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quinta-feira, 26 de abril de 2012

Procurador critica súmula das algemas e elogia PF


Causa e efeito

Por Marcelo Auler

Na abertura oficial do V Congresso Nacional dos Delegados de Polícia Federal, na noite de quarta-feira (25/4), no Rio de Janeiro, os tribunais superiores, em especial o Supremo Tribunal Federal, tornaram-se alvo das principais críticas. A maior delas partiu do procurador de Justiça de Minas Gerais, Rogério Grecca, para quem ao editar a Súmula nº 11, o STF mostrou “desconhecer completamente a realidade". A súmula trata dos limites para o uso de algemas.
"É não entender como funciona a Polícia. Um tribunal que edita uma súmula vinculante destas, regulamentando — entre aspas — o emprego de algemas, nunca conheceu as ruas, o cara nunca andou de ônibus, não sabe o que é o cheiro de sovaco. Não entende como é que funciona o Tribunal do Júri”, disse ele.
Professor, estudioso do Direito Penal e autor de diversos livros a respeito, Grecca classificou a súmula de hipócrita e relacionou sua edição ao trabalho dos policiais federais nas últimas grandes operações. “Não tem súmula mais hipócrita do que a Súmula Vinculante nº 11. Foi por causa de vocês que ela foi editada. Vocês foram responsáveis. Engraçado, desde que o Brasil foi descoberto em 1500, ninguém nunca se preocupou com o uso de algemas. Era argola no pescoço do negro, nos pés, nas mãos e ninguém nunca se preocupou. No dia em que a pulseira de ouro foi transformada em pulseira de aço, aí a casa caiu. O dia em que a Polícia Federal começou, brilhantemente, a meter o grampo em todo mundo de classe média e média alta, isto é novidade, não acontecia”.
Para ele, as algemas em acusados de crimes financeiros tinham um segundo significado. “Eu via aquilo meio como um desabafo. Quando aqueles caras importantes, entre aspas, que importância não tem nenhuma, são verdadeiros genocidas, o dia em que estes caras começaram a ser presos...Imagina o Maluf sendo algemado. Eu vibrei com o Maluf sendo algemado...O fato de meter o grampo, de meter a algema no Maluf era meio — eu via em vocês, posso estar até falando bobagem — mas eu via meio como um desabafo. Sabe aquele negócio: cansei de botar grampo em “nego” arrebentado no meio da favela, agora você vai tomar o grampo também? Isto, para mim, era um espetáculo, ver aqueles caras colocando um casaquinho por cima da algema, com a cabecinha baixa, igual a um periquito quase quebrado”.
Ainda que de forma mais moderada, o novo presidente nacional da Associação dos Delegados de Polícia Federal, delegado Marcos Leôncio Souza Ribeiro, empossado no último dia 20 de abril, em entrevista à revista Consultor Jurídico, também teceu crítica aos tribunais superiores ao descrever o atual papel da Polícia Federal. Ele fez votos que eles evoluam nos seus atuais entendimentos.
“O papel da Polícia Federal é respeitar este nível de evolução do Judiciário brasileiro, se aprimorar cada vez mais para se adaptar e evitar nulidades processuais. Fortalecer a prova técnica e esperar, quiçá, um dia, que o nosso Judiciário acompanhe a evolução que outros países já conseguiram. O Judiciário brasileiro passa pelo mesmo processo que outros países passaram. A Polícia Federal brasileira passa pelas mesmas dificuldades que as polícias do mundo mais desenvolvido passaram, que é este momento de transição entre a verdadeira busca da prova técnica, sem tanto garantismo, sem tantas interpretações exacerbadas da norma garantista”.
Ideologia

Curiosamente, na abertura do Congresso não havia representante do Ministério Público Federal, mas Leôncio menosprezou os chamados desentendimentos que ocorrem entre Polícia Federal e Ministério Público, realçando que quando ocorrem é muito mais no campo doutrinário do que na prática do trabalho do dia a dia. Para ele, o entendimento também ocorre na primeira e na segunda instância do Judiciário Federal, mas ainda não acontece com os tribunais superiores, classificado como “mais ideológicos”.

