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sexta-feira, 30 de abril de 2010

A diarréia do STF / Lei de Anistia convalidada

O Supremo Tribunal Federal borrou-se quase todo (com duas honrosas exceções) quando levado a confrontar-se com os - pelo jeito - ainda poderosos militares e civis que torturaram e cometeram crimes hediondos e imprescritíveis, na época da ditadura militar.
Nossa magistratura não demonstrou a coragem e a estatura da Magistratura de países vizinhos e "abriu as pernas".
Está certo o ilustre advogado Fábio Konder Comparato quando diz que o STF perdeu o bonde da história.
Perdeu mesmo não só o STF, mas todo o Brasil, mais um pouco de respeito no concerto das nações civilizadas, deixando de afirmar-se pelo repúdio a práticas sádicas de torturadores, cometidas contra pessoas que ousaram dissentir de um regime autoritário e truculento, inaugurado pelo Golpe de 1964.
De qualquer sorte, a OAB e o colega Comparato fizeram história, registraram seu inconformismo, cumpriram o seu papel, demonstrando que o art. 133 da Constituição Federal, que apregoa a indispensabilidade da advocacia, não é mera falácia. Comparato aproximou-se de Seabra Fagundes.
Quanto ao Tribunal Maior, revelou-se diminuto, demonstrando uma falta de coragem inaudita, que certamente está a causar muita vergonha entre juízes corajosos - que não são poucos neste país - diga-se a bem da verdade.
A parte sadia do Ministério Público Federal também deve estar revoltada com a posição da instituição, representada pelo Dr. Gurgel, que não apoiou a iniciativa da OAB.
A decisão do STF é perigosa demais, pois constitui passaporte para futuros tarados da repressão exercitarem seu sadismo, cônscios de que, em momento futuro, valendo-se de um simples "cagaço" nos juízes, serão por eles contemplados com a impunidade.

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Interessante a crônica que segue transcrita, colhida do Jornal do Brasil:

O país da anistia e dos panos quentes

Por Cristian Klein

Na visão de grandes intérpretes do país, um dos traços mais marcantes da sociedade brasileira é seu pendor para o não conflito, para a acomodação das divergências. É o país onde não se teria derramado tanto sangue quanto em nações como Estados Unidos, França, Inglaterra. Há muitas teses para explicar as origens da democracia, do autoritarismo, da vitória do Estado nacional como organização política, dos processos de modernização, do porquê do desenvolvimento de certos países em relação a outros (Moore, Tilly etc). Há quem dê importância para o fato de uma sociedade ter enfrentado ou não, de frente, momentos decisivos de sua história. Como se um impasse, uma contradição crucial tivesse que ser necessariamente resolvida para que a sociedade pudesse avançar. É o caso clássico da Guerra de Secessão americana, que pôs em confronto modelos inconciliáveis, o escravocrata e o capitalista. O sangue jorrou, os Estados Unidos curaram suas feridas e prepararam-se para crescer como potência econômica. Mesmo assim, nem tudo foi solucionado, e o acerto de contas com o passado e a herança escravocrata, que persistiu por muito tempo nas desiguais relações sociais, na segregação racial, só seria enfrentado quase cem anos depois, nos movimentos pelos direitos civis. A vitória da Guerra de Secessão havia sido de um modelo econômico, mas ainda não de um modelo social.

O Brasil também teve e tem seus conflitos. Mas é o país da tradição das soluções de compromisso, da democracia racial de Gilberto Freyre, do homem cordial de Sérgio Buarque de Holanda, dos donos do poder incrustados no estamento da burocracia (civil e militar) apontados por Raymundo Faoro. É o país em que o Estado veio antes da sociedade. Ou que veio depois e teve dificuldade de corrigir seus vícios (Oliveira Vianna). Estes autores têm em comum interpretações do Brasil que retroagem a um passado longínquo e mostram como a herança ibérica influenciou a formação do Estado e da sociedade brasileira. Mas há algo além desta matriz, ou da especificidade da colonização portuguesa, que se desenvolveu aqui de modo original e nos diferencia dos vizinhos latino-americanos.

A polêmica que se dá agora em relação à Lei da Anistia é um exemplo. Enquanto países como Argentina, Chile e Uruguai enfrentaram os fantasmas do período autoritário e ainda punem agentes do Estado que cometeram crimes durante o regime militar, o Brasil persiste na via da acomodação, dos panos quentes.

