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terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

O mito dos khazares e o novo anti-semitismo



Por: Steven Plaut *




“Os israelenses não têm nenhuma história nesta Terra porque eles são khazares que não estão conectados com a terra". Al Hayat Al Jadida, 16 de junho de 2003.
 
"Estranhamente, os sionistas eram, em sua maioria, não-judeus cujos antepassados converteram-se ao Judaísmo ao redor de 800 d.e.C num lugar chamado Khazaria, nas Montanhas de Cáucaso entre os mares Cáspio e Negro. Eles eram literalmente bem caucasianos". Website da Judicial-inc.
 
"Em 1917 os judeus de Khazar decidiram pela criação do seu próprio estado na Palestina. No mesmo ano eles também criaram a Revolução bolchevique na Rússia. Seguiu-se um holocausto cristão, tal qual o mundo nunca viu. Os judeus de Khazar procuraram outra vez controlar a Rússia depois de mais de 900 anos, e eles estabeleceram a tarefa de destruir os cristãos russos. mais de 100 milhões deles, ao mesmo tempo em que mais de 20 milhões de judeus religiosos também morreram nas mãos dos judeus de Khazar”.  Website de ‘informação’ da Al-Jazeera.  
 
É um das grandes ironias do  século 21 que anti-sionistas e anti-semitas tanto da esquerda como da direita, tenham voltado aos argumentos racistas contra judeus, quando a maioria de nós pensava que tinham desaparecido depois de Segunda Guerra Mundial.  
Um dos aspectos mais bizarros desta "re-racialização” do anti-semitismo é o papel desempenhado pelo mito dos khazares.  
A nova e moderna mitologia dos khazares afirma que os atuais ashkenazim (judeus provenientes da Europa Central e Oriental), e especialmente a liderança européia do movimento sionista, não são judeus no sentido racial, mas somente descendentes dos khazares não-judeus; assim, os “teóricos” da Khazaria alegam que sionistas e israelenses não têm nenhuma reivindicação legítima sobre a Terra de Israel.  
Há um demasiado exagero na difusão e no mau uso do mito dos khazares entre os que buscam deslegitimar Israel e os judeus hoje. Uma pesquisa recente mostrou que quase 30.000 websites usam a "teoria" dos khazares como um tacape contra Israel e o Sionismo.  
Cerca de 200 websites procuram descrever uma conspiração conhecida como bolchevique sionista khazariana (KZV). Organizações neonazistas, negadores do Holocausto e determinados sites na internet são particularmente aficionados pelo mito dos khazares. Ele também cresce em popularidade entre os anti-sionistas de extrema esquerda.  
Árabes e propagandistas do islamofascismo dedicam muito tempo à teoria que enquadra os ashkenazim como khazares e os líderes genocidas iranianos adoram isso. A Al-Jazeera tem utilizado a história dos khazares para sugerir uma guerra mundial religiosa cristã contra os imperialistas pseudo-judeus de Khazar.  
Grupos que promovem com freqüência os ‘Protocolos dos Sábios de Sião’ citam o papel abominável dos khazares como "prova" de uma conspiração judaica mundial (eu contei 700 desses sites na internet). E até mesmo judeus anti-sionistas, esquisitos como Alfred M. Lilienthal, e o "Israel Shamir” sueco usam o mito dos khazares para atacar o Sionismo.  
Por que estes diversos grupos estão repentinamente interessados em um povo muito antigo e esotérico da Ásia Central, que desapareceu há quase um milênio atrás?  
A resposta é muito simples.  
De acordo com a teoria dos khazares formulada pelos novos anti-semitas, os judeus atuais, particularmente os judeus ashkenazim, não são judeus etnicamente no total, mas descendentes da tribo túrquica dos khazares, cuja classe governante e partes de sua camada populacional converteram-se ao judaísmo no 8º ou no início do 9º século da era cristã. Conseqüentemente, argumentam os racistas, os judeus ashkenazim não têm nenhum direito de viver no Oriente Médio etnicamente semita e especialmente não na Terra de Israel.  
