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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Professor catarinense condenado por anti-semitismo e racismo em 2008

Processo: Apelação Criminal nº 2008.030302-7
Relator: Torres Marques
Data: 16/10/2008
Apelação Criminal n. 2008.030302-7, de Lages
Relator: Des. Torres Marques
APELAÇÃO CRIMINAL. PRECONCEITO DE RAÇA, COR, ETNIA, RELIGIÃO OU PROCEDÊNCIA NACIONAL. LEI N. 7.716/89.
RECURSO DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO. VEICULAÇÃO POR MEIO DA INTERNET DE ARTIGOS, SÍMBOLOS E TRANSCRIÇÕES DE LIVROS RELATIVOS AO NAZISMO. AGENTE QUE DISCRIMINOU, INDUZIU E INCITOU O ANTI-SEMITISMO E O RACISMO CONTRA A COMUNIDADE JUDAICA. APOLOGIA AO REGIME NAZISTA CARACTERIZADA. AUTORIA E MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO.
APELO DA ACUSAÇÃO. PLEITO DE AUMENTO DA PENA-BASE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS NEGATIVAS PARA MAJORÁ-LA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA. PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. UNICIDADE DE CONDUTAS. MANUTENÇÃO DO TRATAMENTO JURÍDICO DE CRIME ÚNICO.
RECURSOS DESPROVIDOS.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n. 2008.030302-7, da comarca de Lages (1ª Vara Criminal), em que é são apelantes e apelados Vonei Perin Della Giustina e a Justiça, por seu Promotor:
ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer de ambos os recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Perante o juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Lages, o representante do Ministério Público ofereceu denúncia contra Volnei Perin Della Giustina, dando-o como incurso nas sanções dos art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89, na forma do art. 71 do Código Penal, pois segundo narra a exordial acusatória:
"[...] Em datas que serão melhor esclarecidas no decorrer da instrução criminal, neste município e comarca, o denunciado VOLNEI PERIN DELLA GIUSTINA, professor no colégio CIS, pediu auxílio ao seu aluno, o então adolescente F. R. D., para a criação de uma página eletrônica para abrigar alguns textos.
"O denunciado foi atendido por F., que criou o site denominado www.revisãohistorica.kit.net, bem como a parte visual, inserindo os primeiros textos a pedido de VOLNEI PERIN DELLA GIUSTINA, passando o referido site ao seu controle e manutenção do mesmo logo após a criação.
"Posteriormente, o denunciado, de forma continuada, por alguns meses, inseriu vários textos e relatos com a vontade livre e consciente de incitar, discriminar e menosprezar àqueles que integram a comunidade judaica.
"Entre os textos preconceituosos e com o intuito de denegrir a imagem dos judeus inseridos pelo denunciado, podem ser citados os seguintes títulos: 'Esclarecimento' (fls. 06 e 07); 'Trechos do Livro Sagrado Dos Judeus' (fls. 46-55); 'Sionismo: A história de um fanatismo' (fls. 72-73); 'Desmascararemos ao Judeu e ao Lixo do Talmud' (fl. 74).
"Vale mencionar um pequeno trecho do texto de esclarecimento escrito pelo próprio denunciado, o qual faz clara menção discriminatória aos judeus, nos seguintes termos:
"[...] 'As personalidades mundiais em diferentes tempos já alertaram do perigo judaico. O maior líder que a raça humana pôde produzir logo após Jesus Cristo; Adolf Hitler trabalhou muito bem a questão judaica (que foi totalmente deturpada). O povo judeu sem dúvida possui geneticamente no seu 'ser' características intrínsecas de ser altamente egoísta, e devido a sua longa experiência nos milênios onde se infiltrou nas várias raças que o acolheram possui a fama de sempre levar vantagem em tudo" (grifei). (fl. 07)
"Impende ressaltar que o denunciado inclusive veiculou o texto 'Especial Sobre Armas de Treino' (fls. 77-78), o qual faz apologia e dá orientações sobre uma guerra racial:
"'Caros camaradas, com o avançar dos tempos a nossa luta, com toda a certeza, originará uma guerra. Não uma guerra convencional, mas sim, uma guerra racial!' (grifei) [...]
