Um dos pastores mais controversos dos EUA voltou ao púlpito e está tentando mudar a maneira como os evangélicos tratam gays e lésbicas. Este mês ele é capa da Advocate, a maior revista GLS dos EUA
O escândalo em que Ted Haggard se envolveu, ou “crise”, como ele prefere, terminou com seu ministério em 2006. Na ocasião, ele era pastor da igreja New Life [Nova Vida], De um começo humilde em 1985, com reuniões em sua casa no Colorado, a comunidade cresceu e chegou a ter 14 mil membros. Na época, ele se pronunciava abertamente contra o casamento homossexual. Esta ainda é a opinião de 74% por cento dos evangélicos americanos, segundo pesquisa de 2010 do Pew Research Center.
Foi então que veio a público a voz de Mike Jones, um garoto de programa de Denver. Ele ouviu Haggard pronunciar-se contra a homossexualidade no rádio. Imediatamente, ele ligou para a emissora e contou que havia passado uma noite com o pastor em um motel e os dois haviam consumido metanfetamina.
Haggard viu ruir seu ministério e família. Hoje ele lembra com hesitação do episódio, mas tem uma versão diferente. “Sim… Eu o chamei. Pedi para comprar metanfetamina, mas não usei… joguei fora. Ele só fez uma massagem em mim”. Gayle, esposa de Haggard, registrou tudo em seu livro de memórias, “My darkest hour” [O tempo mais difícil de minha vida], lançado no ano passado. Ela escreveu: “Quando ele falou comigo sobre isso, sua voz demonstrou que estava em frangalhos. Eu disse a ele: “você apenas mentiu; mas agora todo mundo vai saber”.
Haggard passou então a encarar a “hipocrisia evangélica”. Foi criticado abertamente por gente de dentro e de fora da igreja. A diretoria da igreja o afastou do cargo e recomendaram que ele se mudasse do Colorado. Mas agora ele está de volta, o que não é nenhuma surpresa. O ministério é a única coisa que Ted Haggard conheceu da vida.
Agora ele está a frente da igreja Saint James [São Tiago], uma referência ao apóstolo que insiste que fé sem obras é morta. Apenas algumas dezenas de pessoas estão dispostas a ouvir um sermão de Haggard no auditório que ele aluga nos finais de semana de uma escola de ensino médio em Colorado Springs.
Sua nova congregação adotou um lema: “Dê um tempo para alguém”. O pastor gosta de pensar que seu rebanho hoje é composto por pessoas desajustadas, o que representa um progresso no evangelicalismo americano. A maioria vem de famílias conservadoras. Há dentistas, donas de casa, soldados e executivos. Eles se sentam lado a lado com viciados em drogas e alcoólicos em recuperação “que estão procurando salvação”, como Haggard faz questão de enfatizar.
Não parece mais o mesmo pastor que já liderou cerca de 30 milhões de membros da Associação Nacional de Evangélicos Americanos, tinha ligações com a Casa Branca no tempo de Bush e fazia uma reunião semanal com os maiores líderes religiosos conservadores do país.
Hoje, Haggard tem 54 anos de idade, cinco filhos e dois netos. Luta para sustentar a família, mas não deixa de ter um fundo de reserva composto por parte das ofertas dos membros da igreja. Esse “fundo” destina-se a ajudar famílias que estão passando por tempos difíceis, sejam elas membros da congregação ou não. Recentemente, um professor da Faculdade Everest, no Colorado, recebeu 4.000 dólares e distribuiu o dinheiro entre vários alunos que estavam dormindo nos seus próprios carros para evitar pagar aluguel.
“Nós estávamos sós”, explica Haggard sobre sua decisão de começar uma nova igreja na mesma região metropolitana que a New Life. Ele explica que não era bem vindo na sua antiga igreja, mas queria estar com “um grupo de cristãos”. Por isso decidiu começar de novo. As pessoas foram aparecendo aos poucos e ele comemora: “Sabíamos que tínhamos de terminar bem nossa história, para que o escândalo não fosse o fim de tudo”.
