“Os israelenses não têm nenhuma história nesta Terra porque eles são khazares que não estão conectados com a terra". Al Hayat Al Jadida, 16 de junho de 2003.
"Estranhamente, os sionistas eram, em sua maioria, não-judeus
cujos antepassados converteram-se ao Judaísmo ao redor de 800 d.e.C num
lugar chamado Khazaria, nas Montanhas de Cáucaso entre os mares Cáspio
e Negro. Eles eram literalmente bem caucasianos". Website da Judicial-inc.
"Em 1917 os judeus de Khazar decidiram pela criação do seu
próprio estado na Palestina. No mesmo ano eles também criaram a
Revolução bolchevique na Rússia. Seguiu-se um holocausto cristão, tal
qual o mundo nunca viu. Os judeus de Khazar procuraram outra vez
controlar a Rússia depois de mais de 900 anos, e eles estabeleceram a
tarefa de destruir os cristãos russos. mais de 100 milhões deles, ao
mesmo tempo em que mais de 20 milhões de judeus religiosos também
morreram nas mãos dos judeus de Khazar”. Website de ‘informação’ da Al-Jazeera.
É um das grandes ironias do século 21 que anti-sionistas e
anti-semitas tanto da esquerda como da direita, tenham voltado aos
argumentos racistas contra judeus, quando a maioria de nós pensava que
tinham desaparecido depois de Segunda Guerra Mundial.
Um dos aspectos mais bizarros desta "re-racialização” do anti-semitismo é o papel desempenhado pelo mito dos khazares.
A nova e moderna mitologia dos khazares afirma que os atuais ashkenazim (judeus
provenientes da Europa Central e Oriental), e especialmente a
liderança européia do movimento sionista, não são judeus no sentido
racial, mas somente descendentes dos khazares não-judeus; assim, os
“teóricos” da Khazaria alegam que sionistas e israelenses não têm
nenhuma reivindicação legítima sobre a Terra de Israel.
Há um demasiado exagero na difusão e no mau uso do mito
dos khazares entre os que buscam deslegitimar Israel e os judeus hoje.
Uma pesquisa recente mostrou que quase 30.000 websites usam a "teoria" dos khazares como um tacape contra Israel e o Sionismo.
Cerca de 200 websites procuram descrever uma
conspiração conhecida como bolchevique sionista khazariana (KZV).
Organizações neonazistas, negadores do Holocausto e determinados sites
na internet são particularmente aficionados pelo mito dos khazares. Ele
também cresce em popularidade entre os anti-sionistas de extrema
esquerda.
Árabes e propagandistas do islamofascismo dedicam muito tempo à teoria que enquadra os ashkenazim
como khazares e os líderes genocidas iranianos adoram isso. A
Al-Jazeera tem utilizado a história dos khazares para sugerir uma
guerra mundial religiosa cristã contra os imperialistas pseudo-judeus
de Khazar.
Grupos que promovem com freqüência os ‘Protocolos dos Sábios de Sião’
citam o papel abominável dos khazares como "prova" de uma conspiração
judaica mundial (eu contei 700 desses sites na internet). E
até mesmo judeus anti-sionistas, esquisitos como Alfred M. Lilienthal, e
o "Israel Shamir” sueco usam o mito dos khazares para atacar o
Sionismo.
Por que estes diversos grupos estão repentinamente interessados em um
povo muito antigo e esotérico da Ásia Central, que desapareceu há quase
um milênio atrás?
A resposta é muito simples.
De acordo com a teoria dos khazares formulada pelos
novos anti-semitas, os judeus atuais, particularmente os judeus ashkenazim,
não são judeus etnicamente no total, mas descendentes da tribo
túrquica dos khazares, cuja classe governante e partes de sua camada
populacional converteram-se ao judaísmo no 8º ou no início do 9º século
da era cristã. Conseqüentemente, argumentam os racistas, os judeus ashkenazim não têm nenhum direito de viver no Oriente Médio etnicamente semita e especialmente não na Terra de Israel.
