Lucas Mendes: O Exército do pacifista
Numa poltrona, diante de uma
estante de livros, paletó, sem gravata, calvo, bigode branco em cima de
um sorriso discreto. Nem na minha família de gente tão doce havia um
parente com a expressão tão pacífica como a deste senhor de 73 anos, que
já foi comparado a Gandhi, Martin Luther King e o Dalai Lama.
Publicou 60 livros e foi o primeiro líder muçulmano a denunciar os atentados às Torres.
O turco Fethullah Gulen é um líder
religioso islâmico e a base de operações dele, na Pensilvânia, fica a
menos de duas horas do Trade Center e a quatro da Casa Branca.
Nos últimos seis meses, com problemas de saúde,
tem vivido em quase completa reclusão, mas se manifesta pela internet.
Deu raríssimas entrevistas, uma delas para o New York Times, há
dois anos, quando repetiu suas condenações ao terrorismo, seu interesse
em educação, serviço comunitário e diálogo com cristãos e judeus.
Ateus, não: são, para ele, tão desprezíveis quanto terroristas.
Esta é uma história complicada porque é difícil definir o gulenismo.
"Somos uma sociedade transnacional cívica",
disse um assessor de Gulen, mas o próprio líder diz que a influência
dele no gulenismo é minima, que não há nem mesmo um líder, nem poder
central, nem hierarquia, nem agenda com objetivos específicos.
As pessoas supostamente são inspiradas, mas não
ordenadas por ele. Mohammed Fethullah Gullen começou a estudar o Corão
aos 5 anos - aos 14 fez seu primeiro sermão - e a conquistar adeptos na
Turquia. Muçulmano suni sufista, desde cedo pregou o modelo político
ocidental: "É um pecado não querer ficar rico".
"Estudar física, química e matemática é como
rezar", é outra máxima de Gulen, que prega a construção de escolas em
vez de mesquitas.
Elas hoje são as melhores da Turquia onde
meninas e meninos estudam juntos. Além de dezenas de escolas, os
gulenistas tem o maior jornal do país, estações de TV, o maior banco e
dezenas de empresas.
Em 1999, Fethulla Gulen saiu da Turquia rumo aos
Estados Unidos para cuidar da saúde, pouco antes de ser acusado por um
promotor de conspirar para derrubar o governo.
Uma das evidências foi um sermão em que pregava
aos seguidores para "penetrar silenciosamente nas instituições do Estado
até chegar ao centro".
Em 2008, o processo foi arquivado, mas ele nunca voltou nem planeja voltar à Turquia.
Seu assessor diz que "provocaria tamanha comoção
que não interessa nem ao governo nem aos adeptos porque daria a falsa
impressão que ele tem poderes extraordinários".
Com a chegada dele, as escolas primárias e
secundárias da rede Harmony, gulenista, se multiplicaram nos Estados
Unidos. São escolas do modelo "charter", sustentadas com dinheiro
público, mas fora do controle do Estado.
Há 130 delas pelo país, com mais de 20 mil
alunos e outros 30 mil a espera de vagas. As Harmonys têm resultados
acadêmicos acima das escolas públicas e duas delas entraram numa lista
das dez melhores do país.
Enfatizam matemática, ciências e tecnologia, com
milhares de professores importados da Turquia. Nenhuma delas ensina
religião. Há outras 900 escolas espalhadas por 140 países, com
resultados igualmente superiores.
Há sucessos e suspeitas. Vários professores
turcos receberam vistos para ensinar nos Estados Unidos, inclusive
inglês, e professores americanos perderam seus empregos. Uma professora
demitida foi aos jornais e aos tribunais.
Ela acusa a rede de favorecer os turcos porque
devolvem 40% dos salários para o "movimento". A fonte dela foi o marido,
um professor turco.
Há uma investigação em curso sobre as demissões e abuso de vistos.
Há também um julgamento na Turquia em que dois
conhecidos jornalistas investigativos, Nedim Sener e Ahmet Sik,
respondem a um processo acusados de subversão, promover assassinatos e
incentivar terrorismo e caos.
A Turquia tem 57 jornalistas na prisão, recorde mundial. O crime deles foi tentar publicar um livro O Exército do Imam,
em que revelam como os seguidores de Gulen se infiltraram na polícia,
Exército, Legislativo, Judiciário e agências de segurança. O caso
mobilizou defensores de direitos humanos do mundo inteiro. A decisão
deve sair a qualquer momento.
Dois ex-secretários de Estado americanos,
Madeleine Albright e James Baker III, receberam Gulen de braços abertos e
já falaram em seminários promovidos por um instituto em Washington
sustentado com dinheiro gulenista, mas memorandos do Departamento de
Estado revelam incertezas sobre o recluso muçulmano das montanhas da
Pensilvânia, tão perto de Washington, Nova York e das cabeças dos
estudantes americanos.
Fethullah Gulen ocupa apenas dois quartos na
comunidade de 10 hectares com vários prédios na região dos Poconos,
cenário de vários filmes, inclusive de Woody Allen.
Tão perto e tão secreto. Gulen é o maior pacifista muçulmano do nosso tempo ou o mais eficiente agente secreto de Maomé?
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