Sem gestão, a morosidade da Justiça não acabará
Jamais afirmei que “o único problema da Justiça brasileira é a falta de orçamento para a contratação de mais juízes e serventuários.” (Bruno Dantas). Na verdade, a questão orçamentária é apenas uma das vertentes da crise da infraestrutura administrativa da nossa Justiça, mas em São Paulo este é realmente um problema gravíssimo: a proposta do TJ-SP para 2011 era de R$ 7 bilhões (para fazer frente minimamente às despesas de custeio), e vieram apenas R$ 5 bilhões, razão pela qual não foi possível investir quase nada para melhorar a Justiça paulista, (faltaram míseros R$ 19 milhões para implantar 200 varas já aprovadas por lei em nosso estado, para se ter uma idéia).
A Justiça brasileira não funciona bem por falta de vontade política para criar um Judiciário eficiente e isto pela razão de que cerca de 60% das causas cíveis têm no polo passivo a União, o Estado de São Paulo, o INSS e Caixa Econômica Federal. Ou seja, falta vontade porque a Administração Pública brasileira é o maior devedor do Brasil.
A Justiça brasileira não funciona bem porque falta informatização para valer no Judiciário. Para arrecadar impostos tudo é informatizado (Receita Federal, Banco Central, Secretarias da Fazenda), mas para pagar dívidas ou tutelar direitos não interessa ao Estado informatizar, uma vez que a informatização acabará se voltando contra ele mesmo.
A Justiça não funciona bem porque temos um número relativamente baixo de funcionários, principalmente em São Paulo (45 mil em 2011 para 19,5 milhões de processos; eram 54 mil em 2000 quando tínhamos apenas 9,0 milhões de feitos). Nossos funcionários são mal capacitados e não estão motivados. Lembremos, ainda, que enquanto o Brasil, como um todo, tem dez juízes para cada 100 mil habitantes, São Paulo tem apenas cinco.
Quem me viu falar na Comissão Especial ou assistiu alguma das muitas dezenas de aulas, palestras, entrevistas etc., sabe o que penso: precisamos de um choque de gestão no Poder Judiciário, como aconteceu no Rio de Janeiro, onde uma apelação é julgada em menos de um ano (como ocorre hoje no Rio Grande do Sul, Santa Catarina ou Minas Gerais).
Não é verdade que o CPC vai mudar alguma coisa nesse quadro. O que necessitamos desesperadamente é de administração profissional dos nossos cartórios e tribunais para combater a morosidade.
Com um choque de gestão poderemos fazer mais com os mesmo recursos orçamentários, ou mais com até menos, e isto sim representará avanço no contexto da distribuição da justiça. Com os juízes que temos hoje e o pessoal de que dispomos hoje, se houver administração séria e competente, daremos um salto de qualidade no exercício da função jurisdicional.E tudo isto sem que precisemos cogitar de uma ditadura do Judiciário para baixar o número de processos….
Execução provisória
Afirmam que critico a “execução provisória da sentença sem falar que hoje as interlocutórias concedidas em cognição sumária já são executadas”. (Bruno Dantas)
Afirmam que critico a “execução provisória da sentença sem falar que hoje as interlocutórias concedidas em cognição sumária já são executadas”. (Bruno Dantas)
Com certeza, a crítica tem por objeto a comparação entre a sentença e as decisões liminares cautelares e antecipatórias que se cumprem imediatamente. Pois bem, com base nesta premissa passo a responder.
A comparação não tem cabimento pelo simples motivo de que as liminares cautelares sempre são, e as antecipatórias geralmente são concedidas em função da existência de periculum in mora, ou seja, para impedir que um dano irreparável ou de difícil reparação se estabeleça no processo. A ravio de tais providências in limine, portanto, está vinculada à exigência de eliminação deste perigo (de completa ineficácia da providência final ou de inutilidade do próprio processo), de sorte que ou se efetiva prontamente a liminar ou comprometida estará toda a atividade jurisdicional subsequente.