Uma oportunidade de revisar essa tradição foi aberta desde que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) ajuizou, em 2008, a ação em que contesta a validade do primeiro artigo da Lei 6.683/79, a Lei da Anistia, segundo o qual são anistiados “todos quantos, no período entre 2/9/1961 e 15/8/1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes”. O argumento da OAB é o de que a anistia não poderia ser aplicada àqueles que, a exemplo dos agentes da repressão, praticaram crimes hediondos. É o caso da tortura, considerada imprescritível pela Constituição de 1988.

No entanto, ao analisar ontem a ação da OAB – uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 153) – o Supremo Tribunal Federal tendia a manter o atual entendimento. O julgamento, que continua na sessão de hoje, deve seguir a tese de que a lei beneficiou os dois lados – o aparato de repressão e os movimentos da luta armada – e que sua interpretação não deve ser alterada.

Ora, a Lei da Anistia, obviamente, foi o resultado de um pacto possível pelas circunstâncias da época. Foi responsável pela volta de exilados e um instrumento necessário de distensão, após anos de polarização política. Mas, dados os ventos de mudança, a percepção de esgotamento do regime militar, com o vislumbre do processo de redemocratização, foi um poderoso mecanismo de proteção de algozes do antigo regime autoritário, um salvo-conduto para a entrada na nova ordem.
A ideia de que havia dois lados, como numa guerra entre países, também é falaciosa. Para além dos ocupantes do governo, o Estado é o mesmo e não pode recorrer à lógica do “olho por olho, dente por dente”. A Lei da Anistia anunciou a mudança de um regime político. Foi o início da vitória da democracia. Mas não significou a vitória da Justiça.

Fonte: Jornal do Brasil

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O min. Aires de Britto disse que o torturador é um monstro. Não há o que retocar na declaração contundente do digno magistrado.
Mas, uma indagação se impõe: se quem tortura é um monstro, como se pode classificar quem se "encagaça" só de ouvir falar dele ou compactua com as monstruosidades cometidas?

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Post scriptumm:

06/05/2010

Obra solitária, referendada por maioria submissa

"Anistia é um ato pelo qual os governos resolvem perdoar generosamente as injustiças e os crimes que eles mesmos cometeram".

A frase de Aparício Torelly, o Barão de Itararé, é citada na tese de doutorado de Heloísa Amélia Greco, do Departamento de História da Universidade Federal de Minas Gerais, intitulada "Dimensões Fundacionais da Luta pela Anistia".

A definição do Barão e a tese da historiadora são mencionadas em artigo da jornalista Maria Inês Nassif, na edição desta quinta-feira (6/5) do jornal "Valor Econômico", sob o título "Um acordo em que a ditadura resolveu tudo".

A historiadora, segundo revela a jornalista, reconstitui, passo a passo, a aprovação da Lei da Anistia. O artigo cita fatos que antecederam a sessão de 22 de agosto de 1979, na Câmara Federal, onde "800 soldados à paisana ocuparam quase todos os 1200 lugares das galerias", quando o Congresso se reuniu para examinar a proposta de anistia do governo do general João Figueiredo.

"O texto do projeto do governo foi enviado ao Congresso sem que ninguém da oposição consentida, o MDB, pelo menos oficialmente, tenha sido consultado", afirma a jornalista.

Segundo ela, o projeto aprovado pelo Congresso "foi uma obra solitária do governo militar, referendada por uma maioria parlamentar bovina, totalmente submissa ao poder".

Maria Inês diz que "este é, segundo o Supremo Tribunal Federal (STF) em decisão proferida na semana passada, o 'acordo histórico' feito pela sociedade brasileira: de um lado, a sociedade civil mobilizada em comitês que pleiteavam anistia ampla, derrotada; de outro, baionetas e maioria forjadas por atos institucionais e Pacote de Abril".

Ela conclui: "O Brasil vai sentar no banco dos réus da Corte Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos por conta dos crimes cometidos pela ditadura. A OEA pode condenar o país a anular sua lei de anistia, a exemplo do que já fez com o Chile e o Peru, para punir os que torturaram e mataram. O STF que explique direitinho para a OEA esse complicado pacto em que a ditadura resolveu tudo sozinha".

Escrito por Fred às 16h23

Fonte: Blog do Frederico Vasconcelos


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