Novo
livro de Ruy Bruno Bacelar de Oliveira, um apaixonado das revoluções
populares do Brasil, traça uma síntese do processo histórico-social na
década de trinta durante a ditadura de Getúlio Vargas e faz veemente
denuncia histórica sobre o aniquilamento das populações nordestinas de
Caldeirão e Pau de Colher, massacradas impiedosamente pela ditadura
fascista e oligárquica apoiada pelo clero e latifundiários.
AP - Onde ocorreu o
movimento de Pau de Colher?
RB - O movimento de Pau de Colher ocorreu no município de Casa Nova na
Bahia, no local denominado Pau de colher que fica situado a poucos quilômetros
da fronteira com o Piauí. Os principais acontecimentos desenrolaram-se
entre 1937 e início de 1938.
AP - Quais foram as origens do
movimento?
RB - A origem de Pau de Colher remonta ao vale do Cariri, no Ceará, antes e
depois da morte do Padre Cícero, no sítio do Caldeirão, sob a liderança
do beato Lourenço e do beato Severino Tavares.
Os eventos iniciaram-se em 1926 no Ceará
em Caldeirão, estenderam-se até 1938 em Pau de Colher na Bahia.
AP - Quais eram as conjunturas política
e econômica do Brasil entre 1930 e 1940 com ênfase ao nordeste,
especialmente ao Ceará e Bahia, onde se desenrolaram os fatos desta história?
RB - Na década de 1930 a 1940, a economia brasileira afetada pelas diversas
crises políticas, tornou-se mais aguda devida a decadência econômica
mundial que abalou o capitalismo em especial nos Estados Unidos da América.
Isso levou em massa ao desemprego com o
fechamento das fábricas, a quebra dos bancos e a falta de dinheiro.
Tentando frear a baixa de preços, os
países capitalistas, começaram a redução maciça de riquezas. Nos
Estados Unidos mais de 10 milhões de acres de algodão foram destruídos,
milhares de cabeças de gado bovino e mais de 6,5 milhões de porcos foram
afogados; enorme quantidades de milho e trigo foram queimadas; numerosos
navios foram vendidos como sucata; mais de 9 mil bancos quebraram.
AP - Aqui no Brasil quais foram as
conseqüências desta crise mundial e que fez o governo de Vargas para
amenizá-la?
RB - Para enfrentar a crise o governo dos Estados Unidos, cortou a compra de
artigos supérfluos de importação que pudessem ser dispensados, entre
eles o café do Brasil.
Com a perda do seu principal comprador,
a crise atingiu o Brasil. Os armazéns encontravam-se superlotados de café;
os fazendeiros não conseguiam vendê-lo, e conseqüentemente, não
pagavam os seus credores, formando uma cadeia de insolvência que levou o
país à ourela da bancarrota. Do campo estendeu-se às cidades, afetando
as indústrias que, fechadas, deixaram milhares de operários sem
empregos. Nordestinos de todos os Estados começaram fazer a viagem de
volta às suas terras.
Mais de 72
milhões de sacas de café foram queimadas pelo governo de Vargas,
tentando segurar o preço do Produto.
AP - Como era o Brasil nesta época?
RB - O Brasil era um País semifeudal onde em cada estado dominavam as
oligarquias. Nas cidades do Nordeste representadas pelos coronéis. A
maior parte das ruas das cidades do nordeste possuiu nomes de coronéis do
passado e Conquista é um exemplo típico.
Os destinos do Brasil eram decididos na
rua do Ouvidor e nos cassinos e prostíbulos do Rio.
O Brasil importava tudo. As nossas
ferramentas vinham da Inglaterra e da Alemanha. O tecido para as roupas,
vinha da Inglaterra. E para as festas da burguesia carioca importava-se
gelo para fazer sorvetes.
A picaretagem internacional prevalecia
de norte a sul e no Nordeste os coronéis possuíam as casas de fazendas
decoradas com mármore italiano, havia pianos Pleyel, lustres de Murano,
cristais de bucarat e os últimos modelos de carros fabricados nos Estados
Unidos. Os filhos estudavam na Europa.
A fina flor da sociedade guardava em
suas residências libras esterlinas que era a moeda para grandes transações
comerciais.
AP - E os políticos o que faziam?
RB - Pressionado pela nova elite, Getúlio Vargas tratou de salvar os barões
da cafeicultura. Ocorreu que a crise de 1929 deu um golpe de morte nos
fazendeiros de café; às terras destes barões começaram a passar para
antigos empregados das fazendas, colonos e pequenos agricultores.
