Processo: | Apelação Criminal nº 2008.030302-7 |
Relator: | Torres Marques |
Data: | 16/10/2008 |
Apelação Criminal n. 2008.030302-7, de Lages
Relator: Des. Torres Marques
APELAÇÃO CRIMINAL. PRECONCEITO DE RAÇA, COR, ETNIA, RELIGIÃO OU PROCEDÊNCIA NACIONAL. LEI N. 7.716/89.
RECURSO
DEFENSIVO PRETENDENDO A ABSOLVIÇÃO. VEICULAÇÃO POR MEIO DA INTERNET DE
ARTIGOS, SÍMBOLOS E TRANSCRIÇÕES DE LIVROS RELATIVOS AO NAZISMO. AGENTE
QUE DISCRIMINOU, INDUZIU E INCITOU O ANTI-SEMITISMO E O RACISMO CONTRA A
COMUNIDADE JUDAICA. APOLOGIA AO REGIME NAZISTA CARACTERIZADA. AUTORIA E
MATERIALIDADE DEMONSTRADAS. MANUTENÇÃO DO ÉDITO CONDENATÓRIO.
APELO
DA ACUSAÇÃO. PLEITO DE AUMENTO DA PENA-BASE. AUSÊNCIA DE CIRCUNSTÂNCIAS
JUDICIAIS NEGATIVAS PARA MAJORÁ-LA NA PRIMEIRA FASE DA DOSIMETRIA.
PRETENDIDA APLICAÇÃO DA CONTINUIDADE DELITIVA. UNICIDADE DE CONDUTAS.
MANUTENÇÃO DO TRATAMENTO JURÍDICO DE CRIME ÚNICO.
RECURSOS DESPROVIDOS.
Vistos,
relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal n.
2008.030302-7, da comarca de Lages (1ª Vara Criminal), em que é são
apelantes e apelados Vonei Perin Della Giustina e a Justiça, por seu
Promotor:
ACORDAM, em Terceira Câmara Criminal, por votação unânime, conhecer de ambos os recursos e negar-lhes provimento. Custas legais.
RELATÓRIO
Perante
o juízo da 1ª Vara Criminal da comarca de Lages, o representante do
Ministério Público ofereceu denúncia contra Volnei Perin Della Giustina,
dando-o como incurso nas sanções dos art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n.
7.716/89, na forma do art. 71 do Código Penal, pois segundo narra a
exordial acusatória:
"[...] Em datas que serão
melhor esclarecidas no decorrer da instrução criminal, neste município e
comarca, o denunciado VOLNEI PERIN DELLA GIUSTINA, professor no colégio
CIS, pediu auxílio ao seu aluno, o então adolescente F. R. D., para a
criação de uma página eletrônica para abrigar alguns textos.
"O
denunciado foi atendido por F., que criou o site denominado
www.revisãohistorica.kit.net, bem como a parte visual, inserindo os
primeiros textos a pedido de VOLNEI PERIN DELLA GIUSTINA, passando o
referido site ao seu controle e manutenção do mesmo logo após a criação.
"Posteriormente,
o denunciado, de forma continuada, por alguns meses, inseriu vários
textos e relatos com a vontade livre e consciente de incitar,
discriminar e menosprezar àqueles que integram a comunidade judaica.
"Entre os textos preconceituosos e com o intuito de denegrir a imagem dos judeus
inseridos pelo denunciado, podem ser citados os seguintes títulos:
'Esclarecimento' (fls. 06 e 07); 'Trechos do Livro Sagrado Dos Judeus' (fls. 46-55); 'Sionismo: A história de um fanatismo' (fls. 72-73); 'Desmascararemos ao Judeu e ao Lixo do Talmud' (fl. 74).
"Vale
mencionar um pequeno trecho do texto de esclarecimento escrito pelo
próprio denunciado, o qual faz clara menção discriminatória aos judeus, nos seguintes termos:
"[...]
