diferentes tipos de negócios, seja o mercado informal ou o universo do delito, do tráfico.
O relatório mostra ainda que há no país mais de 1,1 milhão de jovens que nem estudam nem trabalham. Qual o perfil desse indivíduo?
São adolescentes que estão fora da escola e não têm um vínculo com o trabalho, seja formal ou informal. É uma situação preocupante porque, obviamente, você não vai encontrar nesse grupo pessoas de alta renda. É um universo que combina muito com extrema pobreza, falta de ocupação e falta de acesso à escola.
É possível aliar escola e trabalho, mesmo dentro dos requisitos legais?
O adolescente que trabalha é o primeiro candidato à evasão escolar. Há trabalhos que, a partir dos 16 anos, são aceitáveis, mas sempre com a necessidade de um contrato que permita ao adolescente continuar com a sua escolarização. O ideal mesmo é que ele aproveite essa fase da vida pra desenvolver habilidades e relações e, depois, possa fazer suas escolhas profissionais.
Na opinião do Unicef, entre as vulnerabilidades que atingem hoje o adolescente brasileiro, qual é a mais preocupante?
Não há nenhuma justificativa para o Brasil continuar vivendo com uma taxa anual de 19 adolescentes assassinados a cada 100 mil habitantes. É uma tragédia rotineira. É o primeiro ponto que estamos nos propondo a trabalhar junto com o governo, num grande programa de enfrentamento, que articule diferentes ministérios, sociedade civil e municípios. Não é possível aceitar como normal que uma pessoa morra no período da adolescência.
Para especialistas, a presença da pobreza entre os jovens potencializa outras vulnerabilidades, dificultando o acesso do adolescente à escola e forçando que ele assuma o papel precoce de chefe de família – justamente aquele adolescente que, ao assumir responsabilidades incompatíveis com sua idade, deixa de estudar ou de encontrar lugar no mercado de trabalho formal. Hoje, 661 mil casas têm à frente jovens entre 15 e 19 anos e 132 mil domicílios são chefiados por meninos e meninas de 10 a 14 anos.
Políticas integradas
O retrocesso em parte dos indicadores, em contrapartida aos avanços econômicos e sociais vivenciados nos últimos anos no Brasil, mostra que a mudança desse cenário não passa por soluções fáceis. A figura da escola como principal e único meio de salvação do adolescente, ainda enraizada no senso comum, é simplista, defende a psicóloga e educadora do Projeto Não Violência Joyce Kelly Pescarolo. “Não adianta o Estado falar que o adolescente tem de frequentar a escola, em vez de trabalhar ou estar na rua, se não se dá para essa família capacidade para que esse jovem possa só estudar”, avalia. “Mesmo que todos os adolescentes frequentassem a escola, ela, por si só, não daria conta de responder a todas essas demandas sociais.”
Além da adoção de políticas públicas abrangentes que atinjam especificamente a população entre 12 e 17 anos, o estudo do Unicef também defende uma mudança cultural na própria percepção da figura do adolescente, ainda visto por pais, educadores e pela mídia como sinônimo de problemas, irresponsabilidade e transgressão. “Há um discurso de que as crianças e adolescentes são o futuro do país, mas os próprios adultos não os encaram assim. Enquanto não se olhar o adolescente como alguém que pode, sim, gerar mudanças positivas, ele nunca vai ver realizado esse potencial”, diz a psicóloga Adriana Cristina de Araújo Bini.
Amanda prova que é possível escapar dos estereótipos
Moradora do Bairro Colônia Rio Grande, em São José dos Pinhais, a jovem Amanda Thais de França foge do estereótipo do adolescente irresponsável e em profunda crise de identidade. Alvo de crítica de acadêmicos e educadores, a generalização não encontra respaldo na rotina da garota de 15 anos, que se divide com afinco entre os estudos, o trabalho e o curso profissionalizante. Amanda é uma das estudantes do programa Jovem Aprendiz, desenvolvido pelo Senai em parceria com o Programa de Ação Comunitária e Ambiental (ProAção), braço da Rede Marista de Solidariedade.
A adolescente, que ingressou no curso em fevereiro junto com uma amiga, garante que a iniciativa, apesar de contar com o apoio dos pais, partiu dela mesma. Ainda que o dia a dia seja puxado (Amanda também cursa o segundo ano do ensino médio e trabalha como aprendiz em uma empresa da cidade), a jovem não dá sinais de esgotamento. A disposição é típica da idade, mas tem motivações extras.
Jovem Aprendiz
“Dá pra conciliar tudo, se tiver força de vontade. Eu e minha amiga comentamos que fazemos tudo isso não porque gostamos, mas porque temos de pensar no nosso futuro”, diz Amanda.
O Programa Jovem Aprendiz é só uma das opções de cursos gratuitos oferecidos no ProAção de São José dos Pinhais. A unidade, inclusive, está com inscrições abertas para os cursos de auxiliar administrativo e auxiliar de logística, ministrados pela equipe de docentes do TECPUC, da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Segundo o coordenador pedagógico do ProAção, Douglas Laskoski, os cursos têm como público principal justamente os adolescentes de menor renda, que não teriam condições de pagar pelo ensino profissionalizante em outras instituições.
Interessados podem entrar em contato pelos telefones 3398-3975 e 3385-2102.
Fonte: GAZETA DO POVO (Curitiba)
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