Fato e Lenda
Para os judeus, a história da conversão dos khazares ao judaísmo é melhor conhecida dos ensaios de “The Kuzari: In Defense of the Despised Faith” (“Os Kuzari: Em Defesa da Fé Menosprezada”), um livro medieval escrito pelo grande poeta espanhol e filósofo Yehuda Ha-Levi.  
Só parte do livro, na verdade, trata do reino dos khazares, do qual pouco era conhecido, e as reivindicações históricas sobre eles, no livro, não são consideradas completamente seguras.  
Em todo caso, ”Os Kuzari” pretende reportar os debates no tribunal real dos khazares, que supostamente conduziram os khazares à conversão de sua elite ao judaísmo. Outros altos funcionários judeus nos regimes muçulmanos espanhóis efetivamente se corresponderam com o reino dos khazares, mais notadamente o rabino de Córdoba Hasdai ibn Shaprut (cujas cartas existem até hoje). E acredita-se que o grande sábio iraquiano Saadia Gaon tenha mantido correspondência com os judeus do reino de Khazar.
É pensamento corrente que parte da motivação para os khazares se converterem tenha sido estabelecer uma neutralidade política no reino Khazar para enfrentar as potenciais ameaças das forças da Cristandade e do Islã.  
Os próprios khazares não deixaram nenhum registro documentado. O historiador árabe Ibn Fadlan escreveu sobre eles, mas ele fez isso dois séculos depois que as conversões ao Judaísmo teriam ocorrido. Alguns judeus, tendo buscado refúgio das perseguições bizantinas, provavelmente viveram no reino bem antes da conversão da realeza khazar.  
Uma irônica distorção histórica é que os khazares contribuíram para o alfabeto cirílico no qual o russo e alguns outros idiomas eslavos são escritos. São Cirilo chegou à Khazaria em 860 numa tentativa de converter os khazares ao cristianismo. Como o hebraico dos khazares e grego eram os principais alfabetos conhecidos por São Cirilo e os primitivos eslavos, eles pegaram emprestado de ambos.  
O interesse ocidental nos khazares foi estimulado, em grande parte, por um livro de 1976, “A Décima Terceira Tribo”, de Arthur Koestler, escritor mais conhecido pelas suas batalhas eternas contra o totalitarismo em todas suas formas. O livro de Koestler baseou-se em grande parte num livro anterior “The History of the Jewish Khazars” (“A História dos khazares judeus”), do historiador D. M. Dunlop.  
Dunlop rejeitou a idéia de que grande número de judeus ashkenazim poderiam traçar suas origens nos khazares, porém não Koestler. Por exagerar de forma grosseira e sensacionalista o papel e o número dos descendentes dos khazares entre o judaísmo europeu, Koestler, que era um forte sionista, inadvertidamente abasteceu os atuais racistas e anti-semitas com toda a munição que eles poderiam desejar, e muitos deles freqüentemente citam seu livro como base para as suas denúncias preconceituosas contra Israel.  
Diversos livros mais sérios sobre os khazares estão agora no mercado, inclusive “The Jews of Khazaria“ (“Os judeus de Khazaria”), de Kevin Alan Brook. O rabino Bernard Rosensweig foi uma das principais figuras no desmascaramento da teoria khazar da origem judaica ashkenazi. Escrevendo em “Tradition” (“Tradição”) [16:5, Fall 1977, páginas 139-162), ele descartou isto como sendo “fundamentações acadêmicas vacilantes e sem apoio histórico".  
Da mesma forma, o arqueólogo sueco Bozena Werbart, perito em khazares, escreveu: "No reino Khazar, Koestler quis ver a origem do judaísmo europeu oriental. Não obstante, todos os fatos históricos e lingüísticos contradizem suas teorias".
Como “A Enciclopédia do Judaísmo” (1989) enfaticamente declara, "a noção de que o judaísmo ashkenazi descende dos khazares, na realidade, não tem absolutamente base nenhuma”.  