'As personalidades mundiais em diferentes tempos já alertaram do perigo
judaico. O maior líder que a raça humana pôde produzir logo após Jesus
Cristo; Adolf Hitler trabalhou muito bem a questão judaica (que foi
totalmente deturpada). O povo judeu sem dúvida possui geneticamente
no seu 'ser' características intrínsecas de ser altamente egoísta, e
devido a sua longa experiência nos milênios onde se infiltrou nas várias
raças que o acolheram possui a fama de sempre levar vantagem em tudo" (grifei). (fl. 07)
"Impende
ressaltar que o denunciado inclusive veiculou o texto 'Especial Sobre
Armas de Treino' (fls. 77-78), o qual faz apologia e dá orientações
sobre uma guerra racial:
"'Caros camaradas, com o
avançar dos tempos a nossa luta, com toda a certeza, originará uma
guerra. Não uma guerra convencional, mas sim, uma guerra racial!' (grifei) [...]
"De modo geral, os textos presentes no site
poderiam ser vistos por um número indeterminado de pessoas, como se
pode verificar às fls. 06, 97 e 98 dos autos, que demonstram que até a
data 23/07/2003, a página da Internet www.revisãohistorica.kit.net
havia sido visitada por 770 (setecentos e setenta) pessoas, uma vez que
estava presente em um meio de comunicação, a rede mundial de
computadores.
" Ademais, na parte visual do site em vários momentos se pode constatar a veiculação de símbolos que fazem meação ao regime nazista.
"À
fl. 05 verifica-se uma foto com 5 (cinco) soldados fazendo reverência a
uma bandeira com a cruz suástica. Abaixo de tal fato pode-se ler o
seguinte: "Ao amanhecer de manhã encontraremos um estado nacionalsocialista ou nossos cadáveres', Adolf Hitler.
"Posteriormente, à fl. 06, no canto superior direito da página ao lado do titulo 'REVISÃO HISTÓRICA' vê-se a cruz suástica.
"À
fl .07 está veiculada foto de um desfile nazista, com vários soldados
carregando hastes com a cruz suástica no sentido vertical, abaixo lê-se:
'... milhões de nacionalsocialistas em todo o mundo vibram com nossa
idéia e estão de nosso lado. Chegará o momento em que venceremos'.
'ADOLF HITLER'.
"Além disso, o símbolo representativo da cruz suástica repete-se constantemente em várias páginas dos autos:
"1. À fl. 09, com o titulo 'Judaísmo e Sionismo', no lado esquerdo, repetidamente 21 (vinte e um) símbolos no sentido vertical.
"2. Da mesma forma à fl. 76 , com título 'Guerras Mundiais', 12 (doze) símbolos verticalmente no lado esquerdo.
"3. À fl. 89, com o título 'Holocausto', 11 (onze) símbolos verticalmente no lado esquerdo.
"4. À fl. 90, 'Capitalismo e Comunismo', 3 (três) símbolos no lado esquerdo, sentido vertical.
"5. À fl. 91, com o título 'História Revisionista do Brasil', 11 (onze) símbolos no lado esquerdo e sentido vertical.
"6. À fl. 92, 'Miscelâneas', 19 (dezenove) símbolos, lado esquerdo no sentido vertical.
"7. À fl. 93, 'Educacionais', 2 (dois) símbolos, lado esquerdo no sentido vertical.
"8. À fl. 94, 'Grandes Personagens', 18 (dezoito) símbolos, lado esquerdo, sentido vertical.
"9. À fl. 95, 'Fascismo e Nacional Socialismos', 23 (vinte e três) símbolos, lado esquerdo, sentido vertical.
"10.
Mais uma vez às fls. 97, 98, a cruz suástica se faz presente no canto
superior direito da página eletrônica, ao lado do título 'REVISÃO
HISTÓRICA' e logo abaixo repetidamente 6 (seis) vezes verticalmente.
