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Advogado - Nascido em 1949, na Ilha de SC/BR - Ateu - Adepto do Humanismo e da Ecologia - Residente em Ratones - Florianópolis/SC/BR

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sábado, 21 de abril de 2012

Pastor acusou outra evangélica de ser filha do diabo e mandou-a tratar-se com Deus: "Tomou um pau" da Justiça catarinense

Apelação Cível n. 2009.043906-4, de Palhoça
Relator: Des. Monteiro Rocha


DIREITO CIVIL - OBRIGAÇÕES - RESPONSABILIDADE
CIVIL - DANO MORAL - OFENSA À HONRA DA AUTORA -
MALEDICÊNCIAS, POR PASTOR DE ASSEMBLEIA DE DEUS,
EM FRENTE A CULTO - ACTIO DIRECIONADA CONTRA
PASTOR - ILEGITIMIDADE DA ÚLTIMA RECONHECIDA EM
SENTENÇA - PROCEDÊNCIA DA AÇÃO CONTRA PASTOR -
INCONFORMISMO DO RÉU - OFENSAS IRROGADAS EM
LEGÍTIMA DEFESA DA IGREJA E DA FÉ QUE PROFESSA -
ALEGAÇÃO AFASTADA - AUSÊNCIA DE PROVA DO DANO
MORAL - AFASTAMENTO - QUANTIA INDENIZATÓRIA
EXACERBADA - INOCORRÊNCIA - PROVA CONTRÁRIA À
ALEGAÇÃO DO PASTOR - DANOS MORAIS PRESUMIDOS -
AFETAÇÃO DA HONRA SUBJETIVA - REPERCUSSÃO NA
INTIMIDADE DA VÍTIMA - DEVER DE INDENIZAR
PATENTEADO - QUANTUM REPARATÓRIO ÍNFIMO - FALTA
DE RECURSO VOLUNTÁRIO - RECURSO IMPROVIDO -
CERTIDÃO DE URH'S EM FAVOR DA ADVOGADA DA AUTORA - REQUERENTE VENCEDORA - HONORÁRIOS ESTATAIS INDEVIDOS - SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE, EX OFFICIO.

Inocorre excludente de legitima defesa quando comprovado
que as ofensas proferidas por Pastor evangélico contra autora
iniciaram sem que esta tenha dirigido qualquer palavra contra o
ofensor, sua igreja ou sua crença.
Ofensa irrogada por Pastor, em afronta aos princípios constitucionais da solidariedade, da igualdade e da fraternidade, contra pessoa que professa outra religião, caracteriza ato ilícito contrário à liberdade de crença religiosa da vítima, sendo presumido o seu constrangimento moral.
Nega-se a pretensão de reduzir o valor indenizatório fixado
modicamente, pela ausência de razoabilidade e
proporcionalidade, obstando-se ainda a majoração por falta de
recurso voluntário da interessada.
Indefere-se a remuneração estatal pelo ofício de defensoria
pública - instituída em Santa Catarina através da Lei
Complementar n. 155/97 - ao advogado constituído nos autos por
procuração, mormente quando o mandante é vencedor na causa
e o réu possui condições para arcar com os honorários fixados na
sentença.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2009.043906-4, da comarca de Palhoça (1ª Vara Cível), em que é apelante Amilton de Souza, sendo apelada Zenaide Delfino Monteiro:
A Quinta Câmara de Direito Civil decidiu, por votação unânime, negar provimento ao recurso e, ex officio, indeferir a concessão de URH's em favor da advogada da autora. Custas na forma da lei.
Participaram do julgamento, realizado nesta data, os Exmos. Srs.
Desembargadores Henry Petry Junior e Jairo Fernandes Gonçalves.
Florianópolis, 22 de março de 2012.
Monteiro Rocha
PRESIDENTE E RELATOR
Gabinete Des. Monteiro Rocha
 

