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segunda-feira, 18 de julho de 2011

O falido e o golpe do tombamento

 
Uma fazenda de R$ 45 milhões de Ricardo Mansur, o ex-dono do Mappin, foi tombada como patrimônio histórico. O ato pode atrapalhar seu confisco.
 
Wálter Nunes
Paulo Liebert/AE
 
PATRIMÔNIO
O casarão da Fazenda São Gonçalo, em Avaré, no interior de São Paulo, e o empresário Ricardo Mansur. O local é usado para jogar polo.
 
O empresário Ricardo Mansur, ex-dono do banco Crefisul e das redes de varejo Mappin e Mesbla, todos falidos, gosta de alardear suas habilidades como jogador de polo. Ele esteve em campo com alguns dos melhores atletas do mundo, e o esporte o aproximou de integrantes da família real inglesa. Mas, a despeito do ar de nobreza que ostenta quando monta seus cavalos, a fama de Mansur que cresce a galope é de desferir golpes que nada têm de esportivos.

Mansur ficou conhecido como um craque na arte de escamotear seu patrimônio da Justiça, que desde 1999 tenta levantar fundos para cobrir dívidas de mais de R$ 2 bilhões com credores e funcionários.

Agora, a Justiça de São Paulo desconfia que sua última tacada tenha sido uma tabelinha com um político interiorano para blindar uma fazenda em Avaré, município a 260 quilômetros de São Paulo.

Em novembro de 2006, o ex-prefeito Joselyr Benedito Silvestre, do PSDB, que governou a cidade em dois mandatos (1997-2000 e 2004-2008), decretou a Fazenda São Gonçalo de interesse público e tombou-a como Elemento de Conservação do município.
A propriedade, segundo os administradores da massa falida das empresas de Mansur, apesar de estar registrada em nome da empresa Market Consultoria em Leilões, pertence a Ricardo Mansur.
O status Elemento de Conservação dificulta processos de penhora ou desapropriação da fazenda.
“Um tombamento pode ter o objetivo de fraudar uma execução, impedindo penhora sobre o bem ou, no mínimo, retardando o andamento de um processo”, diz a advogada Beatriz Catta Preta, especialista em Direito empresarial.
A Fazenda São Gonçalo, segundo avaliação de corretores de imóveis da região, vale cerca de R$ 45 milhões. Ela tem 350 hectares e é a segunda parte de um latifúndio dividido em três pela família Mansur logo após a bancarrota de suas empresas. O complexo conta com campos de polo, campo de golfe, piscinas, casarões e estábulos. Grandes jardins enfeitam os arredores das casas. Outras áreas estão ocupadas com plantação de cana.
A São Gonçalo, hoje cobiçada pelos credores de Mansur, também já foi alvo do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o MST. Em 2004, como forma de protesto pelo aniversário do massacre de Eldorado dos Carajás, que ocorreu em 1996, no Pará, cerca de 150 integrantes do MST invadiram e pediram a desapropriação da fazenda. Segundo advogados, o tombamento também pode servir como obstáculo para pedidos de desapropriação da fazenda para reforma agrária.

O decreto assinado pelo ex-prefeito Joselyr contém trechos inusitados para tombamentos de interesse público. O texto impede que a população tenha acesso à fazenda. Diz que a “referida área de preservação fica fechada para visitação do público”.

Outra passagem curiosa diz que a fazenda é “de uso exclusivo de seu fiel depositário, Ricardo Mansur”.

Se a intenção era blindar o patrimônio de Mansur, a redação foi falha. O decreto poderá servir como munição para a Justiça comprovar que Mansur é o verdadeiro proprietário da fazenda, oculto atrás do biombo da empresa Market Consultoria em Leilões.
 
O decreto impede que a população veja o patrimônio tombado. Diz que é de “uso exclusivo” de Mansur

A publicação do decreto também contrariou a lei. Para tombar a Fazenda São Gonçalo como patrimônio da cidade, o ex-prefeito Joselyr atropelou a legislação local. A Lei Municipal nº 154, que regula os tombamentos históricos e culturais em Avaré, descreve o caminho necessário para tombar um imóvel. A proposta de tombamento teria de ser enviada para a Secretaria de Cultura do município, que, em seguida, a remeteria para a análise do Conselho de Defesa de Bens Culturais de Avaré. Caso o Conselho considerasse haver valor cultural ou histórico relevante na fazenda, a proposta seguiria então para a aprovação da Câmara Municipal. Todas essas obrigações foram desprezadas pelo ex-prefeito.

Joselyr Silvestre diz conhecer Ricardo Mansur e a Fazenda São Gonçalo da época em que trabalhava como corretor de imóveis na região. “Estive com ele uma ou duas vezes quando era corretor e fui ver se ele vendia a fazenda”, afirma. Mas sua memória falha quando o assunto é o tombamento assinado por ele: “Não me lembro. Quem fez o decreto foi o departamento jurídico da prefeitura”. No final da conversa com ÉPOCA, Joselyr afirmou ter assinado o documento a pedido do vereador Júlio César Theodoro, do PP, conhecido como Tucão, um ex-aliado na Câmara Municipal de Avaré: “Quem pediu foi um vereador. Se não me engano foi o Tucão”, disse Joselyr.

A versão do ex-prefeito não encontra lastro no antigo aliado nem nos registros da prefeitura que ele comandava. Tucão disse conhecer Mansur e a Fazenda São Gonçalo, mas negou que tenha pedido para Joselyr fazer o decreto. A Procuradoria-Geral do Município, que cuida dos assuntos jurídicos da prefeitura, também informou que não há registro de tramitação do decreto pelo órgão.

O Conselho de Defesa de Bens Culturais de Avaré, que deveria analisar a necessidade de tombamento da fazenda, nem sequer funcionou na gestão Joselyr. “Nos anos em que foi prefeito, o Conselho não foi ativado. Ele nem chegou a nomear os integrantes. Nenhum projeto foi analisado no governo dele”, diz Gesiel Júnior, atual integrante do órgão.
O Conselho nasceu em 2001. Até 2004, só fez estudos para mapear os imóveis com valor histórico e cultural de Avaré. Em 2005, Joselyr desativou o órgão, que só voltou a funcionar em 2009. A Fazenda São Gonçalo foi a primeira propriedade tombada como Elemento de Conservação em Avaré. Ela chama a atenção na lista de tombamentos por ser o único imóvel que não está localizado no perímetro urbano do município. Os demais são casarões do começo do século XX, uma escola estadual e uma igreja.

ÉPOCA tentou falar com Mansur, mas seu advogado, Marcelo Gomes de Sá, não respondeu aos pedidos de entrevista. Nas manobras pela blindagem da Fazenda São Gonçalo, nem tudo saiu perfeito para Ricardo Mansur. Em 2008, ele tentou registrar o decreto de tombamento da São Gonçalo no Cartório de Registro de Imóveis de Avaré, mas o pedido foi negado. O cartório exigiu, entre outros documentos, a comprovação de que a fazenda não estava mais arrolada no processo de falência da United Indústria e Comércio. A United é a empresa que aparecia como dona da propriedade em 1999, ano da falência do Mappin.

Fonte: Rev. ÉPOCA

Um comentário:

Anônimo disse...
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