Principiava a surgir a pequena propriedade com uma diversidade agrícola
muito grande, além de café. A burguesia da cafeicultura ficou assombrada
e obrigou Getúlio a assinar um decreto, perdoando a metade das dívidas
dos cafeicultores e dando prazos enormes, praticamente sem juros, para
pagamento da outra metade. O pretexto era salvar a cafeicultura, responsável
pela economia do país. A medida salvou os cafeicultores e arruinou a
cafeicultura brasileira que ficou até hoje sem uma boa tecnologia e
sempre em déficit.
O costume do perdão da dívida
prolongou-se até os dias de hoje, enriquecendo muitos.
Perdeu-se a melhor oportunidade para
uma reforma agrária neste país. E o problema da posse da terra
estendeu-se até aos nossos dias.
AP - Como surgiu a idéia de
escrever este livro?
RB - A idéia de escrever este livro veio quando eu estava trabalhando no
Piauí. Há quase vinte anos. Fazia pesquisa de geofísica aplicada à
mineração para firmas de São Paulo. Eu morava em um hotel na
cidadezinha de Afrânio, em Pernambuco, próxima à fronteira da Bahia e
do Piauí. Aí nas noites enluaradas do sertão, ouvi fragmentos da
historia de Pau de Colher, por pessoas que por ali transitavam. Comecei
então a ficar interessado pelo assunto, e fui a Pau de Colher. Era Natal.
Ali na casinha humilde de um sertanejo ouvi toda a história. Sentado ao
redor de um fogo, convivendo com sua hospitalidade, cordialmente ele me
contou boa parte desta história. E eu escutando-a interessado, perguntava
a mim mesmo: Que guerra foi esta? Porque se sacrificaram por um ideal se não
havia nenhuma perspectiva de vitória? Em síntese: o que eles queriam? Além
disso, fiquei fascinado pela semelhança com a guerra de Canudos. E como
sou fanático pelos sertões de Euclides da Cunha, senti falta de Euclides
para escrever sobre Caldeirão e Pau de Colher. Achei então que seria
interessante divulgar a história, tentando caminhar sobre as pegadas de
Euclides, entretanto apresentando os fatos e analisando-os dentro de uma
concepção filosófica, que tem por base a luta das classes contra as
classes oprimidas do Nordeste.
AP - E a história brasileira o que
conta sobre estes fatos?
RB - Quem está contando a história brasileira é a mídia. Diariamente ela
molda o mundo à sua maneira, e passa ao grande publico a história de
acordo com seus interesses. Na verdade, existe um "governo invisível
" de notícias controlado pelas grandes redes mundiais de televisão
e pelas agências internacionais de notícias. O cidadão, ao acordar e
sair para o trabalho, vê o mundo pelos olhos deste governo, cujo objetivo
principal é a realização dos fins econômicos e políticos do
neocapitalismo.
A memória nacional está sendo
enevoada. Estão passando uma esponja sobre o passado e contando a história
à maneira dos interesses econômicos das classes privilegiadas. Estamos
vivendo uma "idade das trevas". desde que o passado deixou de
lançar sua luz sobre o futuro, a mente do homem vagueia nas trevas",
escrevia Alexis de Toqueville.
Dizia Hannah Arendt que a luta contra o
poder é a luta da memória contra o esquecimento.
Os detentores do poder neste País também
estão passando a esponja na história, abafando a consciência, matando
os heróis nacionais, divulgando os "heróis" internacionais e
apostando no esquecimento como o único objetivo de ocultarem os objetivos
de dominação e manter o poder. Não importa onde, se em Brasília, ou em
uma pequena cidade do interior, eles estão induzindo a amnésia e
perseguindo e denegrindo todos que, como este autor, ousam resgatar a memória
e lutar pela liberdade.
Este processo de apagamento da memória,
tem uma poderosa ramificação dentro das escolas e universidades
brasileiras. Atreladas a ideologias já superadas, muitas delas a exercem
patrulhamento ideológico sobre os professores que tem o poder de crítica
e são competentes. Um episódio interessante foi a minha saída de uma
Universidade local devido a um grupo cujo único objetivo é o PODER e a
dominação política que já atinge dimensões monstruosas, devendo
chegar, em pouco tempo, até a capital e, a longo prazo, capaz de
interferir nos rumos da política nacional.
O governo que mantém todo este aparato
ideológico é o principal culpado, mas a sociedade temem o é. E, por
isso mesmo, a Universidade brasileira passa por um processo vertiginoso de
definhamento. ao escrever este livro sei que estou enfrentando a elite do
poder, principalmente a elite intelectual que visa o poder político.
Estou portanto dando uma pequena contribuição para o resgate da memória
nacional.
José Arbex Jr, jornalista de São
Paulo, citando Hannah Arendt, definiu a banalização do mal como a corrupção
da consciência que se sedimenta em pequenos hábitos do cotidiano, a
forma pela qual os indivíduos se acostumam e se acomodam ao arbítrio, à
barbárie, à covardia, ao cinismo (por exemplo, na Alemanha de Hitler,
"ninguém sabia" que milhões de seres humanos eram executados
em campos de concentração)."