"De modo geral, os textos presentes no site poderiam ser vistos por um número indeterminado de pessoas, como se pode verificar às fls. 06, 97 e 98 dos autos, que demonstram que até a data 23/07/2003, a página da Internet www.revisãohistorica.kit.net havia sido visitada por 770 (setecentos e setenta) pessoas, uma vez que estava presente em um meio de comunicação, a rede mundial de computadores.
" Ademais, na parte visual do site em vários momentos se pode constatar a veiculação de símbolos que fazem meação ao regime nazista.
"À fl. 05 verifica-se uma foto com 5 (cinco) soldados fazendo reverência a uma bandeira com a cruz suástica. Abaixo de tal fato pode-se ler o seguinte: "Ao amanhecer de manhã encontraremos um estado nacionalsocialista ou nossos cadáveres', Adolf Hitler.
"Posteriormente, à fl. 06, no canto superior direito da página ao lado do titulo 'REVISÃO HISTÓRICA' vê-se a cruz suástica.
"À fl .07 está veiculada foto de um desfile nazista, com vários soldados carregando hastes com a cruz suástica no sentido vertical, abaixo lê-se: '... milhões de nacionalsocialistas em todo o mundo vibram com nossa idéia e estão de nosso lado. Chegará o momento em que venceremos'. 'ADOLF HITLER'.
"Além disso, o símbolo representativo da cruz suástica repete-se constantemente em várias páginas dos autos:
"1. À fl. 09, com o titulo 'Judaísmo e Sionismo', no lado esquerdo, repetidamente 21 (vinte e um) símbolos no sentido vertical.
"2. Da mesma forma à fl. 76 , com título 'Guerras Mundiais', 12 (doze) símbolos verticalmente no lado esquerdo.
"3. À fl. 89, com o título 'Holocausto', 11 (onze) símbolos verticalmente no lado esquerdo.
"4. À fl. 90, 'Capitalismo e Comunismo', 3 (três) símbolos no lado esquerdo, sentido vertical.
"5. À fl. 91, com o título 'História Revisionista do Brasil', 11 (onze) símbolos no lado esquerdo e sentido vertical.
"6. À fl. 92, 'Miscelâneas', 19 (dezenove) símbolos, lado esquerdo no sentido vertical.
"7. À fl. 93, 'Educacionais', 2 (dois) símbolos, lado esquerdo no sentido vertical.
"8. À fl. 94, 'Grandes Personagens', 18 (dezoito) símbolos, lado esquerdo, sentido vertical.
"9. À fl. 95, 'Fascismo e Nacional Socialismos', 23 (vinte e três) símbolos, lado esquerdo, sentido vertical.
"10. Mais uma vez às fls. 97, 98, a cruz suástica se faz presente no canto superior direito da página eletrônica, ao lado do título 'REVISÃO HISTÓRICA' e logo abaixo repetidamente 6 (seis) vezes verticalmente.
"Vale ressaltar ainda sobre as bandeiras veiculadas às fls. 85, 86 e 87, todas fazendo alusão ao nazismo:
"1) Bandeira da Kriegsmarine (fl. 85) (na verdade bandeira da Gestapo, polícia política de Hitler);
"2) Bandeira negra com as runas da SS no centro e o totemkopf no canto superior esquerdo. (fl. 85) (símbolo nazista que representava a Schutzstaffel (SS), a força policial nazista);
"3) Bandeira estandarte com a Suástica em sua posição vertical. (fl. 85) (símbolo do regime nazista, hoje é amplamente usada em várias versões por neo-nazistas, skinheads, racistas e outros grupos supremacistas brancos);
"4) Bandeira de combate da marinha imperial alemã (fl. 86);
"5) Bandeira céltica de fundo negro. (fl. 86) (é um do símbolos mais populares usados por neo-nazistas e supremacistas brancos);
"6) Bandeira céltica de fundo vermelho. (fl. 87);
"7) Bandeira da Gestapo (fl. 87) (na verdade Bandeira da Kriedsmarine, marinha da Alemanha entre 1935 e 1945, durante o regime Nazista);
"8) Bandeira negra com as runas da SS. (fl. 87) (símbolo nazista que representava a Schutzstaffel (SS), a força policial de Heinrich Himmler, cujos membros iam desde agentes da Gestapo a soldados da Waffen SS e até a guardas dos campos de concentração e extermínio.)
