Por Rafael Baliardo
Incluído,
nesta quarta-feira (25/4), na pauta da 2ª Seção do Superior Tribunal
de Justiça (STJ), o julgamento de dois recursos especiais repetitivos
que tratam da cobrança de juros compostos por parte dos bancos foi
suspenso após um breve e intenso debate entre os ministros. Depois do
relator, ministro Luis Felipe Salomão, proferir seu
voto pela admissibilidade da cobrança, e ser acompanhado pela ministra
Nancy Andrighi, a ministra Maria Isabel Gallotti pediu vista do
processo.
O julgamento interrompido na tarde desta quarta se
refere aos Recursos Especiais 973.927-RS e 1.003.530-RS, votados sob o
rito dos recursos repetitivos, que envolvem o chamado anatocismo, isto
é, a capitalização de juros, ou a cobrança de juros sobre juros. Como os
dois recursos tratavam de casos idênticos, o relator optou por julgar
sob o rito apenas o de número 973.927, do banco Sudameris, cuja decisão
se aplicará a todos os demais. O REsp 1.003.530-RS é do banco ABN Amro
Bank, antigo banco Real, comprado pelo banco Santander.
Nos dois
processos, os recorridos são clientes bancários de ambas as
instituições. A Justiça de segundo grau havia decidido pela
impossibilidade de se capitalizar via juros compostos.
Já os requerentes contaram com a ajuda do Banco Central (Bacen) e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), admitidos como amicus curiae no julgamento. O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) entrou como amicus curiae em favor dos clientes dos bancos. Apenas o Banco Central teve representante que usou da palavra para fazer sustenação oral.
Ao
pedir vista, a ministra Maria Isabel Gallotti prometeu trazer seu voto
já na próxima sessão. Segundo o ministro Luis Felipe Salomão, são
incomuns pedidos de vista em julgamentos sob o rito dos recursos
repetitivos, justamente por tratarem de entendimentos já consagrados
pela jurisprudência da corte. A jurisprudência reiterada do STJ
reconhece que o anatocismo é permitido para contratos feitos após a
edição da Medida Provisória 2.170 e se expressamente pactuados entre as
partes.
De acordo com o relator, a discussão desta quarta não se
referiu ao mérito da matéria, mas à dúvida sobre “o conceito de expressa
pactuação da capitalização” entre instituição financeira e cliente.
Para o ministro, cabe a capitalização “quando vir expresso o acordo”.
“São milhares de processos que estão presos na instância de origem
aguardando esse julgamento”, disse Salomão.
De acordo com a
representação dos clientes, a capitalização de juros é proibida pelo
artigo 591 do Código Civil, que permite apenas a capitalização em prazos
maiores que um ano, e entrou em vigor em 2003, depois da Medida
Provisória 2.170/2001, que autorizou a cobrança em períodos menores.
Alegam também que a previsão de cobrança está vinculada a uma medida
provisória que tratava de outras matérias, o que incorre na não
observância da Lei Complementar 95/1998, que dispõe sobre a elaboração
de leis. De acordo com os requeridos, não havia quaisquer critérios de
urgência e relevância que justificassem a edição da Medida Provisória
2.170/2001.
A posição do governo federal foi manifestada pelo
procurador-geral do Banco Central, Isaac Sidney Menezes Ferreira, que,
em sustentação oral, defendeu a cobrança de juros compostos. O Bacen foi
admitido como amicus curiae no processo a convite do próprio
relator, ministro Luis Felipe Salomão. Para o Bacen, a capitalização
de juros não prejudica diretamente o cliente, uma vez que padroniza a
cobrança de juros e o sistema financeiro, estimulando a competitividade
entre os bancos, e permite o alongamento dos prazos dos empréstimos,
aumentando a disponibilidade de crédito.
"A capitalização não
ocorre apenas nos empréstimos que os bancos concedem, mas também nos
juros que o banco paga em suas captações, a exemplo da poupança",
afirmou o procurador.
Em sua sustentação, Ferreira esclareceu que
a discussão deveria ser orientada por preocupações referentes à
eficiência do sistema financeiro e, que, do ponto de vista do custo do
empréstimo, não faz diferença se o anatocismo for ou não autorizado.
"A mesma remuneração do empréstimo pode ser obtida mediante juros
simples ou juros compostos", disse. De acordo com o procurador, a
utilização de juros compostos, desde que prevista em contratos, é
benéfica para o cliente e para o sistema financeiro.
"Suponhamos
que um cliente se depara com duas ofertas de empréstimo, ambas
calculadas com juros simples. Uma, pelo prazo de três meses, a uma taxa
mensal de 1,5226%. Outra, pelo prazo de 12 meses, a uma taxa mensal de
1,6301%. Se, impressionado pela menor cifra, o cliente escolhe o
primeiro empréstimo, fica em condições piores, pois pagará a mesma taxa
por um empréstimo de menor prazo, já que ambas as taxas correspondem a
juros compostos de 1,5% ao mês", exemplificou.
Quanto aos
argumentos jurídicos, o órgão defende que o Código Civil, uma regra
geral, não se sobrepõe a norma especial mesmo no caso de se constatar
vício formal na norma que estabelece o anatocismo. O Bacen ainda entende
que não se pode atacar a necessidade da MP no STJ, já que isso
implicaria controle de constitucionalidade, competência do Supremo
Tribunal Federal. O STF ainda não terminou o julgameno da Ação Direta de
Inconstitucionalidade 2.631, que trata do tema.
“O guerreado
artigo 5º da MP 2.170 consagra prestação de informações mais
transparentes para o cliente do que o próprio Código de Defesa do
Consumidor”, disse Isaac Ferreira. “Enquanto o CDC apenas demanda do
fornecedor informações sobre o montante dos juros e a efetiva taxa
anual aplicada, o artigo 5º exige que o banco apresente planilha de
cálculo que evidencie o valor principal da dívida, seus encargos e
despesas contratuais, a parcela de juros e os critérios de sua
incidência e a parcela correspondente a multas e demais penalidades
contratuais” afirmou.
REsp 973.927/RS
REsp 1.003.530/RS
Rafael Baliardo é repórter da revista Consultor Jurídico em Brasília.
Revista Consultor Jurídico, 25 de abril de 2012
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