O que restou dos khazares  
O que seria hoje o reino Khazar foi dominado parcialmente pelos antigos russos no século 10, e tudo que restou foi aniquilado como resultado das invasões mongóis na Ásia Central.  
O que exatamente restou dos judeus khazares simplesmente não é conhecido. Aqueles que mantiveram seu judaísmo, provavelmente se integraram às outras comunidades judaicas em todo o mundo. Alguns grupos de khazares se uniram às invasões magiares naquilo que se tornou a Hungria, e podem ter se misturado com judeus locais que já habitavam aquelas terras; realmente, arqueólogos encontraram estrelas judaicas nos restos de aldeias de khazares húngaros.  
Pequenos grupos de mercenários khazares possivelmente encontraram refúgio em outros lugares. É mais provável que a maior integração de judeus khazares com outros judeus tenha acontecido no Irã e no Iraque, as grandes comunidades mais próximas do reino Khazar e com quem haviam mantidos laços íntimos.  
(Uma lenda urbana afirma que judeus ruivos são descendentes de khazares, entretanto isso dificilmente poderia explicar o Rei David, para não mencionar Esaú. Arthur Koestler dizia que muitos eram loiros com olhos azuis).
Em todo caso, a existência política dos khazares terminou há mil anos atrás.  
Assim, quem somos nós para fazer do mito dos khazares uma relação com os judeus ashkenazim e sua suposta falta de reivindicações legítimas sobre Israel devido às suas origens khazares? A maior ironia é que até mesmo se a teoria Khazar inteira sobre os judeus ashkenazim estivesse correta — e virtualmente nada disso está correto — seria completamente irrelevante. O judaísmo nunca definiu os judeus terrenos étnicos. Qualquer um, de qualquer grupo étnico, é bem-vindo como um convertido ao judaísmo, contanto que ele ou ela sejam sinceros.  
Os próprios israelitas bíblicos já eram uma mixórdia racial. Eles absorveram uma “multidão misturada" que deixou o Egito junto com eles no período do Êxodo. Há referências bíblicas a judeus de características étnicas diferentes, inclusive a pele-negra Shulamit mencionada no Cântico dos Cânticos.  
Os judeus sempre se definiram em termos religiosos, étnico-nacionais e, às vezes, em condições lingüísticas, mas nunca em termos de linhas raciais. Se todos os judeus ashkenazim fossem realmente khazares convertidos, como alegam os anti-sionistas racistas, eles não seriam legitimamente menos judeus e, como tal, teriam os mesmos direitos de reivindicação da pátria judaica como qualquer outro grupo de judeus. (De acordo com a deferência judaica tradicional aos convertidos íntegros, talvez mais ainda).  
Pseudo-história e bobagens 
Os detalhes evidentes da teoria dos khazares relativos ao judaísmo europeu são simplesmente pseudo-história e bobagens excêntricas.
Os judeus já habitavam a Europa um milênio antes do reino Khazar ter sido formado. Não há nenhum registro genético ou indicadores de qualquer natureza mostrando que os judeus ashkenazim sejam descendentes de tribos de línguas túrquicas. Na realidade, existem consideráveis evidências genéticas mostrando que os judeus europeus estão mais próximos dos levantinos e dos árabes sírios que de asiáticos centrais.  
Depois das invasões mongóis a maioria do khazares provavelmente assimilou-se nas comunidades judaicas do Irã e do Iraque que, é claro, em conseqüência, emergiram como importantes centros sefaraditas (sefaradim), formados principalmente por judeus com características étnicas semitas, descendentes dos judeus migrantes e exilados da Terra de Israel. Em todo caso, há mais judeus sefaraditas “semitas” em Israel hoje que judeus ashkenazim europeus. E se os khazares se pareciam com os povos túrquicos da Ásia, como eles poderiam dar aos judeus ashkenazim uma aparência européia?  
