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sábado, 11 de fevereiro de 2012

A comunidade judaica em Portugal

Artigos de Maria Calado, Vice-presidente do CNC, publicado no DN, em Agosto de 2006

O CNC editou a obra Judeus e Árabes na Península Ibérica (Inglês /Francês/Português).Vários autores, 1993. (Esgotado)
Manuscrito judaico

No século XV, Portugal tornou-se o mais importante centro da cultura sefardita. Acolheu, temporariamente, os grandes sábios judeus da época, entre os quais Isaac Aboab, o líder espiritual da comunidade judaica da Península Ibérica, Salomão Ibn Verga, autor de Schébet Yehudah (A Vara de Judá, crónica em que narra a vida dos judeus na península), e Abraão Saba, exegeta, pregador e cabalista.
Guedelha Palaçano, que foi rabi-mor no tempo do rei D. Afonso V, ocupou uma posição privilegiada no panorama político e cultural português do século XV, familiarizando-se com os textos clássicos e os valores do humanismo quatrocentista. Escreveu em Lisboa um tratado sobre a Providência Divina, mas a maior parte do seu trabalho foi desenvolvida após a saída do país, em 1483, acusado de participar na conjura para depor o rei D. João II.
Viveu alguns anos na Corte de Castela e em 1492 instalou-se em Itália, onde permaneceu até à morte, em 1508. Os filhos de Isaac Abravanel, todos nascidos em Lisboa, foram homens cultos e respeitados pelo seu saber.
O mais famoso deles, Judá Abravanel, conhecido como Leão Hebreu, deixou uma importante obra literária e filosófica. Ainda no domínio da cultura literária, destacaram-se Eliezar Toledano, Samuel Gacon, Samuel d'Ortas e Abraão d'Ortas, nomes ligados aos primórdios da Imprensa em Portugal.
A Samuel Gacon se deve a edição do primeiro incunábulo português, uma impressão do Pentateuco, feita na sua oficina em Faro, em 1487.
A oficina de Eliezer Toledano funcionou em Lisboa, produzindo, entre 1489 e 1492, pelo menos oito obras conhecidas em hebraico.
Do mesmo modo, em Leiria, a oficina familiar de Samuel d'Ortas e seus filhos também executava trabalhos de impressão. Foi daquele prelo que saiu a primeira edição do Almanach Perpetuum de Zacuto, em 1496.
az
Abraão Zacuto foi o autor de um novo e melhorado Astrolábio, que ensinou os navegantes portugueses a utilizar, e também de melhoradas tábuas astronómicas que ajudaram a orientação das caravelas portuguesas no alto-mar, através de cálculos a partir de observações com o Astrolábio. As suas contribuições permitiriam as descobertas do Brasil e da Índia.
Ainda em Espanha, escreveu e publicou um tratado notável de astronomia em hebreu, com o título Ha-jibbur Ha-gadol. Publicou na tipografia de Leiria de Abraão de Ortas em 1496 a obra Almanach Perpetuum, que viria a ser traduzida em Latim e Castelhano. Neste livro viriam as tábuas astronómicas para os anos de 1497 a 1500, que foram utilizadas, juntamente com o seu astrolábio melhorado de metal, por Vasco da Gama e Pedro Álvares Cabral nas suas viagens.
No campo artístico ficou a dever-se aos judeus o aperfeiçoamento da iluminura. Algumas escolas de copistas instaladas em Lisboa e nas principais cidades formaram grandes artistas que ilustraram algumas das obras de temática judaica e outros manuscritos importantes da época.
Entre os copistas mais importantes encontramos Samuel de Medina, Eleazar Gagosh e Samuel Musa Filho.
Perush
Perush Ha-Berakoth Ve-Ha-Tefillot, um incunábulo hebraico impresso em Portugal. Oficina de David Abudrahan em Lisboa, 1489. Note-se a excelente qualidade dos tipos.