AP - A banalização do mal também
existe aqui em V. da Conquista?
BB- Vivemos na terceira maior cidade do interior da Bahia. Aqui falta tudo
exceto a banalização do mal. Não há indústrias, exceto a da religião,
a água é precária, o saneamento idem e não temos ainda boas
universidades e escolas.
É a cidade no mundo onde se paga o
maior número de impostos. Além dos impostos públicos, pagamos
Aforamento e Laudêmio à Igreja Católica. Isto é você compra a terra
para construir sua casa em mãos da Igreja. E este pagamento é eterno.
Quem compra sua casa também paga à Igreja e, assim sucessivamente. Na
verdade a Igreja tem um patrimônio imobiliário de mais de trinta mil
terrenos. Uma grande parte da população paga o dizimo às Igrejas
protestantes que se espalham por toda a cidade. Toda a cultura e vida
espiritual se resumem em dois personagens: Deus e Satã. A fé substitui a
ciência. As igrejas estão lotadas de jovens que, com uma bíblia na mão,
já encontraram a solução de todos os problemas.
AP - Como o senhor fala até parece
que estamos na idade média no tempo das cruzadas!
RB - Estamos vivendo um período muito perigoso. A luta já não é de
classes. A luta é contra SATÃ. É a guerra santa. A arma é a bíblia e
as mensagens são os cantos religiosos ecoando em todos os quadrantes. Os
pastores autoritários obrigam o crente ao dizimo e fidelidade a um Deus
que enriquece as pessoas da noite para o dia e aniquila os inimigos ou
qualquer um que se coloca contra este estado de coisas. Os movimentos de
massas destas populações evangélicas e outras são de natureza
fascista. Em outras palavras, estamos caminhando a passos largos para o
totalitarismo.
Diz o jornalista José Arbex Jr.
"o problema está posto milhões de jovens e trabalhadores são
mobilizados por aprendizes de Hitler, enquanto o Brasil caminha a passos
largos para uma imensas crise social, cujo pano de fundo é o
desemprego".
AP - Os brasileiros de um modo geral
não estão acostumados a lerem livros de denuncias, principalmente de
fatos históricos como estes, que se passaram há muito tempo. Dizem até
que temos a memória curta. Diante de tais afirmativas que tipo de
mensagem o Sr. Passaria aos seus leitores?
RB - Passo, portanto, a você, leitor, o livro. De Caldeirão a Pau de
Colher: A Guerra dos Caceteiros". Ele é o resultado de viagens
cansativas, noites perdidas e a paixão do autor pelo estudo dos
movimentos sociais. No decorrer da pesquisa, descobri a importância do
relacionamento de Caldeirão com Pau DE Colher, daí nosso esforço em
elaborar um esboço relacionando os dois movimentos que, normalmente, são
estudados isoladamente.
De Caldeirão a Pau de Colher é também
minha resposta aos detentores do poder que no passado perseguiram o meu
saudoso pai, jornalista Bruno Bacelar de Oliveira, terminando por queimar
O AVANTE e no presente moveram uma feroz perseguição ao autor. Eu por
natureza, sou um rebelde e provocador. Não aceito a corrupção de minha
consciência, o patrulhamento ideológico, à barbárie, a covardia, o
cinismo. Não aceito a banalização do mal. Não aceito ser cúmplice da
quadrilha que tem o poder. Não aceito ser cúmplice do patrulhamento
ideológico de professores dentro das Universidades, não aceito ser cúmplice
das filas imensuráveis diante dos hospitais, não aceito ser cúmplice da
indústria da seca; não aceito ser cúmplice da indústria religiosa; não
aceito ser cúmplice da violência policial; não aceito ser cúmplice da
maioria dos candidatos políticos porque são oportunistas e enganadores
do povo; não aceito ser cúmplice da prostituição infantil; não aceito
ser cúmplice do capital internacional que suga as nossas riquezas; não
aceito ser cúmplice da mídia que se acha mergulhada em um mundo de sexo,
crime e corrupção e finalmente para abreviar, não aceito ser cidadão
de um país mergulhado em um colapso moral.
Daí, este livro. É uma denúncia histórica.
O aniquilamento de Caldeirão e Pau de Colher foi um crime.
Da mesma formas que não admiti este
crime histórico, denunciando-o através deste livro, não admito os
outros crimes, aqui chamados no conceito de Hannah Arendt, de BANALIZAÇÃO
DO MAL OU CORRUPÇÃO DA CONSCIÊNCIA..
Sou um homem livre. Não aceito a
corrupção de minha consciência.
Fonte: http://www.engeo.com.br
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