Fato e Lenda
Para os judeus, a história da conversão dos khazares ao judaísmo é melhor conhecida dos ensaios de “The Kuzari: In Defense of the Despised Faith” (“Os Kuzari: Em Defesa da Fé Menosprezada”), um livro medieval escrito pelo grande poeta espanhol e filósofo Yehuda Ha-Levi.
Só parte do livro, na verdade, trata do reino dos
khazares, do qual pouco era conhecido, e as reivindicações históricas
sobre eles, no livro, não são consideradas completamente seguras.
Em todo caso, ”Os Kuzari” pretende reportar os debates
no tribunal real dos khazares, que supostamente conduziram os khazares à
conversão de sua elite ao judaísmo. Outros altos funcionários judeus
nos regimes muçulmanos espanhóis efetivamente se corresponderam com o
reino dos khazares, mais notadamente o rabino de Córdoba Hasdai ibn
Shaprut (cujas cartas existem até hoje). E acredita-se que o grande
sábio iraquiano Saadia Gaon tenha mantido correspondência com os judeus
do reino de Khazar.
É pensamento corrente que parte da motivação para os khazares se
converterem tenha sido estabelecer uma neutralidade política no reino
Khazar para enfrentar as potenciais ameaças das forças da Cristandade e
do Islã.
Os próprios khazares não deixaram nenhum registro documentado. O
historiador árabe Ibn Fadlan escreveu sobre eles, mas ele fez isso dois
séculos depois que as conversões ao Judaísmo teriam ocorrido. Alguns
judeus, tendo buscado refúgio das perseguições bizantinas,
provavelmente viveram no reino bem antes da conversão da realeza
khazar.
Uma irônica distorção histórica é que os khazares contribuíram para o
alfabeto cirílico no qual o russo e alguns outros idiomas eslavos são
escritos. São Cirilo chegou à Khazaria em 860 numa tentativa de
converter os khazares ao cristianismo. Como o hebraico dos khazares e
grego eram os principais alfabetos conhecidos por São Cirilo e os
primitivos eslavos, eles pegaram emprestado de ambos.
O interesse ocidental nos khazares foi estimulado, em grande parte, por
um livro de 1976, “A Décima Terceira Tribo”, de Arthur Koestler,
escritor mais conhecido pelas suas batalhas eternas contra o
totalitarismo em todas suas formas. O livro de Koestler baseou-se em
grande parte num livro anterior “The History of the Jewish Khazars” (“A História dos khazares judeus”), do historiador D. M. Dunlop.
Dunlop rejeitou a idéia de que grande número de judeus ashkenazim
poderiam traçar suas origens nos khazares, porém não Koestler. Por
exagerar de forma grosseira e sensacionalista o papel e o número dos
descendentes dos khazares entre o judaísmo europeu, Koestler, que era
um forte sionista, inadvertidamente abasteceu os atuais racistas e
anti-semitas com toda a munição que eles poderiam desejar, e muitos
deles freqüentemente citam seu livro como base para as suas denúncias
preconceituosas contra Israel.
Diversos livros mais sérios sobre os khazares estão agora no mercado, inclusive “The Jews of Khazaria“ (“Os
judeus de Khazaria”), de Kevin Alan Brook. O rabino Bernard Rosensweig
foi uma das principais figuras no desmascaramento da teoria khazar da
origem judaica ashkenazi. Escrevendo em “Tradition”
(“Tradição”) [16:5, Fall 1977, páginas 139-162), ele descartou isto como
sendo “fundamentações acadêmicas vacilantes e sem apoio histórico".
Da mesma forma, o arqueólogo sueco Bozena Werbart, perito em khazares,
escreveu: "No reino Khazar, Koestler quis ver a origem do judaísmo
europeu oriental. Não obstante, todos os fatos históricos e
lingüísticos contradizem suas teorias".