"9) Bandeira de combate da SS com a totemklopf no centro (fl. 87)
"Com esta conduta, o denunciado VOLNEI PERIN DELLA GIUSTINA por livre e espontânea vontade, de forma preconceituosa e continuada, induziu à discriminação, incitou ao ódio e discriminou todos aqueles de origem judaica ou praticantes do judaísmo, veiculando inclusive a cruz suástica ou gamada e outros símbolos para fins de divulgação do regime nazista, tudo por intermédio de um meio de comunicação (Internet)".
Encerrada a instrução, a denúncia foi julgada procedente para condenar Volnei Perin Della Giustina à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no mínimo legal, por infração aos art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89.
Irresignado, o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 323). Nas razões (fls. 324/335) aduziu que a pena fixada ao apelado não observou as circunstâncias judiciais do art. 59 do CP e não fez incidir a continuidade delitiva no crime em apreço, na forma do art. 71 do CP.
Em sede de contra-razões (fls. 344/346), o acusado refutou as alegações do Ministério Público, pugnando pela manutenção da sentença.
O réu, por sua vez, no prazo legal interpôs recurso de apelação (fls. 348/352), requerendo a absolvição ao argumento de que inexistem provas contundentes para a manutenção do édito condenatório, razão pela qual invocou o princípio in dubio pro reo.
Ofertadas as contra-razões pelo Parquet (fls. 354/365), ascenderam os autos a esta egrégia Corte, opinando a Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento parcial tão-somente do recurso da acusação (fls. 370/374).
VOTO
Trata-se de apelações criminais interpostas pela acusação e pela defesa contra a sentença que condenou Volnei Perin Della Giustina pela prática do delito de discriminação racial (art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89)
Passa-se à análise do recurso defensivo, uma vez que eventual absolvição de Volnei Perin Della Giustina prejudicaria a apreciação do recurso do Ministério Público.
1. Recurso de Defesa:
A materialidade do crime previsto na Lei n. 7.716/89 restou comprovada no Inquérito Policial n. 024/2003, realizado pelo Grupo de Repressão e Análise aos Delitos de Intolerância - GRADI, no qual constam cópias de textos e fotografias retiradas do endereço eletrônico www.revisaohistorica.kit.net., que evidenciam que esse sítio veiculava informações de cunho discriminatório e racista em face da comunidade judaica, praticando, induzindo e incitando a discriminação e o preconceito contra a comunidade citada.
A Internet, segundo pesquisa recente (http://www.Internetworldstats.com/stats.Htm acesso em 15/7/2008, às 11:40 horas), é utilizada por quase 1 (um) bilhão e meio de pessoas, que têm acesso aos serviços da rede mundial de computadores em todas as regiões do planeta. Isso significa que aproximadamente 21,1% da população pode visualizar informações veiculadas na Internet, como o endereço eletrônico inserido pelo acusado Volnei Perin Della Giustina.
A conduta a ele imputada, descrita no art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89, possui como preceitos primário e secundário:
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
"Pena: reclusão de um a três anos e multa.
"§ 1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou gamada, para fins de divulgação do nazismo.
"Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
"§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
"Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa".
Apesar das atrocidades determinadas por Adolf Hitler contra etnias em que julgava inferiores, em nome do nazismo, não se pode olvidar que esses fatos, ainda que aterrorizantes, compõem parte da história da humanidade, a qual devemos sempre recordar para que nunca mais voltem a se repetir. Os símbolos, fotografias e textos nazistas são então utilizados e divulgados nos mais variados meios de comunicação sem que isso seja considerado crime, uma vez que se tratam de fontes históricas, que podem ser usados para os mais variados fins, salvo àqueles que envolvem a apologia ao nazismo, vedados pela lei citada.
Analisando o contexto em que foram inseridos tais símbolos, fotos e textos no sítio constituído pelo réu na Internet, vislumbra-se que foram utilizados, sim, com cunho discriminatório e anti-semita em face da comunidade judaica. Assim, não pairam dúvidas de que ao veicular essas informações em um meio de comunicação social aberto (publicação via Internet) a toda a população mundial, incidiu o agente no crime em análise.