RELATÓRIO
 

Na comarca de Palhoça, Zenaide Delfino Monteiro, devidamente
qualificada, ajuizou ação indenizatória contra Igreja Assembleia de Deus e Amilton de Souza, também qualificados na inicial, alegando que, no dia 2 de março de 2006, conversava com sua filha e o namorado desta, em frente à sua residência na rua Altino Martins, 2ª Travessa quando o Sr. Amilton de Souza, dirigente da igreja
requerida que funciona em frente à casa da demandante, saiu da entidade religiosa gritando que "a Sr.ª Zenaide é filha do Diabo e que tem que se tratar com Deus" (fl. 02).
Sustenta que fiéis participantes do culto e transeuntes, inclusive
conhecidos da autora, presenciaram os fatos, trazendo grande desconforto moral à autora, que ficou diversos dias chorando em casa, proibida de sair da residência em razão da vergonha que sentiu pelas maledicências praticadas pelo requerido Amilton
de Souza.
Argumenta que, em Delegacia de Polícia onde foi registrado boletim de ocorrência sobre os fatos, o requerido confirmou as palavras que havia dito dias antes, persistindo na conduta ilícita de denegrir a imagem e a dignidade da autora, pelo que requereu a condenação dos réus - a Igreja Assembleia de Deus e Amilton
de Souza na condição de seu pastor - ao pagamento de indenização por danos morais não inferior a dez mil reais, mais custas processuais e honorários advocatícios.
Despachando a inicial, o magistrado a quo deferiu assistência judiciária gratuita à autora e determinou a citação dos réus.
Regularmente citados, os réus, em peça única, ofereceram contestação arguindo, em preliminar, a ilegitimidade passiva ad causam da Igreja Assembleia de Deus ao argumento de que o requerido Amilton de Souza não é empregado, preposto ou responsável pela congregação; estava do lado de fora da Igreja por ocasião dos fatos; não proferia palestra alguma, sendo praticante do credo religioso e frequentador dos cultos, porém sem possuir qualquer atribuição de pastorado dentro da igreja ré.
No mérito, alegam os réus a ausência de calúnia, difamação ou injúria na atitude do réu Almiton de Souza, que se limitou a repreender provocações da autora direcionadas aos freqüentadores da Igreja e que esta, em sua inicial, não comprovou a ocorrência de danos passíveis de indenização, pelo que requereram o reconhecimento da ilegitimidade passiva ad causam da igreja ré e a improcedência do pedido inicial.
Impugnação à contestatória às fls. 81/84.
Em saneador (fl. 85), o magistrado postergou a apreciação da preliminar de ilegitimidade passiva ad causam para ocasião oportuna, designando audiência de conciliação, instrução e julgamento para a oitiva da prova oral e dos depoimentos das
partes.
Frustrada a tentativa conciliadora, ouviram-se testemunhas às fls. 93/98 e, posteriormente, às fls. 100/104.
Alegações finais pela autora às fls. 107/109 e, pelos réus, às fls.
112/117; aquela postulando a procedência da ação e esses sua improcedência, com o acolhimento da preliminar suscitada em contestação.
Sentenciando (fls. 118/132), o Magistrado a quo acolheu a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam em relação à ré Igreja Assembleia de Deus, condenando a autora ao pagamento de 15% das custas processuais e honorários advocatícios que arbitrou em duzentos reais, suspendendo a cobrança da verba aludida em face dos benefícios da assistência judiciária gratuita deferida em favor da autora.
Outrossim, julgou procedente o pedido exordial em relação ao réu
Amilton de Souza, condenando-o ao pagamento de danos morais no valor de hum mil e quinhentos reais, corrigidos a partir do julgamento e com incidência de juros moratórios a partir do ilícito, mais 85% de custas processuais e honorários advocatícios que fixou em 20% sobre o valor condenatório.
Irresignado, apenas o réu Amilton de Souza interpôs Recurso de
Apelação (fls. 125/132), requerendo a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido exordial ou reduzir o valor  indenizatório fixado.
Contrarrazões às fls. 138/140.
É o relatório.
Gabinete Des. Monteiro Rocha
VOTO
1 Admissibilidade do recurso
A certidão de fl. 125 revela a tempestividade do recurso e a procuração de fl. 39 a regularidade na representação processual do apelante, que por ter sido condenado pela sentença monocrática, possui os pressupostos subjetivos para recorrer.
2 Dever de indenizar
O art. 186 do Código Civil descreve o ato ilícito como "aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito".
O dever de indenizar em relações não contratuais, aplicável à