"Vale ressaltar ainda sobre as bandeiras veiculadas às fls. 85, 86 e 87, todas fazendo alusão ao nazismo:
"1) Bandeira da Kriegsmarine (fl. 85) (na verdade bandeira da Gestapo, polícia política de Hitler);
"2) Bandeira negra com as runas da SS no centro e o totemkopf no canto superior esquerdo. (fl. 85) (símbolo nazista que representava a Schutzstaffel (SS), a força policial nazista);
"3) Bandeira estandarte com a Suástica em sua posição vertical. (fl. 85) (símbolo
do regime nazista, hoje é amplamente usada em várias versões por
neo-nazistas, skinheads, racistas e outros grupos supremacistas brancos);
"4) Bandeira de combate da marinha imperial alemã (fl. 86);
"5) Bandeira céltica de fundo negro. (fl. 86) (é um do símbolos mais populares usados por neo-nazistas e supremacistas brancos);
"6) Bandeira céltica de fundo vermelho. (fl. 87);
"7) Bandeira da Gestapo (fl. 87) (na verdade Bandeira da Kriedsmarine, marinha da Alemanha entre 1935 e 1945, durante o regime Nazista);
"8) Bandeira negra com as runas da SS. (fl. 87) (símbolo
nazista que representava a Schutzstaffel (SS), a força policial de
Heinrich Himmler, cujos membros iam desde agentes da Gestapo a soldados
da Waffen SS e até a guardas dos campos de concentração e extermínio.)
"9) Bandeira de combate da SS com a totemklopf no centro (fl. 87)
"Com
esta conduta, o denunciado VOLNEI PERIN DELLA GIUSTINA por livre e
espontânea vontade, de forma preconceituosa e continuada, induziu à
discriminação, incitou ao ódio e discriminou todos aqueles de origem
judaica ou praticantes do judaísmo, veiculando inclusive a cruz suástica
ou gamada e outros símbolos para fins de divulgação do regime nazista,
tudo por intermédio de um meio de comunicação (Internet)".
Encerrada
a instrução, a denúncia foi julgada procedente para condenar Volnei
Perin Della Giustina à pena de 2 (dois) anos de reclusão, em regime
aberto, e ao pagamento de 10 (dez) dias-multa, no mínimo legal, por
infração aos art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89.
Irresignado,
o Ministério Público interpôs recurso de apelação (fl. 323). Nas razões
(fls. 324/335) aduziu que a pena fixada ao apelado não observou as
circunstâncias judiciais do art. 59 do CP e não fez incidir a
continuidade delitiva no crime em apreço, na forma do art. 71 do CP.
Em
sede de contra-razões (fls. 344/346), o acusado refutou as alegações do
Ministério Público, pugnando pela manutenção da sentença.
O
réu, por sua vez, no prazo legal interpôs recurso de apelação (fls.
348/352), requerendo a absolvição ao argumento de que inexistem provas
contundentes para a manutenção do édito condenatório, razão pela qual
invocou o princípio in dubio pro reo.
Ofertadas as contra-razões pelo Parquet
(fls. 354/365), ascenderam os autos a esta egrégia Corte, opinando a
Procuradoria Geral de Justiça pelo provimento parcial tão-somente do
recurso da acusação (fls. 370/374).
VOTO
Trata-se
de apelações criminais interpostas pela acusação e pela defesa contra a
sentença que condenou Volnei Perin Della Giustina pela prática do
delito de discriminação racial (art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89)
Passa-se
à análise do recurso defensivo, uma vez que eventual absolvição de
Volnei Perin Della Giustina prejudicaria a apreciação do recurso do
Ministério Público.
1. Recurso de Defesa:
A
materialidade do crime previsto na Lei n. 7.716/89 restou comprovada no
Inquérito Policial n. 024/2003, realizado pelo Grupo de Repressão e
Análise aos Delitos de Intolerância - GRADI, no qual constam cópias de
textos e fotografias retiradas do endereço eletrônico
www.revisaohistorica.kit.net., que evidenciam que esse sítio veiculava
informações de cunho discriminatório e racista em face da comunidade
judaica, praticando, induzindo e incitando a discriminação e o
preconceito contra a comunidade citada.
A
Internet, segundo pesquisa recente
(http://www.Internetworldstats.com/stats.Htm acesso em 15/7/2008, às
11:40 horas), é utilizada por quase 1 (um) bilhão e meio de pessoas, que
têm acesso aos serviços da rede mundial de computadores em todas as
regiões do planeta. Isso significa que aproximadamente 21,1% da
população pode visualizar informações veiculadas na Internet, como o
endereço eletrônico inserido pelo acusado Volnei Perin Della Giustina.
