Linha de trem chega ao Contestado, expulsa caboclos e dá início a uma guerra
Batalha entre grupo de cablocos e um coronel militar foi o estopim para o conflito que deixou milhares de mortos
11 de fevereiro de 2012 | 18h 00
Leonencio Nossa e Celso Júnior, O Estado de S. Paulo
Eles eram crianças quando, em 1912, tropas do Exército e agentes policiais desembarcaram nos sertões de Santa Catarina e Paraná para combater seus pais, mães, tios e avós que pegaram em facões de pau e velhas espadas farroupilhas e julianas, num movimento contra o projeto de uma ferrovia em suas posses de terra e os desmandos de lideranças emergentes da República, proclamada duas décadas antes.
Às vésperas do centenário da Guerra do Contestado, a maior rebelião civil do País no século 20, que agitou o Sul entre os anos de 1912 e 1916, o Estado investigou o paradeiro das últimas testemunhas do conflito que deixou um saldo estimado de 10 mil mortos. Altino Bueno da Silva, hoje com 108 anos, Maria Trindade Martins, 105, e Sebastiana Medeiros, 102, foram localizados em porões de casas e barracos de bairros pobres, numa investigação jornalística de 12 meses, para dar a versão dos derrotados sobre os cem dias decisivos da vitoriosa campanha militar (dezembro de 1914 a abril de 1915) comandada pelo general Fernando Setembrino de Carvalho - o cerco, a tomada e a destruição do reduto caboclo de Santa Maria, principal acampamento dos revoltosos, no atual município catarinense de Timbó Grande, a 400 quilômetros de Florianópolis.
A luta sertaneja marcou uma área de 30 mil quilômetros quadrados, maior que Alagoas e o Haiti, ainda hoje uma região tratada como "maldita" pelo Poder Público - as terras do Contestado, cercadas por cidades colonizadas por europeus e com padrões de primeiro mundo, apresentam índices de desenvolvimento humano equivalentes a rincões pobres do Nordeste. É uma história de renegados em pleno Sul do Brasil.
As memórias de infância de três brasileiros que sobreviveram a uma guerra militar e enfrentam a guerra da pobreza, ultrapassando cem anos de idade numa região onde a expectativa de vida é inferior à média nacional, foram confrontadas com todos os documentos militares que se têm registro sobre o Contestado - duas mil páginas de relatórios e fotografias. As lembranças dos "meninos", que surgem lentamente, influenciadas durante anos pelos relatos de adultos, e os papéis amarelados dos vencedores, retirados de caixas de um arquivo do Rio de Janeiro, usado pelos pesquisadores do tema, embora com suas versões distintas, compõem um mosaico de violações de direitos humanos que não tinha sido visto desde o massacre das revoltas regenciais. A aproximação entre o passado e o presente fica ainda mais nítida na análise das ações e prioridades dos governos em Santa Catarina, um Estado reconhecido por sua pujança econômica.
Prisioneiros. Em 1910, a Brazil Railway Company, subsidiária da holding Lumber Company, criada pelo empresário norte-americano Percival Farquhar, concluía a construção do trecho da ferrovia São Paulo- Rio Grande do Sul no território disputado por Santa Catarina e Paraná, o Contestado. Quatro mil ex-detentos e miseráveis de Santos, Rio de Janeiro e São Paulo recrutados para as obras foram demitidos e expulsos de cabanas de palha levantadas nas margens da estrada.
A Lumber conseguiu concessão do governo para explorar pinhos e imbuias nos 15 quilômetros de cada lado da ferrovia. Os renegados engrossaram redutos formados por caboclos nativos que, por orientação de monges andarilhos, pregavam nos desertos sulistas a chegada do exército celeste de São Sebastião, chefiado por uma tropa de elite chamados de os "Pares de França", figuras de histórias medievais reproduzidos em folguedos de origem portuguesa e folhetins.
Fonte: ESTADO DE SP
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Após a guerra, o general gaúcho Setembrino de Carvalho (1867-1947) voltou prestigiado para a capital federal. Os rumores de que tinha superfaturado preços de rações e munições se restringiam à caserna. Ele foi nomeado ministro da Guerra pelo presidente Artur Bernardes (1922-1926), um dos governos mais criticados por violações de direitos humanos da República, por fuzilamentos de presos políticos e bombardeios de áreas civis.
