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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Quem mandou serem ingênuas, ou melhor, otárias!

Que o caso abaixo retratado em acórdão do Tribunal de Justiça do RS sirva de alerta para gente que, desesperada, busca cura junto a charlatães. Essa cacalhada de padre, pastor etc... não tem piedade de ninguém, quando em jogo o dinheiro. Aproveitam-se da credulidade pública, sem qualquer escrúpulo, principalmente quando as pessoas estão vulneráveis, fragilizadas, desesperadas, senão vejamos:




APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. PORTADORA DE VIRUS HIV. DOAÇÃO EM DINHEIRO FEITA A CURANDEIROS (BISPO AGOSTINHO E PADRE ZEZINHO) NA EXPECTATIVA DE ALCANÇAR CURA. PRETENDIDA DEVOLUÇÃO DO DINHEIRO SOB A ALEGAÇÃO DE ENGODO, FRAUDE, CHARLATANISMO E CRUELDADE PRATICADA CONTRA PESSOA FRAGILIZADA PELA VIL DOENÇA. NUMERÁRIO ENTREGUE A TÍTULO DE OFERENDA. AUSÊNCIA DE PROVA QUANTO À PROMESSA DE CURA. FUNCIONÁRIA PÚBLICA FEDERAL, COM CURSO SUPERIOR, RESIDENTE NA CAPITAL, NÃO PODE SER TIDA COMO INCAUTA, A PONTO DE ACREDITAR EM PROMESSA DE CURA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA QUE SE CONFIRMA. APELO IMPROVIDO. UNÂNIME.



APELAÇÃO CÍVEL
DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL

N 70000993303
PORTO ALEGRE

MARLISE LORENZINI

MARINES LORENZINI

JOSÉ VICENTE ESTEVES DE
SOUZA APELANTE;

APELANTE E

APELADO.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.
Acordam os Desembargadores da Décima Quinta Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado, por unanimidade, negar provimento ao recurso.
Participaram do julgamento, além do signatário, os eminentes Desembargadores VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS, Presidente, e RICARDO RAUPP RUSCHEL.
Porto Alegre, 16 de agosto de 2000.



DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS,
Relator.

RELATÓRIO

DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS (RELATOR) – Trata-se de APELAÇÃO CÍVEL interposta por MARLISE LORENZINI e MARINÊS LORENZINI, por inconformadas com sentença que, nos autos da Ação de Cobrança que movem contra José Vicente Esteves de Souza, julgou improcedentes o pedido e condenou as requerentes ao pagamento das custas e de honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor atualizado da causa.
Interpostos Embargos de Declaração, restaram acolhidos para reconhecer que as autoras gozam do benefício da gratuidade judiciária.
Em suas razões, narraram que, em momento de desespero, recorreram a possibilidades imaginárias que ofereciam chance de cura, passando a freqüentar cultos na Igreja Nossa Senhora da Rosa Mística onde lhes fora exigida, para alcançar a graça desejada, soma em dinheiro correspondente a R$ 8.910,00. Por não ter sido alcançado o milagre prometido, constatando que foram enganadas, buscam o ressarcimento.
Alegaram não se tratar de oferenda ou dízimo, posto que este indica uma quantia inexpressiva, o que não ocorre no presente caso. Salientaram que o apelado declarou serem pedidas ofertas voluntárias, donde se constata que a iniciativa de pagar pela suposta graça não partiu das recorrentes. Quanto à existência de dolo, argumentaram que resta caracterizado pelo simples fato de terem extorquido R$ 8.910,00 das autoras sem qualquer motivo lícito, havendo, no mínimo, dolo de aproveitamento. Ademais, apontaram haver prova suficiente do dolo e da promessa de cura por meio da cópia do Inquérito Policial, juntado às fls. 50/71.
Destacaram que o próprio julgador “a quo” não descartou a possibilidade de conduta ilícita por parte do réu/apelado e reconheceu que os pastores devem possuir certo grau de convencimento.
Por fim, entendendo demonstrada a prática de curandeirismo e a extorsão de dinheiro, requereram o provimento do apelo.
Ausente o preparo, por litigarem as apelantes ao abrigo da Assistência Judiciária Gratuita, foi recebido o recurso em seu duplo efeito (fl. 123).
Após contra-razões (fls. 125/129), subiram os autos conclusos para julgamento.
É o relatório.
VOTO