Como “A Enciclopédia do Judaísmo” (1989) enfaticamente declara, "a noção de que o judaísmo ashkenazi descende dos khazares, na realidade, não tem absolutamente base nenhuma”.
O que restou dos khazares
O que seria hoje o reino Khazar foi dominado parcialmente pelos
antigos russos no século 10, e tudo que restou foi aniquilado como
resultado das invasões mongóis na Ásia Central.
O que exatamente restou dos judeus khazares simplesmente não é
conhecido. Aqueles que mantiveram seu judaísmo, provavelmente se
integraram às outras comunidades judaicas em todo o mundo. Alguns
grupos de khazares se uniram às invasões magiares naquilo que se tornou
a Hungria, e podem ter se misturado com judeus locais que já habitavam
aquelas terras; realmente, arqueólogos encontraram estrelas judaicas
nos restos de aldeias de khazares húngaros.
Pequenos grupos de mercenários khazares possivelmente encontraram
refúgio em outros lugares. É mais provável que a maior integração de
judeus khazares com outros judeus tenha acontecido no Irã e no Iraque,
as grandes comunidades mais próximas do reino Khazar e com quem haviam
mantidos laços íntimos.
(Uma lenda urbana afirma que judeus ruivos são descendentes de
khazares, entretanto isso dificilmente poderia explicar o Rei David,
para não mencionar Esaú. Arthur Koestler dizia que muitos eram loiros
com olhos azuis).
Em todo caso, a existência política dos khazares terminou há mil anos atrás.
Assim, quem somos nós para fazer do mito dos khazares uma relação com os judeus ashkenazim
e sua suposta falta de reivindicações legítimas sobre Israel devido às
suas origens khazares? A maior ironia é que até mesmo se a teoria
Khazar inteira sobre os judeus ashkenazim estivesse correta — e
virtualmente nada disso está correto — seria completamente
irrelevante. O judaísmo nunca definiu os judeus terrenos étnicos.
Qualquer um, de qualquer grupo étnico, é bem-vindo como um convertido
ao judaísmo, contanto que ele ou ela sejam sinceros.
Os próprios israelitas bíblicos já eram uma mixórdia racial. Eles
absorveram uma “multidão misturada" que deixou o Egito junto com eles
no período do Êxodo. Há referências bíblicas a judeus de
características étnicas diferentes, inclusive a pele-negra Shulamit
mencionada no Cântico dos Cânticos.
Os judeus sempre se definiram em termos religiosos, étnico-nacionais
e, às vezes, em condições lingüísticas, mas nunca em termos de linhas
raciais. Se todos os judeus ashkenazim fossem realmente
khazares convertidos, como alegam os anti-sionistas racistas, eles não
seriam legitimamente menos judeus e, como tal, teriam os mesmos
direitos de reivindicação da pátria judaica como qualquer outro grupo
de judeus. (De acordo com a deferência judaica tradicional aos
convertidos íntegros, talvez mais ainda).
Pseudo-história e bobagens
Os detalhes evidentes da teoria dos khazares relativos ao judaísmo
europeu são simplesmente pseudo-história e bobagens excêntricas.
Os judeus já habitavam a Europa um milênio antes do reino Khazar ter
sido formado. Não há nenhum registro genético ou indicadores de
qualquer natureza mostrando que os judeus ashkenazim sejam
descendentes de tribos de línguas túrquicas. Na realidade, existem
consideráveis evidências genéticas mostrando que os judeus europeus
estão mais próximos dos levantinos e dos árabes sírios que de asiáticos
centrais.
Depois das invasões mongóis a maioria do khazares provavelmente
assimilou-se nas comunidades judaicas do Irã e do Iraque que, é claro,
em conseqüência, emergiram como importantes centros sefaraditas (sefaradim),
formados principalmente por judeus com características étnicas
semitas, descendentes dos judeus migrantes e exilados da Terra de
Israel. Em todo caso, há mais judeus sefaraditas “semitas” em Israel
hoje que judeus ashkenazim europeus. E se os khazares se pareciam com os povos túrquicos da Ásia, como eles poderiam dar aos judeus ashkenazim uma aparência européia?