A conduta a ele imputada, descrita no art. 20, §§ 1º e 2º, da Lei n. 7.716/89, possui como preceitos primário e secundário:
"Art. 20. Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
"Pena: reclusão de um a três anos e multa.
"§
1º Fabricar, comercializar, distribuir ou veicular símbolos, emblemas,
ornamentos, distintivos ou propaganda que utilizem a cruz suástica ou
gamada, para fins de divulgação do nazismo.
"Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa.
"§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput é cometido por intermédio dos meios de comunicação social ou publicação de qualquer natureza:
"Pena: reclusão de dois a cinco anos e multa".
Apesar
das atrocidades determinadas por Adolf Hitler contra etnias em que
julgava inferiores, em nome do nazismo, não se pode olvidar que esses
fatos, ainda que aterrorizantes, compõem parte da história da
humanidade, a qual devemos sempre recordar para que nunca mais voltem a
se repetir. Os símbolos, fotografias e textos nazistas são então
utilizados e divulgados nos mais variados meios de comunicação sem que
isso seja considerado crime, uma vez que se tratam de fontes históricas,
que podem ser usados para os mais variados fins, salvo àqueles que
envolvem a apologia ao nazismo, vedados pela lei citada.
Analisando
o contexto em que foram inseridos tais símbolos, fotos e textos no
sítio constituído pelo réu na Internet, vislumbra-se que foram
utilizados, sim, com cunho discriminatório e anti-semita em face da
comunidade judaica. Assim, não pairam dúvidas de que ao veicular essas
informações em um meio de comunicação social aberto (publicação via
Internet) a toda a população mundial, incidiu o agente no crime em
análise.
Este foi o entendimento do magistrado prolator da sentença, Geraldo Côrrea Bastos, que se passa a reproduzir:
"[...]
O interesse do acusado em avançar o seu conhecimento sobre o conteúdo
ideológico nazista, como se denota pelas inserções do material de
natureza apológica, repassa seu considerável grau de simpatia pela causa
nazista, seus idealizadores e fiéis seguidores.
"Como
foi dito alhures, não se veda a um cidadão (e assim está garantido na
Constituição Federal), a sua convicção sobre determinada ideologia
política (CF. art. 5º, VIII). Em verdade, o que se procura, mediante uma
legislação específica e rigorosa, é combater a propagação de
preconceitos, discriminações, que se mostram potencialmente nocivas ao
convívio social, cuja disseminação tende a provocar o mesmo efeito
deletério de uma célula cancerosa no organismo vivo [...]" (fl. 312).
A
descoberta de que as veiculações contra o povo judeu eram de autoria do
ora apelante deveu-se ao trabalho desenvolvido pela Polícia Civil do
Estado de São Paulo, especialmente do Grupo de Repressão e Análise dos
Delitos de Intolerância. Por meio do Inquérito Policial acostado aos
presentes (fls. 8/229) e dos interrogatórios do acusado (fls. 248/249 e
260/262), restou inconteste que foi de Volnei Perin Della Giustina a
idéia de criar e de posteriormente desenvolver, manter e atualizar o
endereço eletrônico. Do interrogatório em sede policial, extrai-se:
"[...]
QUE, em conversa com F., soube que o rapaz trabalhava com internet,
quando então propôs a criação de uma página para abrigar alguns relatos
históricos; QUE, então F. criou a página com o endereço
'www.revisaohistorica.kit.net.'; QUE, a manutenção, posteriormente,
passou a ser realizada pelo declarante, mais especificamente a
introdução de textos na página; QUE, com relação ao conteúdo existente
nas folhas 07, 72 e 74, esclarece que foram textos retirados de um site
espanhol, traduzidos para o português pelo próprio declarante; QUE, o
declarante era o responsável pelo website, bem como por sua atualização
[...]" (fls. 248/249).