Este foi o entendimento do magistrado prolator da sentença, Geraldo Côrrea Bastos, que se passa a reproduzir:
"[...] O interesse do acusado em avançar o seu conhecimento sobre o conteúdo ideológico nazista, como se denota pelas inserções do material de natureza apológica, repassa seu considerável grau de simpatia pela causa nazista, seus idealizadores e fiéis seguidores.
"Como foi dito alhures, não se veda a um cidadão (e assim está garantido na Constituição Federal), a sua convicção sobre determinada ideologia política (CF. art. 5º, VIII). Em verdade, o que se procura, mediante uma legislação específica e rigorosa, é combater a propagação de preconceitos, discriminações, que se mostram potencialmente nocivas ao convívio social, cuja disseminação tende a provocar o mesmo efeito deletério de uma célula cancerosa no organismo vivo [...]" (fl. 312).
A descoberta de que as veiculações contra o povo judeu eram de autoria do ora apelante deveu-se ao trabalho desenvolvido pela Polícia Civil do Estado de São Paulo, especialmente do Grupo de Repressão e Análise dos Delitos de Intolerância. Por meio do Inquérito Policial acostado aos presentes (fls. 8/229) e dos interrogatórios do acusado (fls. 248/249 e 260/262), restou inconteste que foi de Volnei Perin Della Giustina a idéia de criar e de posteriormente desenvolver, manter e atualizar o endereço eletrônico. Do interrogatório em sede policial, extrai-se:
"[...] QUE, em conversa com F., soube que o rapaz trabalhava com internet, quando então propôs a criação de uma página para abrigar alguns relatos históricos; QUE, então F. criou a página com o endereço 'www.revisaohistorica.kit.net.'; QUE, a manutenção, posteriormente, passou a ser realizada pelo declarante, mais especificamente a introdução de textos na página; QUE, com relação ao conteúdo existente nas folhas 07, 72 e 74, esclarece que foram textos retirados de um site espanhol, traduzidos para o português pelo próprio declarante; QUE, o declarante era o responsável pelo website, bem como por sua atualização [...]" (fls. 248/249).
O depoimento do réu em juízo confirma a autoria, apesar da escusa deste na tentativa de explicar o objetivo da criação do sítio na rede mundial de computadores, vejamos:
"[...] Que o objetivo do interrogando era criar uma página histórica, fazendo a revisão sob aquilo que o interrogando leu e que no seu entender ficaram obscuros ou eram contraditórios referentes a 2ª Guerra Mundial; que na página o interrogando tinha uma parte de esclarecimentos que eram as conclusões do interrogando referentes aos livros que lia a respeito do assunto; que para fazer os esclarecimentos, o interrogando se viu obrigado a colocar as bandeiras nazistas e os demais símbolos citados na denúncia porquanto faziam parte da história da época; que em nenhum momento o interrogando procurou produzir uma página discriminatória ou menos incitar o ódio, sendo o seu objetivo meramente histórico; que o interrogando é professor de física e química, que são ciências exatas, porém a história deixa muitas lacunas e o interrogando pretendia com sua página na internet, após a leitura dos livros, dar a sua visão sob a história; que seu aluno F. fez somente a criação da página cabendo os textos e a alimentação ao interrogando; que no inicio o site não teve acesso nenhum, e o interrogando só colocava textos, por isso contesta as 770 visitações descritas na denúncia; que tirando a parte de esclarecimento que foi feita pelo próprio interrogando o restante do site, ou seja, mais de 90% são traduções de livros espanhóis; que na Espanha esses sites revisionistas são bastante difundidos e há muitos livros em castelhano, sob as versões da história desta época; que o interrogando baseou parte de seu site no site www.libreopinion.com. Espanhol, que dá uma outra versão ou seja, a versão dos derrotados sob a Segunda Guerra [...]".
Os textos colacionados aos autos denotam que o conteúdo inserido na página eletrônica não constitui uma revisão histórica dos acontecimentos da Segunda Guerra Mundial com o escopo de demonstrar uma visão diferente dos acontecimentos ocorridos àquela época, mas divulga textos com conotação discriminatória, deprecia toda a comunidade judaica, e não se limita apenas aos fatos ocorridos entre 1939-1945 (Segunda Guerra Mundial). O próprio acusado em juízo afirmou que não foram feitas só traduções literais de obras originalmente escritas em línguas estrangeiras, mas que a parte denominada "esclarecimento" foi feita por ele, externando, conforme transcrito na denúncia, idéias e entendimentos com enfoque negativo aos judeus, o que comprova o seu propósito discriminatório.
