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quinta-feira, 31 de maio de 2012

O primeiro Rabino das Américas!


Rabino Isaac Aboab da Fonseca


Fonte: Bandeirantes Espirituais do Brasil – Rabino Y. David Weitman

Shavei Israel


Sua Vida
 
Rabino Isaac Aboab da Fonseca nasceu em 1605, em Castro Daire, distrito de Viseu, na Beira Alta, Portugal. Quando ele ainda era criança, seus pais, David Aboab e Isabel da Fonseca, fugindo da inquisição, emigraram par S. Jean de Luz, na França. E, 1612, então com 7 anos, mudaram-se para Amsterdã, local acolhedor para os refugiados da Península Ibérica. Nesta cidade seu pai faleceu cedo e o órfão tornou-se discípulo do Chacham Isaac Uziel, de Fez. Sua erudição era tanta que aos 14 anos foi eleito Chazan (oficiante litúrgico) da congregação Neveh Shalom. Aos 18 anos foi Rubi (mestre-escola) e, aos 21 anos, foi oficialmente nomeado rabino da congregação Beth Israel de Amsterdã. Por volta de 1638-1639, quando esta congregação se uniu às outras duas já existentes sob o nome comum de Talmud Torá, ele permaneceu como o mais jovem dos quatro rabinos da nova entidade ensinando gramática e primeira lição de Guemará, e fazendo as prédicas da noite, recebendo um salário anual de 450 florins.

Consta nos registros de Amsterdã que em 1641, a Congregação Unida Talmud Torá decidiu que o Chacham Isaac Aboab seria substituído nas suas funções de ensino de Gramática e Talmud pelo seu colega de classe Chacham Menasseh bem Israel, fato que permitiria sua viagem a Pernambuco, Brasil, onde havia uma crescente comunidade judaica e sinagoga desde 1636. Porém, não se sabe a data exata da chegada do Chacham ao Brasil, que gira em torno de 1641 – 1642.

Rabino Isaac Aboab da Fonseca liderou um grupo numeroso de judeus portugueses de Amsterdã para o Brasil. Com ele, no navio, estava seu colega mais jovem, Rabino Mosseh Rephael d’Aguilar. Em Recife, a sinagoga funcionou primeiramente em uma casa alugada e mais tarde foi construído um templo próprio em dois sobrados na rua que passou a se chamada Rua dos Judeus. Os manuscritos dos estatutos reformados e das atas da comunidade Tsur Israel (Rochedo de Israel), reproduzidos no início deste livro, demonstram que a congregação era constituída de pessoas eruditas, como professoras e o Shochet (Bodek – encarregado do abate ritual das aves). Também fica patente que a congregação, durante seus quase 20 anos de existência, manteve uma estrutura comunitária perfeita, com instituições exemplares, como escolas, sociedades de caridade, cemitério, micvê, etc. 

   Interior da Sinagoga de Recife, fundada por Isaac Aboab da Fonseca
O que se pode afirmar é que Rabino Isaac Aboab foi o primeiro rabino e autor de textos literários e litúrgicos, em língua hebraica, das Américas, atuando como guia espiritual da comunidade Tsur Israel de Recife desde a sua chegada até sua partida, em 1654. Rabino Isaac Aboab era também Mohel (aquele que pratica a circuncisão) no Recife, além de celebrar os casamentos.
Após chegar ao Brasil, seu profundo amor ao próximo fez com que Aboab se empenhasse em fazer retornar ao judaísmo conversos que vieram a esta terra antes da ocupação holandesa. Manoel Gomes Chacão, cristão-novo de Itamaracá que se mudou para Recife, relatou, após ter sido preso e levado para julgamento na inquisição de Lisboa, que o Chacham Aboab do Recife convenceu-o a se fazer judeu.

Grande teólogo, Aboab defendia ardentemente a tese de que o pecador judeu, por mais graves que fossem seus pecados, jamais seria punido com a extinção eterna. Seu corpo poderia ser punido, porém sua alma, que vem de Cima, retornaria intacta à Sua Fonte, depois de purificada dos pecados pelo sistema de transmigração, como consta nos livros cabalísticos.

Esta crença, pregada publicamente por ele, adequava-se perfeitamente não só aos marranos, fugitivos de países inquisitoriais para abrigar-se e retornar à fé ancestral em Amsterdã, como também aos cristãos-novos acomodados à sua nova fé, que nem tentaram emigrar para lugares onde o judaísmo fosse tolerado.

