O governador de Goiás, Marconi Perillo (PSDB), mandava recados para o
chefe da organização criminosa chefiada pelo bicheiro Carlos Augusto de
Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, por intermédio do
senador Demóstenes Torres (ex-DEM).
Os negócios da quadrilha não se
resumiam ao império dos jogos de azar no Centro-Oeste do país, mas
chegavam até o Supremo Tribunal Federal. À série de documentos vazados
para jornais e revistas, que começou a ser divulgada logo após a prisão
de Cachoeira, há três semanas, foi acrescentada, neste sábado,
uma nova leva de escutas. A divulgação de fotos do governador
fluminense, Sérgio Cabral (PMDB), em Paris, ao lado de Fernando Cavendish, dono da Delta Construções, empresa envolvida na CPMI do Cachoeira, também chama a atenção da Polícia Federal (PF).
Entre os diálogos gravados com autorização judicial estava o telefonema de Demóstenes a Cachoeira:
O abraço de Demóstenes ao bicheiro deixou evidente, na realidade, uma
face mais deformada no relacionamento entre os integrantes dos poderes
Legislativo e Judiciário. A influência exercida por Demóstenes junto a
altas patentes do Superior Tribunal Federal era usada na tentativa de
influenciar decisões das cortes mais altas do país. Há pouco mais de um
ano, após a prisão pela PF de 19 policiais militares no Mato Grosso do
Sul durante a operação Sexto Mandamento, (“Não matarás”), todos
envolvidos com um grupo de extermínio acusado de matar inclusive
crianças, adolescentes e mulheres sem envolvimento com práticas
criminosas, a ação de Cachoeira e Demóstenes para influir no processo
judicial foi captada nas escutas telefônicas.
Em 3 de março de 2011, logo após a prisão dos PMs, o assunto mobilizou Cachoeira
e Demóstenes. Este foi portador de um pedido de Cachoeira ao governador
Marconi Perillo, para que o chefe do Executivo goiano transferisse os
policiais para um presídio em Goiânia. As gravações ilustram como o
senador orientou o bicheiro no procedimento para ajudar os PMs acusados
de assassinato.
“Eu tava com o Ronald hoje (…) o Estado interceder através do Ronald
para puxar esse pessoal pra cá pra cumprir aqui”, diz Cachoeira.
“Ronald” era o Ronald Bicca, procurador-geral de Justiça de Goiás à
época, e estava escalado para a tentativa de liberar os suspeitos. Ele
seria auxiliado por ninguém menos do que o próprio senador, que já havia
ocupado o cargo de procurador-geral do Ministério Público (MP) de Goiás
e de secretário da Segurança do Estado.
– Eu já falei com a turma para dar o parecer favorável. Fica tranquilo – diz Demóstenes a Cachoeira, que pergunta quanto tempo levaria para que a situação fosse resolvida.
Demóstenes o tranquiliza e diz que será quando “assumir o moço”.
Passados oito desde o diálogo, Benedito Torres, irmão de Demóstenes,
assumiu a Procuradoria-Geral do MP de Goiás. Em junho daquele ano, a
Justiça autorizou a transferência dos 15 presos para o Centro de
Custódia da Polícia Militar, em Goiânia e hoje, pouco mais de um ano
depois da prisão, apenas um dos acusados continua preso. Os outros
exercem atividades administrativas na PM.
Amizades encardidas
Enquanto o senador Demóstenes ainda ocupava o papel de defensor da
moral e dos bons costumes no Congresso, ele e o ministro Gilmar Mendes,
do Supremo Tribunal Federal, faziam questão de aparecer juntos em
ocasiões sociais, ao longo de uma década de amizade acima de qualquer
suspeita. Ambos figuravam nas páginas políticas dos meios de comunicação
enquanto discutiam temas de interesse nacional, como a Proposta de
Emenda Constitucional (PEC) que visava reforçar o papel da Corregedoria
do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre outras.