O coronel cearense Tertuliano de Albuquerque Potyguara (1873-1957) tentou levar adiante a imagem de oficial destemido e brilhante. Em 1918, embarcou para a Europa, onde se juntou ao 70º Batalhão de Caçadores do Exército Francês, que atuou Primeira Guerra Mundial. Foi ferido em combate. Na crise militar de 1922, num acalorado debate no Clube Militar, chamou de "cretino" o tenente Gwyer de Azevedo, adversário de seu grupo na instituição. Azevedo rebateu: "Cretino é Vossa Excelência. Não estamos no Contestado, onde Vossa Excelência mandava fuzilar a torto e a direita".
Potyguara sempre esteve ao lado do governo, ajudando a reprimir os movimentos revoltosos dos 18 do Forte e do movimento de 1924 em São Paulo. Nesse ano, no Rio, perdeu um braço ao abrir uma correspondência com explosivo, enviada por um militar desafeto. Mesmo com apenas um braço, atuou na repressão aos paulistas que voltaram a pegar em armas contra o governo federal, em 1932. Potyguara chegou a general do Exército e foi eleito deputado federal pelo Ceará, mas não foi longe na vida pública e em cargos militares. Morreu em 1957, aos 84 anos.
O general Francisco Raul d´Estillac Leal passou o resto de seus dias tentando justificar o motivo de não dar apoio ao "destemido" capitão Potyguara e não obter sucesso na tomada de Santa Maria. Era criticado por jogar a culpa nos subordinados. Um de seus filhos, Newton Estillac Leal, foi ministro da Guerra nos anos de 1951 e 1952 do governo constitucionalista de Getúlio Vargas. Caiu após uma forte campanha de setores da imprensa que o acusavam de acolher comunistas em seu gabinete e ser uma das vozes decisivas para Vargas não mandar tropas para a Guerra da Coréia. Ao aceitar a demissão de Estillac Leal, Vargas admitia seu enfraquecimento e dava início ao processo de sua própria queda, em 1954.
Fonte: ESTADO DE SP
Fonte: ESTADO DE SP
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Líderes da repressão foram 'lavar roupa suja' em público
Passada a guerra, Setembrino foi prestigiado e Potyguara saiu como fuzilador
11 de fevereiro de 2012 | 20h 48
Leonencio Nossa e Celso Júnior
Após a guerra, o general gaúcho Setembrino de Carvalho (1867-1947) voltou prestigiado para a capital federal. Os rumores de que tinha superfaturado preços de rações e munições se restringiam à caserna. Ele foi nomeado ministro da Guerra pelo presidente Artur Bernardes (1922-1926), um dos governos mais criticados por violações de direitos humanos da República, por fuzilamentos de presos políticos e bombardeios de áreas civis.
O coronel cearense Tertuliano de Albuquerque Potyguara (1873-1957) tentou levar adiante a imagem de oficial destemido e brilhante. Em 1918, embarcou para a Europa, onde se juntou ao 70º Batalhão de Caçadores do Exército Francês, que atuou Primeira Guerra Mundial. Foi ferido em combate. Na crise militar de 1922, num acalorado debate no Clube Militar, chamou de "cretino" o tenente Gwyer de Azevedo, adversário de seu grupo na instituição. Azevedo rebateu: "Cretino é Vossa Excelência. Não estamos no Contestado, onde Vossa Excelência mandava fuzilar a torto e a direita".
Potyguara sempre esteve ao lado do governo, ajudando a reprimir os movimentos revoltosos dos 18 do Forte e do movimento de 1924 em São Paulo. Nesse ano, no Rio, perdeu um braço ao abrir uma correspondência com explosivo, enviada por um militar desafeto. Mesmo com apenas um braço, atuou na repressão aos paulistas que voltaram a pegar em armas contra o governo federal, em 1932. Potyguara chegou a general do Exército e foi eleito deputado federal pelo Ceará, mas não foi longe na vida pública e em cargos militares. Morreu em 1957, aos 84 anos.
O general Francisco Raul d´Estillac Leal passou o resto de seus dias tentando justificar o motivo de não dar apoio ao "destemido" capitão Potyguara e não obter sucesso na tomada de Santa Maria. Era criticado por jogar a culpa nos subordinados. Um de seus filhos, Newton Estillac Leal, foi ministro da Guerra nos anos de 1951 e 1952 do governo constitucionalista de Getúlio Vargas. Caiu após uma forte campanha de setores da imprensa que o acusavam de acolher comunistas em seu gabinete e ser uma das vozes decisivas para Vargas não mandar tropas para a Guerra da Coréia. Ao aceitar a demissão de Estillac Leal, Vargas admitia seu enfraquecimento e dava início ao processo de sua própria queda, em 1954.
Fonte: ESTADO DE SP
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