Ler na minha infância não foi uma busca pelo saber, e sim uma fuga para me divertir e sonhar. Por Pedro Bandeira. Foto: Valeria Gonçalvez/AE
Talvez por ter nascido sem pai, talvez por ter sido um menino solitário, talvez porque ainda não havia televisão nem video-game, ou talvez porque fosse mesmo tímido, logo que pude decifrar as “formiguinhas pretas”, meu lazer passou a ser a leitura. Nada de “estudo”, nada de “busca do saber”. Ler para sonhar, para sentir-me na pele dos protagonistas, para me divertir mesmo. Quanto dessas leituras habita ainda em mim!
Mas, pulando Lobato e os queridos autores de literatura juvenil, lembro-me de O Suave Milagre, do escritor português Eça de Queirós. Que impacto! Eu lia e relia o conto, lágrimas, frissons, emoções que acredito nunca mais ter conseguido sentir ao ler um texto. É certo que a forte educação católica que eu recebia deve ter ajudado. Mas, mesmo depois de abandonada essa formação, O Suave Milagre continua como uma das minhas narrativas favoritas. Que conto! Esse Eça!
O impacto da história do menino miserável e aleijado que deseja ver Jesus despertou-me a vontade de conhecer outras histórias daquele escritor. Na biblioteca da escola, descobri um livro com mais contos seus e adorei O Tesouro, A Aia, O Defunto. Na ocasião, o interesse por livros de suspense, mistérios e crimes já tinha sido despertado, e ouvi falar que aquele fantástico português escrevera um livro chamado O Crime do Padre Amaro. Ah, devia ser demais! Um crime cometido por um padre!
Minha mãe não tinha posses além de seu imenso amor. De qualquer modo, sonhar era barato e eu costumava escrever num caderno uma lista de “coisas que eu quero”. A lista começava com o item “Livros”, onde registrei, em primeiro lugar, O Crime do Padre Amaro. Certa vez um tio abriu meu caderno e lá descobriu a lista. E fez um escândalo!
Como podia eu adivinhar que o tema de O Crime do Padre Amaro não era assim tão suave como o milagre feito por Jesus para atender à esperança do pobre menino aleijado? Hoje, O Crime do Padre Amaro é indicado como leitura obrigatória para vestibulares e milhares de jovens mergulham na tão bem descrita paixão do Padre Amaro pela linda Amélia. Que história! Tão logo pude distanciar-me do controle familiar, devorei o livro. Com ele vieram outros. Ah, esse Eça!
Pedro Bandeira é escritor infanto-juvenil, entre os quais O Dinossauro Que Fazia Au-Au, A Droga da Obediência e O Fantástico Mistério da Feiurinha
Pedro Bandeira
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