O depoimento do réu
em juízo confirma a autoria, apesar da escusa deste na tentativa de
explicar o objetivo da criação do sítio na rede mundial de computadores,
vejamos:
"[...] Que o objetivo do
interrogando era criar uma página histórica, fazendo a revisão sob
aquilo que o interrogando leu e que no seu entender ficaram obscuros ou
eram contraditórios referentes a 2ª Guerra Mundial; que na página o
interrogando tinha uma parte de esclarecimentos que eram as conclusões
do interrogando referentes aos livros que lia a respeito do assunto; que
para fazer os esclarecimentos, o interrogando se viu obrigado a colocar
as bandeiras nazistas e os demais símbolos citados na denúncia
porquanto faziam parte da história da época; que em nenhum momento o
interrogando procurou produzir uma página discriminatória ou menos
incitar o ódio, sendo o seu objetivo meramente histórico; que o
interrogando é professor de física e química, que são ciências exatas,
porém a história deixa muitas lacunas e o interrogando pretendia com sua
página na internet, após a leitura dos livros, dar a sua visão sob a
história; que seu aluno F. fez somente a criação da página cabendo os
textos e a alimentação ao interrogando; que no inicio o site não teve
acesso nenhum, e o interrogando só colocava textos, por isso contesta as
770 visitações descritas na denúncia; que tirando a parte de
esclarecimento que foi feita pelo próprio interrogando o restante do
site, ou seja, mais de 90% são traduções de livros espanhóis; que na
Espanha esses sites revisionistas são bastante difundidos e há muitos
livros em castelhano, sob as versões da história desta época; que o
interrogando baseou parte de seu site no site www.libreopinion.com.
Espanhol, que dá uma outra versão ou seja, a versão dos derrotados sob a
Segunda Guerra [...]".
Os textos
colacionados aos autos denotam que o conteúdo inserido na página
eletrônica não constitui uma revisão histórica dos acontecimentos da
Segunda Guerra Mundial com o escopo de demonstrar uma visão diferente
dos acontecimentos ocorridos àquela época, mas divulga textos com
conotação discriminatória, deprecia toda a comunidade judaica, e não se
limita apenas aos fatos ocorridos entre 1939-1945 (Segunda Guerra
Mundial). O próprio acusado em juízo afirmou que não foram feitas só
traduções literais de obras originalmente escritas em línguas
estrangeiras, mas que a parte denominada "esclarecimento" foi feita por
ele, externando, conforme transcrito na denúncia, idéias e entendimentos
com enfoque negativo aos judeus, o que comprova o seu propósito discriminatório.
Sobre
o tema, de forma análoga, o Supremo Tribunal Federal, em precedente da
relatoria do Ministro Moreira Alves, bem discutiu o assunto:
"HABEAS-CORPUS.
PUBLICAÇÃO DE LIVROS: ANTI-SEMITISMO. RACISMO. CRIME IMPRESCRITÍVEL.
CONCEITUAÇÃO. ABRANGÊNCIA CONSTITUCIONAL. LIBERDADE DE EXPRESSÃO.
LIMITES. ORDEM DENEGADA. 1. Escrever, editar, divulgar e comerciar
livros 'fazendo apologia de idéias preconceituosas e discriminatórias'
contra a comunidade judaica (Lei 7716/89, artigo 20, na redação dada
pela Lei 8081/90) constitui crime de racismo sujeito às cláusulas de
inafiançabilidade e imprescritibilidade (CF, artigo 5º, XLII). 2.
Aplicação do princípio da prescritibilidade geral dos crimes: se os judeus
não são uma raça, segue-se que contra eles não pode haver discriminação
capaz de ensejar a exceção constitucional de imprescritibilidade.
Inconsistência da premissa. 3. Raça humana. Subdivisão. Inexistência.