Há outros problemas. Se todos os judeus ashkenazim são descendentes dos khazares convertidos, por que há Cohens e Levis entre eles? A pessoa herda o status de Cohen (sacerdote) ou Levita de seu pai. Descendentes de convertidos pela linhagem masculina nunca podem ser um Cohen ou um Levi.  
E por que não há nenhum sobrenome khazar entre os ashkenazim, ou nomes khazares em cidades da Europa onde os judeus viveram? E o que fez a maioria das comunidades de ashkenazim falarem variações do iídiche no lugar de línguas túrquicas?  
Como já mencionado, a popularidade do mito dos khazares entre os anti-semitas representa um retorno do moderno fanatismo antijudaico ao racismo dos anos 1930 e de antes ainda.
Quase todo site da internet anti-semita ou neonazista denuncia sionistas e israelenses como "khazares". As listas de discussão na internet, nas quais judeus que defendem Israel são retirados como "usurpadores de Khazar" são muito numerosas para contagem.  
O racismo mais uma vez em voga afirma que os judeus só teriam reivindicações legítimas de direito à autodeterminação em sua pátria se eles fossem adequadamente semitas de um ponto de vista racial. A Palestina faz parte do lebensraum* racial semita e aqueles que não possuem as corretas marcas raciais de pureza não têm nada que fazer lá. Pureza racial, de repente, é a nova base para direitos nacionais.  
Descobri uma grande quantidade de sites neonazistas na internet que afirmam que "sionistas khazares" realmente estavam por trás dos ataques de 9/11. Encontrei milhares de sites na Web sustentando que "judeus embusteiros de Khazar" fazem parte de uma liga conspiratória com maçons, com o Vaticano, com os Illuminati e outros, para controlar o mundo.  
Os que acreditam na conspiração de Khazar estão se tornando mais abundantes a cada dia; um amplamente citado website da Ku Klux Klan assegura que o evangelista pró-Israel Pat Robertson é na verdade um judeu khazar. Os neonazistas da American Patriots Friends Network (Rede de Amigos dos Patriotas Americanos) declaram que os próprios khazares são descendentes da raça de Magog e secretamente controlam a América. 
Se levarmos em conta o argumento racista à sua conclusão lógica, os árabes palestinos têm o direito de exercitar todas as suas reivindicações sobre a soberania em Israel devido a serem eles os verdadeiros judeus raciais, enquanto os sionistas são khazares não-judeus, impostores étnicos e usurpadores.  
Para tornar as coisas até mais bobas ainda, os próprios árabes são, é claro, uma mistura de grupos raciais, com um componente caucasiano particularmente grande graças à miscigenação árabe com espanhóis e italianos, bérberes caucasianos, vândalos, góticos, e até mesmo alguns vikings.  
A deslegitimação racista do Sionismo como "imperialismo Khazar" é um golpe dentro da teoria do mesmo hospício de que "Jesus era palestino" ou a conversa de que todos os verdadeiros judeus (do ponto de vista racial) se converteram ao Islã depois da conquista árabe da Palestina no século 7 e assim se tornaram os árabes palestinos.  
Qualquer pessoa pode também encontrar incontáveis sites na internet afirmando essas coisas.
Nota:
Lebensraum — Em alemão Espaço vital. Na geografia política, o conceito de espaço vital foi concebido por Friedrich Ratzel, que propôs uma Antropogeografia, como um ramo da geografia humana, como o espaço de vida dos grupamento humanos. O conceito foi mais tarde usado pelos nazistas para justificar a expansão territorial do povo alemão, não apenas na restauração das fronteiras de 1914, mas também a conquista da Europa Oriental.
* Steven Plaut é jornalista, colunista da Jewish Press e professor da Universidade Haifa, em Israel.
Fonte: http://www.visaojudaica.com.br


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