Nos
EUA, porém, o remédio não entrou. A responsável por recusá-lo – e o
pedido de comercialização voltou cinco vezes à sua mesa! - foi a doutora
Frances Kelsey, doutora em farmacologia pela Universidade de Chicago.
Ela trabalhava no poderoso FDA, sigla de Food & Drug and
Administration (Administração de Comida e Droga). O FDA é um
departamento que faz o controle de alimentos, cosméticos, remédios,
equipamentos médicos, produtos derivados do sangue humano etc. Qualquer
desses itens é minuciosamente estudado, examinado e testado antes de ter
sua comercialização aprovada.
A doutora Frances Kelsey foi
condecorada pelo então presidente John Kennedy por ter livrado os EUA do
Contergan. Hoje, aos 96 anos, aposentada desde 2005, depois de
trabalhar 45 anos no FDA, poucos lembram do que essa mulher fez. E tinha
apenas 26 anos quando descobriu em suas pesquisas para a cura da
malária que algumas substâncias farmacêuticas eram capazes de vencer a
barreira da placenta. Citar o Contergan é mais ou menos como anunciar a
presença de Ariclenes Venâncio Martins. Ninguém ligará esse nome a Lima
Duarte, a menos que ao lado da informação esteja a foto do ator. Com
esse fármaco dá-se a mesma coisa. Ele se tornou conhecido no mundo
inteiro pelo nome de sua substância, a talidomida. Passados alguns anos
do lançamento do Contergan, apareceram na Alemanha doze casos de
crianças nascidas com focomelia. Designa uma deformação congênita, que
consiste no encurtamento dos membros do feto, tornando-os semelhantes ao
de uma foca. Mãos e pés rudimentares se prendem ao tronco de forma
irregular. Defeitos adicionais são o lábio leporino, deformações em
olhos e ouvidos etc.
Casos semelhantes e em número crescente
passaram a ser reportados em muitos outros países. Um médico australiano
descobriu que todas as mulheres que tinham tido bebês com focomelia
haviam tomado o medicamento. Ele escreveu um artigo de alerta, mas não
pôde publicá-lo. Foi censurado sob alegações de que a metodologia não
era correta. Não se pode tapar o Sol com a peneira. A empresa que
produzia a talidomida retirou-a do mercado em todos os países. Hoje a
talidomida é receitada apenas para lepra e alguns tipos de câncer.
Milhões de pessoas foram protegidas pela decisão corajosa da doutora
Frances Kelsey. Muitas mulheres cuidam de providências tão delicadas
quanto essa em todo o mundo. No Brasil, elas são mães, cozinheiras,
tias, avós, enfermeiras, médicas, juízas, babás, promotoras, advogadas,
ministras e uma delas é presidente da República.
Escritor e professor
Nenhum comentário:
Postar um comentário