Há outros problemas. Se todos os judeus ashkenazim são descendentes dos khazares convertidos, por que há Cohens e Levis entre eles? A pessoa herda o status
de Cohen (sacerdote) ou Levita de seu pai. Descendentes de convertidos
pela linhagem masculina nunca podem ser um Cohen ou um Levi.
E por que não há nenhum sobrenome khazar entre os ashkenazim, ou nomes khazares em cidades da Europa onde os judeus viveram? E o que fez a maioria das comunidades de ashkenazim falarem variações do iídiche no lugar de línguas túrquicas?
Como já mencionado, a popularidade do mito dos khazares entre os
anti-semitas representa um retorno do moderno fanatismo antijudaico ao
racismo dos anos 1930 e de antes ainda.
Quase todo site da internet anti-semita ou
neonazista denuncia sionistas e israelenses como "khazares". As listas
de discussão na internet, nas quais judeus que defendem Israel são
retirados como "usurpadores de Khazar" são muito numerosas para
contagem.
O racismo mais uma vez em voga afirma que os judeus só
teriam reivindicações legítimas de direito à autodeterminação em sua
pátria se eles fossem adequadamente semitas de um ponto de vista
racial. A Palestina faz parte do lebensraum* racial semita e
aqueles que não possuem as corretas marcas raciais de pureza não têm
nada que fazer lá. Pureza racial, de repente, é a nova base para
direitos nacionais.
Descobri uma grande quantidade de sites
neonazistas na internet que afirmam que "sionistas khazares" realmente
estavam por trás dos ataques de 9/11. Encontrei milhares de sites na Web
sustentando que "judeus embusteiros de Khazar" fazem parte de uma liga
conspiratória com maçons, com o Vaticano, com os Illuminati e outros,
para controlar o mundo.
Os que acreditam na conspiração de Khazar estão se tornando mais abundantes a cada dia; um amplamente citado website
da Ku Klux Klan assegura que o evangelista pró-Israel Pat Robertson é
na verdade um judeu khazar. Os neonazistas da American Patriots Friends
Network (Rede de Amigos dos Patriotas Americanos) declaram que os
próprios khazares são descendentes da raça de Magog e secretamente
controlam a América.
Se levarmos em conta o argumento racista à sua
conclusão lógica, os árabes palestinos têm o direito de exercitar todas
as suas reivindicações sobre a soberania em Israel devido a serem eles
os verdadeiros judeus raciais, enquanto os sionistas são khazares
não-judeus, impostores étnicos e usurpadores.
Para tornar as coisas até mais bobas ainda, os próprios
árabes são, é claro, uma mistura de grupos raciais, com um componente
caucasiano particularmente grande graças à miscigenação árabe com
espanhóis e italianos, bérberes caucasianos, vândalos, góticos, e até
mesmo alguns vikings.
A deslegitimação racista do Sionismo como "imperialismo
Khazar" é um golpe dentro da teoria do mesmo hospício de que "Jesus
era palestino" ou a conversa de que todos os verdadeiros judeus (do
ponto de vista racial) se converteram ao Islã depois da conquista árabe
da Palestina no século 7 e assim se tornaram os árabes palestinos.
Qualquer pessoa pode também encontrar incontáveis sites na internet afirmando essas coisas.
Nota:
Lebensraum — Em alemão Espaço vital. Na
geografia política, o conceito de espaço vital foi concebido por
Friedrich Ratzel, que propôs uma Antropogeografia, como um ramo da
geografia humana, como o espaço de vida dos grupamento humanos. O
conceito foi mais tarde usado pelos nazistas para justificar a expansão
territorial do povo alemão, não apenas na restauração das fronteiras
de 1914, mas também a conquista da Europa Oriental.
* Steven Plaut é jornalista, colunista da Jewish Press e professor da Universidade Haifa, em Israel.
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