Com a definição e o mapeamento do genoma humano, cientificamente não
existem distinções entre os homens, seja pela segmentação da pele,
formato dos olhos, altura, pêlos ou por quaisquer outras características
físicas, visto que todos se qualificam como espécie humana. Não há
diferenças biológicas entre os seres humanos. Na essência são todos
iguais. 4. Raça e racismo. A divisão dos seres humanos em raças resulta
de um processo de conteúdo meramente político-social. Desse pressuposto
origina-se o racismo que, por sua vez, gera a discriminação e o
preconceito segregacionista. 5. Fundamento do núcleo do pensamento do
nacional-socialismo de que os judeus
e os arianos formam raças distintas. Os primeiros seriam raça inferior,
nefasta e infecta, características suficientes para justificar a
segregação e o extermínio: inconciabilidade com os padrões éticos e
morais definidos na Carta Política do Brasil e do mundo contemporâneo,
sob os quais se ergue e se harmoniza o estado democrático. Estigmas que
por si só evidenciam crime de racismo. Concepção atentatória dos
princípios nos quais se erige e se organiza a sociedade humana, baseada
na respeitabilidade e dignidade do ser humano e de sua pacífica
convivência no meio social. Condutas e evocações aéticas e imorais que
implicam repulsiva ação estatal por se revestirem de densa
intolerabilidade, de sorte a afrontar o ordenamento infraconstitucional e
constitucional do País. 6. Adesão do Brasil a tratados e acordos
multilaterais, que energicamente repudiam quaisquer discriminações
raciais, aí compreendidas as distinções entre os homens por restrições
ou preferências oriundas de raça, cor, credo, descendência ou origem
nacional ou étnica, inspiradas na pretensa superioridade de um povo
sobre outro, de que são exemplos a xenofobia, 'negrofobia',
'islamafobia' e o anti-semitismo. 7. A Constituição Federal de 1988
impôs aos agentes de delitos dessa natureza, pela gravidade e
repulsividade da ofensa, a cláusula de imprescritibilidade, para que
fique, ad perpetuam rei memoriam, verberado o repúdio e a abjeção
da sociedade nacional à sua prática. 8. Racismo. Abrangência.
Compatibilização dos conceitos etimológicos, etnológicos, sociológicos,
antropológicos ou biológicos, de modo a construir a definição
jurídico-constitucional do termo. Interpretação teleológica e sistêmica
da Constituição Federal, conjugando fatores e circunstâncias históricas,
políticas e sociais que regeram sua formação e aplicação, a fim de
obter-se o real sentido e alcance da norma. 9. Direito comparado. A
exemplo do Brasil as legislações de países organizados sob a égide do
estado moderno de direito democrático igualmente adotam em seu
ordenamento legal punições para delitos que estimulem e propaguem
segregação racial. Manifestações da Suprema Corte Norte-Americana, da
Câmara dos Lordes da Inglaterra e da Corte de Apelação da Califórnia nos
Estados Unidos que consagraram entendimento que aplicam sanções àqueles
que transgridem as regras de boa convivência social com grupos humanos
que simbolizem a prática de racismo. 10. A edição e publicação de obras
escritas veiculando idéias anti-semitas, que buscam resgatar e dar
credibilidade à concepção racial definida pelo regime nazista, negadoras
e subversoras de fatos históricos incontroversos como o holocausto,
consubstanciadas na pretensa inferioridade e desqualificação do povo
judeu, equivalem à incitação ao discrímen com acentuado conteúdo
racista, reforçadas pelas conseqüências históricas dos atos em que se
baseiam. 11. Explícita conduta do agente responsável pelo agravo
revelador de manifesto dolo, baseada na equivocada premissa de que os judeus
não só são uma raça, mas, mais do que isso, um segmento racial atávica e
geneticamente menor e pernicioso. 12. Discriminação que, no caso, se
evidencia como deliberada e dirigida especificamente aos judeus,
que configura ato ilícito de prática de racismo, com as conseqüências
gravosas que o acompanham. 13. Liberdade de expressão. Garantia
constitucional que não se tem como absoluta. Limites morais e jurídicos.
