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domingo, 20 de fevereiro de 2011

Virará o Egito uma "clerocracia" islâmica e antissemita?

Youssef al-Qaradawi, figura divisiva conhecida por suas ideias antissemitas, voltou ao Cairo após 30 anos. Sua atuação pode ser problemática para o futuro do Egito e de todo o Oriente Médio

JOSÉ ANTONIO LIMA
FESTA Centenas de milhares de pessoas tomaram a praça Tahrir, nesta sexta-feira, para celebrar uma semana sem Mubarak

Desde o início das manifestações populares que provocaram a queda do ditador Hosni Mubarak, uma questão vem sendo levantada: poderiam os fundamentalistas islâmicos sequestrarem a revolução secular iniciada em 25 de janeiro e tentar transformar o Egito em uma teocracia? Nesta sexta-feira, os que respondem sim a esta questão ganharam argumentos fortes, depois que um líder ultrarradical comandou as orações de milhares de pessoas que se reuniram na praça Tahrir, no Cairo, para celebrar uma semana da queda de Mubarak. 

INFLUENTE Youssef al-Qaradawi é visto como uma "figura paternal" da Irmandade Muçulmana. Em 2002, o grupo pediu a ele que liderasse o movimento no Egito, mas Qaradawi recusou a oferta

O líder em questão é Youssef al-Qaradawi, que há 30 anos vive exilado no Catar e cuja entrada foi banida pelos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido. Qaradawi comandou as orações desta sexta e fez um discurso surpreendentemente conciliatório. Segundo o jornal espanhol El País, ele começou agradecendo a juventude pelo “papel protagonista” que teve no movimento que derrubou Mubarak. “Se os jovens querem, podem, e a vontade deles é a vontade de Deus”. Sem seguida, Qaradawi afirmou que cristãos e muçulmanos se uniram para “vencer o sectarismo reinante” e elogiou o fato de seguidores das duas religiões terem se unido nas orações e defendido uns aos outros diante da resposta violenta do regime. 

Aparentemente, o discurso de Qaradawi foi bem recebido na praça Tahrir, mas ainda assim sua presença é vista com preocupação. Qaradawi é uma figura polêmica e que divide as opiniões dos árabes sunitas (como a maioria dos egípcios), público para o qual se dirige. Enquanto Qaradawi falava, o Twitter fervilhava com um debate sobre suas posições. Alguns o criticavam, outros o defendiam, sempre com argumentos fortes. A origem da polêmica são as posições do clérigo – a revista alemãDer Spiegel o definiu como “ele mesmo e o oposto dele mesmo, dependendo da perspectiva [de quem o observa] e das circunstâncias”. Qaradawi foi obrigado a deixar o Egito quando Mubarak assumiu o controle do país e tentou abafar o discurso religioso mais inflamado. Qaradawi se estabeleceu no Catar e, a partir do pequeno emirado no Golfo Pérsico, fez crescer sua influência. Há 15 anos ele apresenta todos os domingos, na rede Al Jazeera, o programa Sharia e Vida, no qual debate como a lei islâmica deve ser aplicada ao cotidiano. Na TV, Qaradawi fala de todo o tipo de assunto, desde o futuro dos palestinos até a masturbação feminina. Ao mesmo tempo em que elogia a “revolução da era da informação” promovida pelo ocidente, ele pede a Deus que “mate todos os judeus sionistas”, classifica o Holocausto como um “castigo de Alá à corrupção dos judeus” e classifica terroristas suicidas de "mártires em nomes de Deus". Sua visão canhestra do mundo ficou clara quando, em um de seus sermões, defendeu direitos iguais para homens e mulheres. Segundo ele, uma mulher não precisaria pedir permissão ao marido para se explodir em um café israelense. 

Explicar as condições em que o retorno deste homem se deu, ainda é impossível. O certo é que ele foi patrocinado pelo Exército. Segundo a redeAl Arabiya, militares fizeram a segurança da Qaradawi em seus caminhos de ida e volta até a praça Tahrir. Sua aproximação com os militares ficou clara em seu discurso. “Me disseram para não confiar nos militares”, disse. “Mas o Exército mostrou que é o braço do povo”, afirmou. Qaradawi ainda pediu que as Forças Armadas “livrem” o Egito de elementos que fizeram parte do governo Mubarak e pediu a libertação dos presos políticos. Por fim, repetiu a mensagem que o Exército vem emitindo há uma semana. “A obrigação do povo egípcio é trabalhar agora mais do que nunca para levantar a economia do país”, disse. “Nós que fizemos e apoiamos a revolução devemos estar atentos à deterioração econômica do país”, afirmou.

Ao autorizar a volta de Qaradawi, as Forças Armadas do Egito podem ter dado um passo arriscado. Se neste primeiro discurso ele mostrou uma inesperada razoabilidade, sua presença no Egito pode inflamar o discurso da Irmandade Muçulmana. Diversos líderes do grupo vem falando em democracia e em manter os acordos de paz com Israel em nome da estabilidade do Egito. Mas em 2002 esta mesma Irmandade Muçulmana pediu a Qaradawi que ele assumisse a liderança do grupo. Ele recusou, por considerar que sua atuação ficaria limitada às causas da Irmandade. As Forças Armadas são consideradas a principal barreira na sociedade egípcia contra o crescimento de uma tendência religiosa fundamentalista e, por isso, agora precisarão manter Qaradawi sob controle. Nos próximos meses, caso se confirme a liberalização da política egípcia, a Irmandade Muçulmana deve se tornar um partido político. Assim, será obrigada a definir, diante do público, qual sua posição a respeito da democracia e da política externa egípcia. Se a visão de Qaradawi se sobressair diante do discurso moderado de alguns líderes, o Egito terá problemas gravíssimos no futuro.


Fonte: Rev. ÉPOCA

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