A produção do ferro gusa, um dos principais componentes da liga do aço, só é possível por conta da extração de madeira ilegal na Amazônia, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto Observatório Social. Isso significa que, caso as empresas siderúrgicas decidam pela compra apenas de carvão produzido dentro da lei, o sistema brasileiro de produção de aço, que gera 32,9 milhões de toneladas anuais, entraria em colapso.
De acordo com o estudo, a maior parte do carvão utilizado na queima do minério de ferro a transformação no ferro gusa é produzida em carvoarias ilegais. Para entrar nas siderúrgicas, o material é “legalizado” por meio de um esquema de corrupção envolvendo servidores do estado do Pará e empresas monitoradas.
A estratégia de lavagem foi descoberta porque, pelos dados divulgados pelas próprias siderúrgicas, a quantidade de carvão que elas produziam é muito superior à sua capacidade oficial. O carvão vegetal, produzido a partir da queima de árvores, é utilizado no processo de transformação do minério de ferro, extraído de diversas minas na região do Carajás em ferro gusa, que é exportado.
Através de dados divulgados pelas próprias siderúrgicas, a quantidade de ferro-gusa que elas diziam produzir era muito superior à capacidade máxima que poderia ser feita com o carvão que compravam legalmente. Em algumas empresas, apontou o estudo, a diferença chegava a 155%. Assim, os pesquisadores concluíram que parte desse ferro era produzida com carvão sem procedência definida em carvoarias clandestinas, que depois utilizavam as “monitoradas” para lavar seu produto ilegal.
“O problema é muito visível: as carvoarias estão lá”, afirma Marques Casara, jornalista que participou da pesquisa e acompanhou os problemas. Segundo ele, nas carvoarias não cadastradas, os trabalhadores vivem condições desumanas e queimam madeira sem nenhum tipo de proteção, às vezes nem mesmo com materiais mínimos de segurança – como calçados.
Casara acredita que a maior parte dos setores envolvidos na cadeia produtiva do aço sabe que financiam empresas que usam trabalho escravo e desmatam ilegalmente grandes trechos da floresta amazônica. “Siderúrgicas sabem do problema e seguem a política de obter o carvão a qualquer custo”, comenta o jornalista.
O uso de trabalho escravo e desmate ilegal foi denunciado em um relatório há sete anos. Um termo de compromisso foi assinado entre as empresas e autoridades da região, que começaram a ser monitoradas e a comprar apenas carvão produzido de acordo com a lei.
No entanto, mantendo as aparências, as empresas passaram a comprar o carvão sem procedência definida, muito mais barato.
Para isso, foi necessário suborno intensivo de funcionários do governo do Pará, que, entre outras práticas, emitiam documentos falsos permitindo extensos desmates em áreas de reserva. Investigações feitas pelo Ministério Público Federal e Polícia Federal mostram que servidores inseriam crédito de madeira no sistema da Secretaria do Meio Ambiente, legalizando práticas de desmatamento sem fiscalização ou visitas às áreas.
“Já teve muito servidor que foi preso, mas aparentemente o problema não foi estancado”, diz Casara.
O jornalista afirma que todo o sistema de produção de aço não tem feito grandes esforços para se viabilizar sem o desmate ilegal de reservas na Amazônia.
Para mudar esse cenário, seria necessário um longo período de adaptação para que as empresas passem a usar carvão produzido apenas com madeira de reflorestamento. “Eles precisam parar de fritar a Amazônia para fazer ferro gusa”, diz.
Apesar de o esquema só ser possível por causa da conivência dos diversos setores envolvidos (como as maiores empresas que exploram ferro-gusa), o Ministério Público está tomando providências para que as companhias que usam o aço e siderúrgicas internacionais saibam do fato e parem de sustentar a cadeia clandestina, através do envio de cartas.
Fazem parte da cadeia produtiva marcas internacionais como Thyssenkrupp. NMT e Nucor Corporation.
“As diversas entidades (governo e siderúrgicas locais) foram pegas com a mão na massa. Elas não têm como responder: estão tentando ficar quietas para esperar a poeira baixar”, afirma Casara.
Nova Ipixuna
A pesquisa concluiu ainda que Nova Ipixuna, cidade onde, em 24 de maio, foram assassinados os lideres extrativistas José Cláudio Ribeiro da Silva e Maria do Espírito Santo – que denunciavam ilegalidades na região – é a jóia dos madeireiros e das carvoarias.
O Observatório Social, que organizou a pesquisa sobre as carvoarias, já havia divulgado em fevereiro matéria que mostrava que um milhão de metros cúbicos de carvão (cerca de 16 mil caminhões carregados) tinham sido esquentados por uma quadrilha que atuava na cidade com a ajuda de políticos, empresários e funcionários públicos.
O problema é que o município se encontra justamente na fronteira entre a mata intacta e o cinturão do desmatamento. José Cláudio denunciava grupos que desmatavam para, justamente, produzir grandes quantidades de carvão para alimentar a cadeia do aço.
Fonte: CARTACAPITAL
Nenhum comentário:
Postar um comentário