“Até o dia em que vieram a público os fatos em torno do senador
Demóstenes, autoridades públicas se relacionavam com naturalidade com o
referido senador. Até então o senador era credor da respeitabilidade de
que desfrutava”, desconversava na semana passada, em nota, o ministro
Gilmar Mendes. Mas os ventos mudaram de direção. Nos quatro minutos de
diálogo, gravados no dia 16 de agosto do ano passado, Cachoeira
e Demóstenes falavam sobre a queda de Wagner Rossi (PMDB) do Ministério
da Agricultura e sobre o ex-ministro José Dirceu (PT), até que o nome
do ministro Gilmar Mendes foi à tona, em um processo a que responde a
Companhia Energética de Goiás (Celg). Cachoeira comemorava a decisão do
ministro favorável à companhia.
– Conseguimos puxar aqui para o Supremo uma ação da Celg aí. Viu? O
Gilmar mandou buscar, deu repercussão geral pro trem aí – lembra
Demóstenes.
Na véspera, Gilmar Mendes dissera no processo que o STF era o órgão
competente para julgar uma disputa em que a Celg reclama indenização de
R$ 1,2 bilhão da União, da Eletrobras e da Agência Nacional de Energia
Elétrica (Aneel). O processo tramitava na Justiça Federal de Goiás, mas
advogados da Celg recorreram ao Supremo por entender que a Corte era o
foro adequado. Gilmar aceitou os argumentos da Celg.
“Há patente conflito federativo”, afirmou Gilmar em sua decisão,
baseado em uma “jurisprudência do Supremo”. Ele também negou aos
jornalistas que o procuraram ter tratado do assunto com Demóstenes.
Delta, Cabral e Perillo
As ligações entre os governadores Marconi Perillo e Sérgio Cabral
(PMDB), do Rio de Janeiro, com o bicheiro e sua “organização criminosa”,
segundo descrição do procurador-geral da República, Roberto Gurgel,
ganham um ponto de apoio com a ascensão meteórica da Delta Construtora. O
processo, encaminhado à CPMI do Cachoeira, em curso no Parlamento,
deixa mais clara a ligação entre Perillo e a organização criminosa. Os
grampeados falam em detalhes sobre a situação de diversos contratos da
Delta.
A autorização para a remessa do inquérito ao Congresso foi concedida
pelo ministro Ricardo Levandovski. Os dados poderão ser analisados
também pela Comissão de Sindicância da Câmara dos Deputados, que
investiga os parlamentares João Sandes Junior (PP-GO) e Carlos Alberto
Leréia (PSDB-GO), pelo envolvimento com o Cachoeira.
A situação do governador fluminense também se torna mais delicada com
a divulgação de uma série de fotos, em Paris, nas quais Cavendish
aparece ao lado de Sérgio Cabral e secretários estaduais, entre eles o
de Saúde, Sérgio Côrtes, aparentemente embriagado, em uma espécie de
comemoração. Cabral e Cavendish partilham, além da amizade declarada por
ambos, de um episódio nebuloso com a queda de um helicóptero em
Trancoso, no Sul da Bahia, 17 de junho do ano passado, período em que a
Delta recebeu do governo fluminense R$ 127 milhões sem licitação e mais
R$ 420 milhões licitados.
O procurador-geral de Justiça do Estado do Rio arquivou o inquérito
sobre o acidente e disse que governador pode ser amigo “de quem quiser” e
que contratos da Delta com governo são legítimos Claudio Lopes mandou
arquivar a investigação do Ministério Público Estadual sobre possíveis
irregularidades nas relações de amizade do governador Cabral Filho com
os empresários Fernando Cavendish e Eike Batista, ambos com negócios
milionários com o governo fluminense. Após o estouro do escândalo em que
Cavendish e Cachoeira aparecem como possíveis sócios no crime, Cabral desautorizou Lopes e disse que irá investigar os contratos milionários.
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