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quarta-feira, 16 de junho de 2010

Outra bizarria religiosa - O báculo penisforme

Um cajado peculiar

Numa praça da zona histórica de Braga, exactamente em frente à Igreja de São Paulo, ergue-se um modesto monumento a um dos primeiros arcebispos da cidade, D. João Peculiar.

Foi amigo e conselheiro de Afonso Henriques naquele conturbado período da fundação de Portugal (1142). Deve ter sido a pessoa mais importante a seguir ao monarca, pois foi ele quem colocou na cabeça de Afonso a coroa de primeiro rei de Portugal, na cerimónia que terá decorrido nas Cortes de Lamego.

Não conheço o pretexto, mas exactamente 828 anos depois da sua morte, a cidade de Braga pretendeu prestar-lhe uma homenagem. Vai daí encomendou ao escultor Raul Xavier uma estátua em corpo inteiro e tamanho real que simbolize o afamado arcebispo. “Simbolize”, digo eu, pois não há, de facto, nenhum registo fisionómico verídico em que se fiar; nem sequer de Afonso Henriques, que era o seu rei.

O escultor, embora não se tenha deixado tentar pelas ousadias modernistas, decidiu, ainda assim, inovar declaradamente em matéria de iconografia religiosa.

· Primeira inovação: a mitra ― aquele típico chapéu cerimonial de bispos e arcebispos ― é excessivamente pequena e, por isso, incaracterística. É mais comparável ao capacete de combate que as estátuas de Afonso Henriques costumam exibir.

· Segunda inovação: o bispo é apresentado sem mangas, apesar de estar vestido com os paramentos episcopais completos: nisso também se assemelha aos retratos que fizeram do Rei Afonso. Se há coisa que dá nas vistas nas representações de bispos e outros dignitários da Igreja, ou da Corte, é a profusão de tecidos, brocados e rendas com que os cavalheiros posavam para o retrato. Era um sinal de estatuto.

São Luís de Toulose e Santo Agostinho, ambos bispos, representados por pintores da Renascença.

· Terceira inovação: o estranho báculo que o clérigo ostenta com a mão esquerda. É sabido que o papel simbólico dos bispos na cristandade é o de serem os pastores de um rebanho de fiéis, e o atributo dessa função é o cajado, ou báculo. Habitualmente esse cajado tem um desenho característico que permite a sua rápida identificação, em pinturas e esculturas, ao longo dos séculos: costuma rematar-se, em cima, por uma forma espiralada, mais ou menos decorada. Assim foram sempre representados bispos, arcebispos e mesmo o Papa.

Mas em Braga não. Em Braga trabalha-se e inova-se. O arcebispo Peculiar é representado com um báculo que se remata em cima por um genital masculino completamente óbvio. Uma pila enorme e mole!

Quando vi pela primeira vez esta escultura, logo imaginei o gozo que deve ter sido o acolhimento público quando ela foi inaugurada em Dezembro de 2003. Cartas e fotos aos directores dos jornais, clips nos noticiários das TVs, chacota da estudantada liceal e universitária, diligências discretas junto da autarquia, promotora da iniciativa. É que um seminário fica logo ali ao lado. Mas parece que nada aconteceu. Nem sequer os pintores de grafittis, activos em todo o lado, nem eles se lembraram de deixar a sua marca.

Só posso concluir que Portugal está muito diferente, sem capacidade crítica nem gosto pelo bom humor. Braga era antigamente conhecida como a mais conservadora e beata das cidades portuguesas. Com uma catedral com mais de mil anos, os seus seis seminários e numerosos conventos femininos, um cabido forrado de doutos cónegos e o título da Roma Portuguesa, a sua fama já vem de muito longe. Até o herói da “Relíquia”, de Eça, se referia com chalaça ao excessivo clericalismo da cidade dos arcebispos.

Por isso eu imaginava que esta escultura iria desencadear por parte do clero e das boas-famílias locais uma reacção ao “despudor do cajado”, ou uma algazarra de troça da parte mais jovem e descomprometida da sociedade. Nem uma nem outra. Nem deram por nada. Comem por bom tudo o que lhes ponham na frente.

Só para acabar: na placa de latão, onde se divulga, em letra de tamanho quase ilegível o nome do escultor, refere-se um período temporal (1139-1175).

Os livros de História dizem que se desconhece a data do seu nascimento, mas que deve ter sido à volta de 1100. Porventura a data refere-se ao período em que o prelado comandou a diocese, mas não são dadas mais explicações.

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