O direito à livre expressão não pode abrigar, em sua abrangência,
manifestações de conteúdo imoral que implicam ilicitude penal. 14. As
liberdades públicas não são incondicionais, por isso devem ser exercidas
de maneira harmônica, observados os limites definidos na própria
Constituição Federal (CF, artigo 5º, § 2º, primeira parte). O preceito
fundamental de liberdade de expressão não consagra o 'direito à
incitação ao racismo', dado que um direito individual não pode
constituir-se em salvaguarda de condutas ilícitas, como sucede com os
delitos contra a honra. Prevalência dos princípios da dignidade da
pessoa humana e da igualdade jurídica. 15. 'Existe um nexo estreito
entre a imprescritibilidade, este tempo jurídico que se escoa sem
encontrar termo, e a memória, apelo do passado à disposição dos vivos,
triunfo da lembrança sobre o esquecimento'. No estado de direito
democrático devem ser intransigentemente respeitados os princípios que
garantem a prevalência dos direitos humanos. Jamais podem se apagar da
memória dos povos que se pretendam justos os atos repulsivos do passado
que permitiram e incentivaram o ódio entre iguais por motivos raciais de
torpeza inominável. 16. A ausência de prescrição nos crimes de racismo
justifica-se como alerta grave para as gerações de hoje e de amanhã,
para que se impeça a reinstauração de velhos e ultrapassados conceitos
que a consciência jurídica e histórica não mais admitem. Ordem denegada"
(HC 82424-RS, rel. Min. Maurício Corrêa, 17/9/2003).
Comprovada a materialidade do crime em tela e a autoria pelo acusado, mantém-se a condenação.
2. Recurso de acusação:
O
representante do Ministério Público almeja o aumento da pena acima
mínimo legal, sob o argumento de que o magistrado não analisou
detidamente as circunstâncias judicias do art. 59 do Código Penal, bem
como não reconheceu a continuidade delitiva do art. 71, também do Código
Penal.
Examinando a sentença depreende-se
que de fato o juiz não apreciou detidamente cada uma das circunstâncias
judiciais, aplicando a pena no mínimo legal. Esse fato não acarreta
qualquer nulidade, por ser suprível nesta Corte, pelo que se passa ao
reexame da dosimetria da pena.
Verifica-se
que a culpabilidade do réu é normal à espécie. Poderia-se aduzir que na
condição de professor, que exerce as suas funções em instituição de
ensino na cidade de Lages, ele poderia influenciar negativamente os
educandos. Entretanto, não consta nos autos qualquer informação nesse
sentido.
O acusado não possui antecedentes
criminais. No que tange à conduta social e à personalidade, não há nos
autos elementos suficientes para avaliá-los. Os motivos são inerentes ao
tipo penal. Da mesma forma, as circunstâncias e conseqüências do crime
não se afastaram daquelas típicas do delito perpetrado, inexistindo
também comportamento da vítima capaz de influir no resultado, razões
pelas quais mantém-se a estipulação da pena-base no mínimo legal.
No tocante ao pretendido reconhecimento do crime continuado, bem analisou o magistrado na sentença:
"[...] No que tange à aventada continuidade delitiva, melhor sorte não socorre ao nobre representante do parquet, uma vez que os fatos descritos na preambular acusatória e imputados ao réu, não passaram de uma unicidade de conduta.
"Assim,
deixo de reconhecer a forma da continuidade delitiva, prevista no
artigo 71 do Código Penal, por entendê-la como elemento constitutivo do
tipo central, praticar, induzir, incitar [...], que tem a exigir uma
constância de condutas a implicar numa potencialidade danosa que a lei
procura coibir [...]" (fl. 314).
Destarte,
sendo as circunstâncias do art. 59 do CP favoráveis ao réu e não sendo
caso de aplicação da continuidade delitiva, não merece reparo a sentença
condenatória.
Por fim, acrescenta-se que o
acusado já foi beneficiado de sobremaneira no presente feito, uma vez
que por exercer função pública (professor em colégio estadual) estaria
sujeito à perda do cargo, por força do art. 16 da Lei n. 7.716/89, mas
como não houve recurso do Ministério Público nesse ponto, a questão não
pode ser corrigida nessa sede.
DECISÃO
Ante o exposto, conhece-se de ambos os recursos e nega-se-lhes provimento.
Participaram
do julgamento, realizado no dia 29 de julho de 2008, os Exmos. Srs.
Des. Alexandre d'Ivanenko e Moacyr de Moraes Lima Filho. Lavrou parecer,
pela Procuradoria Geral de Justiça, o Exmo. Dr. Raul Schaefer Filho.
Florianópolis, 5 de setembro de 2008.
Torres Marques
PRESIDENTE E Relator
Gabinete Des. Torres Marques
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