Isso lembra as frases emblemáticas que disse em frente às câmeras num documentário sobre sua vida exibido pelo canal HBO. “’OK, deixe-me dizer de uma maneira que você possa entender: Jesus ministrou e foi crucificado em Jerusalém. Se ele tivesse ressuscitado em Roma, não teria o mesmo efeito. Embora você mereça sua crucificação, precisa ressuscitar na mesma cidade onde ministrou”.
Hoje, o convite que faz é pouco ortodoxo: “Se você é gay, hétero, bi, alto, baixo, um viciado, ou tem um viciado na família, saiba que tem uma família na Saint James”.
Sexualidade e dependência química são temas constantes de seus sermões. Perguntado recentemente por repórteres sobre sua opinião a respeito do casamento de pessoas do mesmo sexo, Haggard afimou: “O plano ideal de Deus para o casamento é a união de um homem e uma mulher”.
Esse é o mesmo Haggard que no controverso documentário (sobre o fundamentalismo religioso americano) Jesus Camp, declarou: “Não precisamos debater ideias sobre a atividade homossexual. Está tudo escrito na Bíblia”.
Lembrado disso, ele afirma que suas palavras foram tiradas de contexto, que ele estava falando a um grupo de crentes sobre as Escrituras, não era uma declaração sobre as implicações disso perante a lei. É sabido, contudo, que em 2006, ele apoiou o veto a uma emenda à lei estadual que reconhecia o casamento homossexual e reconhecia a união civil deles no Estado do Colorado.
Agora Haggard quer deixar claro: ele apóia o direito ao casamento civil de casais homossexuais. “Acredito que as igrejas, sinagogas, mesquitas e templos devem ter liberdade total para agir como acharem melhor. Mas acredito que somos uma sociedade democrática, dentro de uma república constitucional. Se não respeitarmos as liberdades civis do indivíduo, estamos cometendo um erro terrível… Digo a todas as pessoas religiosas que deveríamos estar prontos para ouvir, porém sermos tardios para falar e tardios para ficar irados com esse assunto”.
Randy Whales, ex-CEO de uma empresa de software, foi um dos líderes da New Life, mas acabou saindo e hoje se reúne com o grupo de Haggard. ”Ele está alcançando pessoas que praticamente não iam à igreja, que estão sofrendo e precisando de ajuda. Eles não têm nada a perder. A maioria das pessoas que tem algo a perder não se relacionam com Ted”. Ele reconhece a mudança na vida do pastor: “No tempo da NewLife ele era cheio de si, um pouco arrogante, confiante demais na sua própria capacidade. Era comum usar as pessoas para seus próprio bem, em vez de ajudar as pessoas. Agora ele está mais humano, mais humilde, não há dúvida disso. Provavelmente o conheço mais que a maioria aqui. Ele não tem mais nada a esconder”.
Haggard tornou-se um crítico ácido da maneira como as igrejas conduzem a “restauração”. Sua antiga igreja o acompanhou durante algum tempo, mas em 2009, através da terapia, ele descobriu que é um “heterossexual, mas com problemas”. Só então passou a lidar com o trauma do abuso sexual na infância e afirma que hoje não há nada de errado com sua vida sexual no casamento.
Mas Haggard não se propõe a mudar a orientação sexual de ninguém. Ele acha que os gays podem vir à sua igreja e acredita ter o poder de mudar sua cidade. “Não acredito que você pode apenas orar e a pessoa deixa de ser gay”, diz ele.
Também acredita que a maioria das igrejas não está preparada para perdoar e ajudar as pessoas que erram. Ele compara a maneira como redes de televisão e o mundo dos esportes deram oportunidades de recomeço para pessoas que caíram publicamente em desgraça, como a apresentadora Martha Stewart e o golfista Tiger Woods. Analisando alguns ministérios evangélicos, ele declara: “Levanta-se muitos recursos, mas não para encorajar as pessoas a serem mais amorosas e incentivá-las a ser menos gananciosas”.
Fonte: Pavablog c/ Gospel +
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