DES. OTÁVIO AUGUSTO DE FREITAS BARCELLOS (RELATOR) – Nenhum reparo se faz necessário na v. sentença ora apelada, da lavra do operoso Dr. Marcelo Cezar Müller, a cujos argumentos me permito reportar como fundamentos desta decisão:
“Não há prova de ato ilícito, pelo menos nestes autos, a embasar o acolhimento do pedido.
“O réu é pastor da Igreja Nossa Senhora da Rosa Mística.
“É comum a entrega de oferendas pelos fiéis, o dízimo.
“Nos autos, conforme o ônus do art. 333, I, do CPC, cabia às autoras a prova da conduta do réu. Isto é, deveriam ter comprovado o dolo do réu, arts. 92 a 97 do CC.
“Nada disso consta dos autos.
“Apenas que o réu possuía uma Igreja, da qual era pastor, e as autoras teriam feito oferendas.
“Não há prova de promessa de cura.
“Tal fato não seria normal, pois é público e notório que a ciência ainda não alcançou a cura da mencionada doença.
“Disso as autoras tinha conhecimento.
“Logo, a versão por elas apresentada não decorre da normalidade dos fatos. Necessitava de prova segura a amparar a narrativa dos fatos.
“Não há prova, ainda, que todos os cheques tenham sido entregues para o réu.
“Teria havido relação de Marlise com Dilson, que chegou a alugar um apartamento para este. Existiu, também, um empréstimo, conforme consta na comunicação de ocorrência efetuada pelas autoras, fl. 6.
“No caso, realmente, pode ter ocorrido conduta ilícita pelo réu, só que não há prova concreta nos autos.
“Depois, existe um motivo lícito para a emissão dos cheques para o réu: as oferendas das fiéis.
“É lógico que os pastores devem possuir certo grau de convencimento, como os vendedores. Apenas isso, este talento no transmitir idéias, não origina invalidade do ato jurídico.
“Trago a lição de Washington de Barros Monteiro, Curso de Direito Civil, 1º vol., 4ª ed., pp. 199 e 200:

“Trataremos agora do dolo, que é o erro intencionalmente provocado na vítima pelo autor do dolo, ou por terceiro.
“Em sentido amplo, dolo civil é todo artifício empregado para enganar alguém.
“Cumpre não esquecer, neste passo, que há na vida real, no mundo dos negócios, uma espécie de dolo perfeitamente tolerado. .... O exagero, sem artifício, é o chamado dolus bonus. Admissíveis são essas manifestações no giro diário dos negócios, porque, com um pouco de diligência, um pouco de perspicácia, podem ser dissipadas”.

“E isso tem aplicação nos autos. Um pouco de diligência bastaria para as autoras não acreditarem na referida promessa. Logo, não houve dolo essencial, nem os artifícios teriam sido graves. Faltam requisitos para o reconhecimento do dolo.
“Na falta de prova de promessa pelo réu, a solução é fornecida pelo instituto da doação pura e simples, art. 1.165 do CC.
“Conforme Maria Helena Diniz, Curso de Direito Civil Brasileiro, 3º vol. 9ª ed., pp. 166 e 167:

“1. a) Doação pura e simples, feita por mera liberalidade, sem condição, presente ou futura, sem encargo, sem termo, enfim, sem qualquer restrição ou modificação para a sua constituição ou execução”.

“Logo, não é a hipótese de acolher o pedido. Mesmo o art. 159 do CC exige a presença dos requisitos: conduta voluntária ou culposa, dano e nexo de causalidade. Falta o primeiro requisito, na ausência de prova do fato ilícito”.
Aliás, a narrativa constante da peça vestibular não guarda a menor coerência com os documento que instruem a inicial e, muito menos, com a comunicação de ocorrência policial juntada na fl. 35 e com as declarações de fls. 58 a 64.
Finalmente, não há como deixar de referir o perfil sócio-cultural da autora Marines Lorenzini, residente nesta Capital, na Avenida Princesa Isabel, 500, apto. 3211, com 39 anos de idade, funcionária pública federal, de instrução superior, exercendo suas atividades na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Portanto, não se trata de nenhuma incauta adolescente, de instrução primária, recém vinda do interior, capaz de ensejar tutela intelectual por incapacidade de gerir seus atos.
Razão pela qual estou negando provimento ao apelo para o fim de manter a r. sentença apelada pelos seus próprios e jurídicos fundamentos.
É o voto.


O DES. RICARDO RAUPP RUSCHEL (Revisor) - De acordo.

O DES. VICENTE BARRÔCO DE VASCONCELLOS (Presidente) - De acordo.


Decisor de 1º Grau: Marcelo Cesar Muller.

ef

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