“Por incrível que pareça existem mais disputas no campo ideológico/político/classista do que no ponto de vista institucional. Ministério Público Federal e Polícia Federal, do ponto de vista institucional e operacional, se entendem muito bem. Nas operações a relação é boa, a relação é boa com a Justiça Federal de primeira instância e de segunda instância. Temos, talvez, com os tribunais superiores — por serem tribunais muito mais ideológicos, de tese, do que tribunais de instrução, de apuração de fatos —, temos esta dificuldade. Mas, acredito que vai evoluir com o tempo. Do ponto de vista destas bandeiras de disputas, como do poder da investigação, são muito mais no campo ideológico do que pragmático. Na prática, Polícia Federal e Ministério Público Federal até que tem uma sintonia fina em questões que envolvem o combate ao crime organizado. Também com a Justiça Federal, principalmente em primeira e segunda instância”.
As questões que lavaram os tribunais superiores a anularem algumas das principais operações policiais por nulidade de provas não mereceu maior atenção na abertura do Congresso. Nem mesmo o desembargador federal Messod Azulay Neto — um dos três representantes da Justiça Federal presentes à cerimônia —, que foi o primeiro palestrante da noite, teceu comentário a respeito. Antes, pelo contrário, enalteceu o trabalho da Polícia Federal.
Para ele, fundamental, “tanto quanto, ou mais ainda do que, a descoberta de polos de riquezas ou a exploração por produção de bens, é permitir que estes bens e estas riquezas possam fluir, possam trilhar por caminhos desobstruídos e alcançarem os seus objetivos. E esta, em última análise, tem sido a árdua tarefa da Polícia Federal do Brasil. É importante que se diga que não se faz uma Justiça Criminal sem uma polícia judiciária estruturada, bem remunerada e orgulhosa das suas condições. Há um ditado popular que diz que um bom exemplo vale mais do que mil palavras e eu acredito que, principalmente nesta última década, a Polícia Federal tem dado mostras, tem dado mais do que um exemplo, de que a excelência do seu trabalho se compara as maiores instituições de polícias judiciárias do mundo, se igualando à tão famosa israelense, americana, londrina, etc.”.
Escutas telefônicas

Azulay Neto destacou apenas a necessidade de os policiais federais cuidarem melhor das escutas telefônicas que hoje tem gerado inúmeras queixas por parte dos advogados de defesa os quais, como disse ele à revista ConJur, ao questionarem “nulidades em cima de questiúnculas processuais”, fazem o trabalho deles. E iss, segundo ele, exige “maior atenção dos policiais”.

Estes ataques, segundo disse, acontecem “através de Habeas Corpus e recursos de toda a ordem. Seja pelo fato de que as escutas são deficientes, seja por excesso de prazo, seja porque não serem disponibilizadas na íntegra para a defesa, seja porque as transcrições também são deficientes, enfim por várias razões. O que ocorre é que tanto na segunda instância, nos tribunais superiores e mesmo no Supremo Tribunal Federal, em alguns casos, eu não diria que isto é uma coisa constante, a prova acaba sendo anulada”. Ele disse: “Nós julgamos com sentimento de que alguma coisa foi perdida no meio de tanta coisa, o trabalho de anos da Polícia Federal sendo todo jogado por terra”.
Em entrevista à ConJur, ele explicou que são problemas que com o próprio desenvolvimento de suas atividades vão sendo corrigidos aos poucos. "Eu procuro exaltar o trabalho de Polícia Federal e eu acho que ele tem que ser exaltado mesmo”.
Na palestra, ressaltou que esta questão “nem chega a macular todo o trabalho que é feito. Muito ao contrário, a Polícia Federal, na desenvoltura de seus trabalhos, tem servido até para modificar e criar instrumentos processuais – eu citaria o caso do Acordo de Assistência Judiciária em Matéria Penal (MLAT) entre o Brasil e os Estados Unidos da América, aprovado pelo Decreto nº 3.810/01”.
Explicou que “a agilidade, o dinamismo, a velocidade da Polícia Federal e das polícias judiciárias de todo o mundo ocidental, avançado e evoluído, tem provocado tamanho dinamismo nas investigações que as Cartas Rogatórias que seriam os instrumentos adequados para um país se comunicar com o outro não foram suficientes para atender ou para acompanhar a velocidade investigativa que a polícia investigativa, que a Polícia Federal e a Polícia Civil têm imprimido aos seus trabalhos”.
Comando da investigação