O Sul

Compreendendo um vasto território que se estende entre o Norte e o Sul do rio Tejo, esta região apresenta uma grande quantidade e diversidade de tradições judaicas.
O Ribatejo é por vocação um espaço de confluência e de cruzamento de rotas comerciais. Nas suas vilas e cidades, com destaque para Santarém, fixaram-se judeus, dando dimensão urbana a um território marcadamente agrícola.
Escassamente povoado e afastado dos centros do poder político e religioso, com uma extensa frente raiana, o Alentejo sempre abrigou uma grande população judaica do País, ali instalada desde o período da ocupação muçulmana.
Quase todas as cidades e vilas possuíam as suas judiarias. A maior localizava-se, naturalmente, em Évora, grande centro urbano do Alentejo interior e local de residência temporária da Corte na Idade Média.
Mas também Castelo de Vide, Crato, Portalegre, Borba, Vila Viçosa, Arronches, Vidigueira, Estremoz, Monsaraz, Moura, Beja, Serpa e Mértola tinham comunas de judeus, instaladas em bairros próprios e quase sempre ligadas ao comércio entre Portugal e os reinos peninsulares.
1. Santarém
No coração da lezíria e com uma localização privilegiada no Centro do País, esta cidade foi desde sempre um próspero centro agrícola e comercial onde afluíram judeus.
A comunidade era numerosa e próspera já no período muçulmano e, em 1147, pela conquista da cidade aos mouros por D. Afonso Henriques (1139-1185), passa a integrar o reino de Portugal.
A Judiaria de Santarém constituía uma das sete comarcas definidas por D. Dinis (1279-1325) e reconfirmadas por D. João I (1385-1433). Localizava-se junto da Rua Direita e das portas da cidade, dinamizando o comércio local e a feira.
Os judeus de Santarém dedicavam-se às actividades artesanais e intelectuais. Depois da expulsão, em 1497, muitos mantiveram-se como cristãos-novos e cripto-judeus. Um percurso pelo centro histórico evoca-nos hoje os lugares e as vivências da próspera comunidade judaica de Santarém durante a Idade Média.
2. Castelo de Vide
Muito próximo da fronteira com Castela, esta vila alentejana foi um dos locais privilegiados de acolhimento das várias migrações de judeus. Estes eram provenientes dos reinos vizinhos, nomeadamente de Castela e entraram pelo porto seco de Marvão durante os séculos XIV e XV.
Apesar de referências antigas a um pequeno núcleo de habitantes judeus, foi no século XIV que a judiaria se consolidou e teve uma expressão regional. Depois de 1496, permaneceram em Castelo de Vide muitas famílias de judeus convertidos ao cristianismo.
Aqui nasceu Garcia da Orta, filho de cristãos novos e autor de Colóquio dos Simples e Drogas da Índia, uma das mais importantes obras da ciência médica e botânica do século XVI.
A Judiaria de Castelo de Vide ocupava uma zona junto da porta principal do Castelo, entre o mercado e a Fonte da Vila. Estendia-se pelas ruas medievais da Fonte, do Mercado, do Arçario, do Mestre Jorge e da Judiaria e ainda pelas actuais Rua dos Serralheiros e Rua Nova.
Como conjunto arquitectónico e urbanístico, esta judiaria é a que se encontra mais bem preservada em todo o País. O núcleo da sinagoga e os edifícios envolventes são muito significativos e traduzem a organização espacial da comuna judaica na Idade Média.
Vários portais e janelas góticas, alguns com elementos simbólicos da época, testemunham a antiguidade e a qualidade deste património edificado no centro histórico de Castelo de Vide.
A antiga Sinagoga localiza-se na esquina da Rua da Judiaria com a Rua da Fonte. Como em Tomar, trata-se de uma habitação adaptada. O edifício, hoje restaurado e valorizado como património arquitectónico e área museológica, apresenta no piso térreo o espaço de culto, onde se julga ter sido o tabernáculo aberto numa das paredes da casa.
Num compartimento separado, como era habitual, ficava o espaço destinado a acolher as mulheres e noutro anexo ficava a escola, com entrada por uma porta ogival similar às duas que dão acesso à entrada da Sinagoga na Rua da Judiaria.
Outros edifícios, na mesma rua, terão pertencido ao conjunto onde se instalaram os diversos serviços cívicos e religiosos dos judeus locais. Após a expulsão, este edifício sofreu várias alterações e apenas nos anos 70 deste século foi redescoberto o tabernáculo e restaurada a sua traça primitiva.
Os estudos arqueológicos que se fizeram na altura do restauro permitiram encontrar no piso interior três silos para guardar cereais, escavados em granito, na base do edifício. Castelo de Vide é hoje um dos centros turísticos mais visitados por judeus de todo o mundo.

