Médico compara experimentos dos EUA na Guatemala aos do nazismo
Detalhes dos experimentos de médicos americanos com pacientes da Guatemala nos anos 1940 fizeram um dos membros da comissão que acompanha as investigações comparar a pesquisa às técnicas empregadas por cientistas da Alemanha nazista.
Uma comissão de inquérito instaurada pelo governo americano revelou nessa segunda-feira que 1.300 guatemaltecos foram infectados por sífilis, gonorreia e outras DSTs em um experimento que visava provar a eficácia da penicilina. Pelo menos 83 pessoas morreram sem assistência.
Mejia diz que os documentos mostram a injeção de doses concentradas das bactérias causadora da sífilis no olhos, no sistema nervoso central e nos genitais dos pacientes. Segundo ele, essas são aberrações próprias do regime nazista da Alemanha (1933-1945).
"Isso ocorreu em um contexto em que eles mesmos (EUA) estavam julgando os médicos alemães que haviam feito experimentos com tifo e malária em prisioneiros de guerra", diz.
"Os alemães usaram os poloneses, os russos e os judeus. Os americanos fizeram praticamente o mesmo na Guatemala."
Mejía faz parte da comissão guatemalteca, composta ainda por ministros do governo do presidente Álvaro Colom e representantes da Justiça.
Segundo Mejía, "há evidências suficientes para dizer que houve colaboração entre autoridades americanas e guatemaltecas" durante os experimentos.
Pelo menos nove médicos locais estiveram envolvidos nas pesquisas. Apenas um deles, como mais de 90 anos, continua vivo, mas está desaparecido.
Desculpas
O vice-presidente guatemalteco, Rafael Espada, disse à BBC que o atual governo deve fazer um pedido de desculpas oficial ao povo do país.
"Os alemães usaram os poloneses, os russos e os judeus (em seus experimentos). Os americanos fizeram praticamente o mesmo na Guatemala."
Carlos Mejía, presidente do Colégio dos Médicos da Guatemala
O escândalo dos experimentos científicos só veio à tona em 2010, com a publicação de um estudo da historiadora Susan M. Reverby, causando comoção no país centro-americano.
O presidente americano, Barack Obama, pediu desculpas ao colega guatemalteco, classificando as pesquisas de "injustiça histórica, claramente contrária á ética e aos valores (americanos)".
Os experimentos com prostitutas, prisioneiros, órfãos e doentes mentais tinham como objetivo descobrir se havia um comportamento comum nas infecções de DSTs, a fim de prevenir a transmissão de doenças sexualmente transmissíveis nos soldados americanos estacionados em várias partes do mundo.
Segundo as autoridades dos dois países, a pesquisa foi feita sem consentimento dos pacientes.
'Experimentos do demônio'
Um das possíveis vítimas é Marta Orellana, 74 anos, que diz ter participado de constantes "experimentos do demônio" quando tinha apenas 9 anos de idade. Ela vivia em um orfanato na Cidade da Guatemala e cita médicos locais e "estrangeiros".
O filho de Orellana, Luis Vázquez, disse que só se deu conta da gravidade dos relatos da mãe quando o escândalo estourou, no ano passado.
"Apenas quando escutamos o pedido de desculpas de Obama relacionamos o caso à minha mãe. Tudo fazia sentido: as injeções na genitália, os exames médicos contínuos, a doença", diz.
Efeito continuado
Sessenta anos após a pesquisa, muitos guatemaltecos ainda padecem dos experimentos. O Hospital Roosevelt, da capital, examinou recentemente cinco idosos com evidências de que foram vítimas da pesquisa.
"Começamos também a documentar casos em que filhos de afetados foram infectados. Embora não apresentem sintomas de sífilis, a doença continua ativa (em seu organismo)", diz Mejía.
O governo da Guatemala diz que há outros casos de possível contaminação ainda não confirmados.
Duas ações coletivas de vítimas dos experimentos contra o governo dos Estados Unidos já foram impetradas na Justiça do país. Os autores, filhos de possíveis vítimas já mortas, pedem indenização.
Fonte: BBC
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