No único ponto em que a discordância entre os dois palestrantes — o desembargador federal e o procurador de Justiça — poderia aparecer, acabou, de certa forma, havendo confluência de pensamento. Azulay Neto, embora ressaltando o direito do Ministério Público em fazer investigações, defendeu a tese de que a lei não lhe permite contudo presidir inquéritos policiais, atividade típica da autoridade policial.

“O Ministério Público não foi contemplado neste sentido com uma lei que permitisse presidir inquérito. Uma coisa é produzir atos investigativos. Isto qualquer um pode, o MP também pode, nos limites da lei, nos limites da Lei de Organização do Ministério Público, a LOMP, que o autoriza, inclusive, a requisitar documentos, a proceder a oitiva de testemunhas. Não há nenhum vicio nisto, nada de errado nisto. Mas presidir para mim, tenho que não”.
Segundo ele, não há duvida de que esta tarefa cabe às autoridades policiais, “porque há atos investigativos que são privativos da autoridade policial. Por exemplo, se o Ministério Público Federal — que é aquilo que nos diz respeito — instaura um procedimento administrativo investigativo e durante as investigações resolve nomear um perito, não é possível. A lei não autoriza que a nomeação de perito seja feita pelo MP. Ela só pode ser feita pela autoridade policial. Outro exemplo, a escuta telefônica. Admitamos que o Ministério Público Federal ou estadual entenda que deva se proceder a uma escuta telefônica, ele terá que solicitar à autoridade judicial e, deferida, a lei é expressa no sentido que quem supervisiona, acompanha e executa é a autoridade policial. Se durante uma investigação o MP entender que casos como estes e outros, atos investigativos devam ser executados ele deverá remeter o requerimento à autoridade policial que deverá presidir o inquérito até o seu termo final”.
Grecca, ao comentar tais questões, deixou claro que o MP — em especial o de Minas Gerais, onde atua — não pretende presidir inquéritos, mas sim ter garantias da continuidade da investigação sem possíveis interferências externas.
“Por que em muitas situações o Ministério Público investiga? Porque os policiais, os delegados de polícia não têm as garantias que o MP tem. Isto pode ser que não aconteça com a Polícia Federal, mas nas polícias estaduais — digo isto pelo meu Estado — o delegado pode estar fazendo uma investigação brilhante, espetacular, aquele trabalho perfeito. Infelizmente — no meu estado ainda acontece — um telefonema e no dia seguinte a investigação acabou e aquele delegado de polícia que estavam em Belo Horizonte vai lá para Unaí, vai para Caxambu, vai para caixa prego, mas a investigação acabou”.
Baseado nisto é que defendeu que os delegados briguem pelas mesmas garantias — inamovibilidade, irredutibilidade de vencimentos — que a Constituição de 88 deu ao Ministério Público. “Acho que a Polícia Federal, principalmente os delegados da Polícia Federal, tem que brigar por isto, por garantias. O dia que a polícia tiver as mesmas garantias do MP, da magistratura, aí o papo é outro, aí muda”, concluiu. 


Marcelo Auler é jornalista.
Revista Consultor Jurídico, 26 de abril de 2012

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