Observe-se que toda esta ponderação não se aplica às sentenças, em regra, o que torna justificável o aguardo pela manifestação da segunda instância para que se inicie a atividade executiva. Em outras palavras, no contexto sentencial, não existindo o perigo de que a demora acarrete dano, fica inteiramente legitimado o exercício do direito de recorrer via apelação provida de efeito suspensivo, o que significa, por sua vez, plenitude do exercício da garantia do duplo grau de jurisdição.
Registre-se, por outro lado, que é justamente a lógica aqui desenvolvida que faz com que o CPC retire a suspensividade da apelação na hipótese de sentença confirmatória de tutela antecipada.
Por fim, cumpre apenas salientar que o argumento baseado na existência de liminares antecipatórias não fundadas em periculum in mora no nosso sistema – que correspondem a verdadeiros privilégios processuais em favor do direito de propriedade –, não pode ser usado para infirmar a conclusão acima por sua excepcionalidade, muito menos, por óbvio o argumento de que todas as liminares se estribam em cognição sumária.
Efeitos suspensivos
Em outra crítica lançada à entrevista se diz que “o juiz terá superpoderes, pois a apelação não terá efeito suspensivo ope legis. Só não fala que o relator pode suspender (ope iudicis).” (Bruno Dantas)
Em outra crítica lançada à entrevista se diz que “o juiz terá superpoderes, pois a apelação não terá efeito suspensivo ope legis. Só não fala que o relator pode suspender (ope iudicis).” (Bruno Dantas)
Infelizmente, não foi possível explicar aos leitores da Veja as razões técnicas pelas quais acredito que, uma vez aprovado o Projeto do CPC, a sentença de “um único homem” será executada, significando isto um comprometimento do direito de defesa e também do direito ao duplo grau de jurisdição ou, em outras palavras, autoritarismo do Poder Judiciário.
Mas por que? Algumas razões me levam a afirmar que, de fato, teremos, como regra, a execução da sentença de “um único homem”. Para começar, é preciso dizer que a eliminação do efeito suspensivo ope legis da apelação vai redundar em três graves inconvenientes processuais numa sequência lógica.
Primeiro grave inconveniente: interposta a apelação contra a sentença de procedência do pedido, todo advogado endereçará ao relator (no tribunal) uma petição autônoma que reproduzirá o recurso interposto acompanhado de todos os documentos relevantes da causa (inicial, contestação, réplica, saneamento, perícia, termos de audiência, sentença, etc.), porque só desta maneira se conseguirá impedir, desde logo, o início da execução provisória (pelo efeito suspensivo da PET, segundo o projeto). O trabalho dos advogados dos demandados dobrará, portanto, a cada sentença de procedência.
Segundo grave inconveniente: sob o ponto de vista dos tribunais (e seus relatores), o que assistiremos será ao congestionamento das secretarias e gabinetes por petições autônomas – e isto independentemente de se tratar de pilhas de autos ou de informações e documentos pela via eletrônica -, exatamente como ocorreu outrora com os mandados de segurança (para atribuição de efeito suspensivo aos agravos) e, mais recentemente, com os próprios agravos de instrumento que abarrotaram e abarrotam os nossos tribunais. O trabalho dos relatores crescerá exponencialmente.
Terceiro grave inconveniente: com tanto trabalho pela frente, os relatores ficarão entre a cruz e a caldeirinha porque, se de um lado, para decidir pela manutenção do efeito suspensivo (produzido pela protocolização da PET) eles terão de examinar com vagar e cuidado todo o processado para tirar a razão do juiz e atribuí-la ao apelante, de outro, será muito mais fácil – mas muito mais fácil mesmo – dar razão ao juiz em decisões de três ou quatro linhas e liberar a execução provisória em favor do demandante.
O desumano volume de causas acabará proporcionando, salvo um caso aqui e outro acolá, execuções provisórias aos montes e, ainda mais, que tudo acontecerá em nome da sacrossanta celeridade. Ou seja: execuções provisórias de decisões singulares, que é o mesmo que sentença de “um único homem”.
Fonte: CONJUR
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