3. Évora

Nesta antiga cidade alentejana que muitas vezes acolheu a Corte, existiu uma das maiores judiarias do País. No século XIV, as autoridades judaicas entraram em negociações com a Câmara Municipal para que o seu espaço urbano fosse ampliado, de modo a abrigar convenientemente o grande número de habitantes que a comuna então possuía.
Embora o tecido urbano de Évora seja ainda medieval, a localização e extensão da judiaria é hoje imprecisa. Ficava entre as portas do Alconchel e do Reimondo (entre a Rua do Tinhoso e a Rua dos Mercadores, seguindo algumas travessas até à Rua do Reimondo), abrigando no seu interior duas sinagogas, a midrash, os banhos, o hospital e uma gafaria.
Na área da antiga judiaria encontram-se vários portais góticos que pertenceram a casas de habitantes da comunidade, que se dedicavam ao comércio e a actividades artísticas e intelectuais.
Faz parte do acervo do Museu Regional de Évora uma pedra tumular com inscrições em hebraico, datada de cerca de 1378, por Samuel Schwartz. Foi encontrada em Beja no final do século XVIII e em 1868 transferida para este museu.
Na Biblioteca Pública de Évora, na secção de incunábulos, pode também apreciar-se um dos raros exemplares da edição de 1496 do Almanaqch Perpetuum do sábio Abraão Zacuto.
4. Monsaraz
Em Monsaraz, uma das vilas medievais portuguesas mais bem preservadas, existiu uma judiaria dentro das muralhas nas imediações da Rua Direita. Este centro histórico, que no passado acolheu muitos judeus e "marranos" vindos de Espanha, apresenta hoje um conjunto muito uniforme de ruas e edifícios da época.

A expulsão (David Landes)

O historiador David Landes viu na expulsão das comunidades judaicas da Península Ibérica no século XVI um factor prejudicial para as sociedades e economias ibéricas, anunciando o declínio de Portugal e Espanha no concerto da nações, então no auge da sua influência. Em A riqueza e pobreza das nações, relata Landes:
"Quando os portugueses conquistaram o Atlântico Sul, eles estavam na linha da frente das técnicas de navegação. A abertura para a aprendizagem com sábios estrangeiros, muitos deles judeus, tinha trazido conhecimento que se traduzia directamente na aplicação prática, e quando em 1492 os espanhóis decidiram obrigar os seus judeus a adoptar o Cristianismo ou a sair, muitos encontraram refúgio em Portugal, então com uma política mais relaxada face ao Judaísmo.
Mas em 1497, pressão da Igreja e de Espanha levou a coroa portuguesa a abandonar esta tolerância. Cerca de 70.000 judeus foram forçados a um baptismo meramente formal.
Em 1506, Lisboa viu o seu primeiro pogrom, que matou dois mil judeus "convertidos" (a Espanha já vinha fazendo o mesmo desde há duzentos anos). A partir daí a vida intelectual e científica de Portugal desceu a um abismo de intolerância, fanatismo e pureza de sangue. O declínio foi gradual.
A Inquisição portuguesa foi instalada apenas na década de 1540 e queimou o seu primeiro herético em 1543; mas só se tornou cruelmente amedrontante a partir de 1580, após a união das coroas portuguesa e espanhola sob a pessoa de Filipe II de Espanha.
Entretanto, os cripto-judeus, incluíndo Abraão Zacuto e outros astrónomos, acharam a vida em Portugal suficientemente perigosa para saírem em grandes números. ...
Os cientistas, matemáticos e físicos cripto-judeus do passado tinham saído. Nenhuma outra minoria dissidente apareceu para tomar o lugar deles... se os ganhos da troca de mercadorias são importantes, esses ganhos são ainda pequenos comparados com os ganhos da troca de idéias".
Jorge Martins, autor da obra Portugal e os Judeus:
A desestruturação mental que o baptismo forçado e a acção inquisitorial operaram na sociedade portuguesa, obliterou o convívio inter-religioso e intercultural que se estava a construir ainda antes da fundação da nacionalidade e se aprofundou durante os séculos XII a XV.

Fonte: http://tipografos.net

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