Apesar de muitos atribuírem causas exclusivamente financeiras para a sua viagem ao Brasil, é bem provável que o verdadeiro motivo fosse espiritual: a dispersão missionária dos judeus em todas as partes do mundo era condição essencial para o advento do tempo messiânico. Creditando tudo à Providência Divina, Aboab também interpretava positivamente para o mesmo fim a transmigração comum de judeus de um país para outro. Em sua obra principal Paraphrasis, ele afirma que a dispersão dos judeus pela Diáspora possuía uma qualidade dupla, conservativa e missionária.

É importante salientar que as insurreições das tropas luso-brasileiras, desde 1645, arruinaram economicamente os judeus de Recife, bem como os habitantes de Pernambuco, tornando-os, em sua maioria, pobres. Todavia, enquanto os pregadores calvinistas trocavam o Brasil pela Holanda apressadamente desde que irrompeu a rebelião, Rabino Isaac Aboab lá permaneceu até que o último judeu deixasse o Recife. Como um capitão fiel que não abandona seu navio, o Chacham embarcou para Amsterdã três meses depois da reconquista e vitória dos portugueses, em 26 de janeiro de 1654.

De volta à Holanda, em 1654, o Chacham Isaac Aboab foi restituído ao cargo que ocupava na Congregação. Esta readmissão deu-se pelos “seus méritos passados e presentes e ser ele geralmente querido de todo Kahal Kadosh”. Após seu retorno, Aboab participava com sermões de ardor dos ofícios solenes dedicados à memória dos mártires da inquisição e lecionava uma classe de Guemará e Tossafot.

Em 1656, foi eleito Rosh Yeshivá da Academia Talmúdica de Torá Or instituída pelos filantropos Efraim Bueno, renomado médico, e o magnânimo Abraham Pereyra. Rabino Isaac Aboab foi um pregador de reputação, tendo pregado mais de mil sermões. Era um notável conhecedor de Teologia, Física e Metafísica. Foi um célebre poeta, harpista e melodioso cantor.

A sua Academia produziu discípulos respeitados, e a sua pena, tratados de vastíssima erudição. Com efeito, além de poeta e pregador eloqüente, Aboab também imergiu na erudição e na mística então em voga, e se dedicava à elaboração de tratados especializados de acordo com o pensamento filosófico de seu tempo. Após o falecimento de Rabino Saul Levi Mortera em 1660, Rabino Isaac Aboab tornou-se presidente do Tribunal Rabínico, posição idêntica à de Rabino –Mor da Congregação Unida Talmud Torá.

Rabino Isaac Aboab da Fonseca era conhecido também por intelectuais não-judes, contemporâneos e posteriores. O bibliógrafo português Antônio Ribeiro dos Santos (1745 – 1818) registrou: “O padre Antônio Vieira o ouviu pregar diversas vezes, maravilhando-se por seu grande juízo e sua ampla e excessiva sabedoria, costumando dizer sobre Menasseh e ele que Menasse dizia o que sabia, e que Aboab sabia o que dizia”.

O grau de intelectualidade de Aboab pode ser comparado pela lista dos livros que compunham sua biblioteca particular, uma das mais ricas de Amsterdã naqueles tempos. Segundo o catálogo, ela constava de mais de 500 títulos, livros e manuscritos, acerca dos mais variados assuntos, na sua maioria em hebraico, além de outros em grego, latim, espanhol, italiano e francês. Obras de Cabalá, história de Portugal, geografia de vários países, sobre a Igreja, tradução hebraica dos Evangelhos, clássicos gregos e latinos. No prólogo de seu Paraphrasis comentado, Aboab confessara em sua humildade característica, que poucos dos comentários da obra cabiam a ele, visto “que la mayor parte es sacado de los mas famosos autores de que consta mi Biblioteca”.

Apesar de sua excessiva modéstia, podemos comprovar a sua excelência e erudição pelo grande número de Hascamot (aprovações) solicitadas e concedidas por Rabino Aboab aos autores de célebres obras contemporâneas.

Dentre vários registros da comunidade de Amsterdã, encontramos atos de benevolência , sociais e judiciais realizados por Aboab, com destaque para a sua atuação como um dos juízes do Beit Din (Tribunal Rabínico) que excomungou o filósofo Baruch Spinoza, a 27 de julho de 1656, sendo que foi o próprio Aboab quem leu a sentença de excomunhão.

Respeitado por todos, conseguia Rabino Aboab fazer passar suas decisões e reconciliações por ocasião do aparecimento de graves conflitos na vida comunitária. Em 1681, Aboab interveio para apaziguar as discórdias na Irmandade caritativa Maskil el Dal (Socorro aos pobres) mediante uma decisão judicial rabínica; e em 1683, ajudou a acalmar pessoalmente, do púlpito da sinagoga, e impor sua decisão reconciliatória num conflito decorrente do sistema de eleição de novos diretores para o Conselho da Congregação, evitando maiores distúrbios na comunidade.