Sobre o tema, de forma análoga, o Supremo Tribunal Federal, em precedente da relatoria do Ministro Moreira Alves, bem discutiu o assunto:
"HABEAS-CORPUS. PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL. CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO. LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar livros 'fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias' contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2. Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade. Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência. Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele, formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do nacional-socialismo de que os judeus e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior, nefasta e infecta, características suficientes para justificar a segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo, sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, 'negrofobia', 'islamafobia' e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988 impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência. Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos, antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas, políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto, consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus, que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos. O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência, manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito fundamental de liberdade de expressão não consagra o 'direito à incitação ao racismo', dado que um direito individual não pode constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. 'Existe um nexo estreito entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos, triunfo da lembrança sobre o esquecimento'. No estado de direito democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã, para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada" (HC 82424-RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 17/9/2003).
Comprovada a materialidade do crime em tela e a autoria pelo acusado, mantém-se a condenação.
2. Recurso de acusação:
O representante do Ministério Público almeja o aumento da pena acima mínimo legal, sob o argumento de que o magistrado não analisou detidamente as circunstâncias judicias do art. 59 do Código Penal, bem como não reconheceu a continuidade delitiva do art. 71, também do Código Penal.
Examinando a sentença depreende-se que de fato o juiz não apreciou detidamente cada uma das circunstâncias judiciais, aplicando a pena no mínimo legal. Esse fato não acarreta qualquer nulidade, por ser suprível nesta Corte, pelo que se passa ao reexame da dosimetria da pena.
Verifica-se que a culpabilidade do réu é normal à espécie. Poderia-se aduzir que na condição de professor, que exerce as suas funções em instituição de ensino na cidade de Lages, ele poderia influenciar negativamente os educandos. Entretanto, não consta nos autos qualquer informação nesse sentido.
O acusado não possui antecedentes criminais. No que tange à conduta social e à personalidade, não há nos autos elementos suficientes para avaliá-los. Os motivos são inerentes ao tipo penal. Da mesma forma, as circunstâncias e conseqüências do crime não se afastaram daquelas típicas do delito perpetrado, inexistindo também comportamento da vítima capaz de influir no resultado, razões pelas quais mantém-se a estipulação da pena-base no mínimo legal.
No tocante ao pretendido reconhecimento do crime continuado, bem analisou o magistrado na sentença:
"[...] No que tange à aventada continuidade delitiva, melhor sorte não socorre ao nobre representante do parquet, uma vez que os fatos descritos na preambular acusatória e imputados ao réu, não passaram de uma unicidade de conduta.
"Assim, deixo de reconhecer a forma da continuidade delitiva, prevista no artigo 71 do Código Penal, por entendê-la como elemento constitutivo do tipo central, praticar, induzir, incitar [...], que tem a exigir uma constância de condutas a implicar numa potencialidade danosa que a lei procura coibir [...]" (fl. 314).
Destarte, sendo as circunstâncias do art. 59 do CP favoráveis ao réu e não sendo caso de aplicação da continuidade delitiva, não merece reparo a sentença condenatória.
Por fim, acrescenta-se que o acusado já foi beneficiado de sobremaneira no presente feito, uma vez que por exercer função pública (professor em colégio estadual) estaria sujeito à perda do cargo, por força do art. 16 da Lei n. 7.716/89, mas como não houve recurso do Ministério Público nesse ponto, a questão não pode ser corrigida nessa sede.
DECISÃO
Ante o exposto, conhece-se de ambos os recursos e nega-se-lhes provimento.
Participaram do julgamento, realizado no dia 29 de julho de 2008, os Exmos. Srs. Des. Alexandre d'Ivanenko e Moacyr de Moraes Lima Filho. Lavrou parecer, pela Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Raul Schaefer Filho.
Florianópolis, 5 de setembro de 2008.
Torres Marques
PRESIDENTE E Relator

Gabinete Des. Torres Marques

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