Em 1670, Aboab alertou a Congregação sobre a necessidade de alargar a sinagoga, por falta de espaço suficiente. Seu pedido e incentivo resultou na construção da célebre Grande Sinagoga Portuguesa de Amsterdã, inaugurada festivamente em 1675. Na cerimônia de inauguração da sinagoga, Aboab recebeu a honra de levar o Sefer Torá para a leitura e compôs vários poemas para a ocasião. Agora, como rabino da nova sinagoga, ele ganhava 950 florins, 200 cestos de turfa (um combustível caseiro) e 40 matsot.

Como reconhecimento, o nome de Rabino Aboab foi inscrito na entrada principal do edifício junto com o versículo “Quanto a mim, através de Tua abundante benevolência, entrarei em Tua Casa” – Aboa betecha (Salmo 5:8), além da data do início da construção 1672.

Anos depois, quando alguns particulares quiseram construir uma nova sinagoga, contrariando o que havia sido previamente combinado, Rabino Aboab apaziguou a situação e pediu ajuda por carta ao Rabino Shmuel Aboab (Veneza), que lhe respondeu com palavras de grande honra: “Eu rezo ao D-us Vivo para ajudar a manter a honra de seu nome em prol do seu povo e a glória do seu conhecimento da Torá, para que possa subir e elevar-se sublimemente com paz e força”.

Nos últimos momentos de sua vida, sua visão enfraqueceu. Em 1692, passou a ser ajudado por dois chazanim que o acompanhavam na leitura das ketubot (contratos de casamento), ofício que exercera a partir de 1660. No ano seguinte àquela designação, Shabat, 27 de Adar II, 5453, (sábado, 4 de abril de 1693)falecia com 88 anos de idade, o velho Chacham que em vida “de todos era muito venerado e amado”, e “feliz em vida e morte, administrou (o seu povo) por 70 anos”. No leito de morte sugeriu como seu sucessor Rabino Jacob Sasportas, que o substituiu como Rabino-Mor.

O corte fúnebre foi realizado com uma pompa jamais vista. Acompanhado pelos dirigentes e rabinos da Congregação, além de grande público, seu corpo foi transportado ao cemitério. O cortejo contou ainda com a presença de representantes diplomáticos de Marrocos, da Espanha e de Portugal. Antes de ser levado ao seu repouso eterno, Chacham Rabi Shelomo Oliveira pregou em português, enquanto que o Chacham Ashquenazi Rabi Moshe Yehuda (Leib Charif) discursou em hebraico. Durante o período tradicional de luto, foram proferidos vários outros sermões fúnebres por todos os rabinos de Amsterdã.

Aboab foi sepultado no cemitério judaico-português de Ouderkerk, nas margens do rio Amstel, ao lado de sua primeira esposa Esther, falecida em 1669. Vários outros vultos históricos do judaísmo holandês também se encontram no mesmo cemitério. Próximo a esses túmulos encontra-se a sepultura de sua segunda esposa, Sara, falecida em 1689.

O Chacham deixou dois filhos – David e Abraham – e uma filha, Judith. David era lapidador de diamantes e casou-se com Rachel Velosino, nascida no Brasil, filha do chazan da congregação Tsur Israel do Recife, Yehosuah Velosino. David como seu pai, exerceu também como chazan da Chevrá Kadishá. Judith casou-se com o erudito Danioel Belillos. Esse era filho do cristão-novo Balthazar da Fonseca, de Recife, que retornou ao judaísmo após a conquista holandesa, adotando o nome de Samuel Belillos, um dos judeus mais ricos do Brasil holandês, que construiu uma ponte entre Recife e Maurícia. Rabino Daniel Belillos era professor na escola Ets Haim de Amsterdã, foi Rosh Yeshivá de Masquil el Dal e de Temimé Derech e alguns de seus sermões foram impressos.

A vida e memória de Rabino Isaac Aboab foram perpetuadas de várias maneiras na comunidade de Amsterdã; pela inscrição de seu nome, ainda em vida, no pórtico da Grande Sinagoga, por gravuras de sua imagem lavradas em lâminas de cobre por artistas contemporâneos e pela inclusão de seu nome e data de falecimento nas Ketubot que daí por diante se celebrassem, por um certo período. Esses fatos comprovam que Isaac Aboab da Fonseca foi um rabino que, literalmente, marcou uma época.
 
Fonte: COISAS JUDAICAS

Um comentário:

Anônimo disse...
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