responsabilidade civil decorrente de ofensas verbas, decorre do disposto no art. 927 do Código Civil, segundo o qual "aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Tratando sobre os pressupostos da responsabilidade civil, o
desembargador e doutrinador paulista Carlos Roberto Gonçalves pontua os quatro elementos essenciais da responsabilidade civil extracontratual: "ação ou omissão, culpa ou dolo do agente, relação de causalidade e o dano experimentado pela vítima" (GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8ª ed. São  Paulo: Saraiva, 2003, p. 31).
Ato lesivo é toda ação ou omissão voluntária que viola direito ou causa prejuízo a outrem. Culpa, a seu turno, que em sentido amplo envolve o dolo, é a vulneração a um dever jurídico que possibilita a imputação do ilícito a alguém, em virtude da reprovação social daí decorrente. Dano é toda lesão a bens ou interesses juridicamente tutelados, sejam de ordem patrimonial, sejam de ordem puramente
moral (AGOSTINHO ALVIM, Da Inexecução das Obrigações e suas Conseqüências, Saraiva, 1972, p. 172). Nexo causal é um liame jurídico que se estabelece entre causa (fato lesivo) e conseqüência (dano), de uma tal maneira que se torne possível
dizer que o dano decorreu daquela causa.
2.1 Tese sustentada pelo requerido - legítima defesa - Sustenta o apelante que a autora não demonstrou nos autos o sofrimento moral capaz de gerar a indenização e, alegando que não constitui ilícito os
atos praticados em legítima defesa, conforme assegura o disposto no art. 160, I, do Código Civil de 1916, assim justificou sua  confessada atitude: "se a autora era contumaz em ficar rindo e debochando dos membros da igreja, esta foi justamente repelida por um membro zeloso que entendeu que aquela situação não poderia permanecer como estava entendendo que a exortação seria a
melhor maneira de estancar a blasfêmia.
"E não foi justamente esta ação que JESUS fez quando expulsou os
vendilhões do templo enquanto estes vilipendiavam um lugar que este acreditava  que era santo-"Então se o nosso senhor JESUS, filho de Deus que por seu zelo a sua igreja realizou esta atitude em que esperar de um simples pintor de paredes, mas que também zeloso pela casa de seu Pai- "Assim, o apelante Réu não alegou qualquer fato ofensivo à reputação da Autora, mas apenas defendeu seu credo.
"Ora, as incursões sobre a alegação que o requerido Amilton a chamou de 'filha do diabo e que iria tratar com Deus' nada mais foi do que um desabafo as provocações que a autora já vinha fazendo contra a pessoa do Suplicado" (fl. 128 - razões recursais).
Registra-se, inicialmente, que em se tratando de ilícito praticado após a vigência do Código Civil de 2002, a excludente de ilicitude arguida - legítima defesa - está disciplinada no art. 188, I, com a ressalva do parágrafo único do mesmo dispositivo.
Tratando sobre o conceito de legítima defesa e sua natureza jurídica, a doutrina ensina o seguinte:
"Conceito. É a repulsa, proporcional à ofensa, no intuito de evitar que direito próprio ou de outrem seja violado. O sistema autoriza a defesa da pessoa, de terceiro e também dos bens de ambos, para evitar que ataque injusto cause dano à pessoa e/ou bens. (...).
"Natureza jurídica. É causa de exclusão da antijuridicidade do ato de defesa, tanto no direito civil como no penal" (NERY JÚNIOR, Nelson e NERY, Rosa Maria de
Andrade. Código Civil Comentado. 6ª ed. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2008, p. 371, notas 3 e 4 ao art. 188, I).
Juridicamente, o apelante confessa a narrativa que deu origem ao
pedido inicial, mas qualifica-a como atitude lícita porque praticada em legítima defesa de sua religião ou em resposta aos deboches praticados pela autora apelada.
Nem a tese de legítima defesa, nem os deboches mencionados foram provados no processo.
A prova testemunhal consistiu em três testemunhas  compromissadas e duas descompromissadas por possuírem laços com a igreja  requerida. Todas as testemunhas - compromissadas ou não - confirmam que no dia dos fatos narrados na inicial, o réu dirigiu-se à autora, repreendendo-a nos temos da inicial.
As testemunhas descompromissadas afirmam que a autora debochava dos freqüentadores da igreja ré, mas não especificam as datas em que tais deboches ocorreram ou em que consistiram. As testemunhas compromissadas, por sua vez, afastam essa versão, dizendo que a autora não realizava qualquer ataque ao requerido ou à igreja ré.
De qualquer sorte, em um dos depoimentos das testemunhas
descompromissadas tem-se elemento suficiente para afastar a tese de legítima defesa porque Odete Souto de Araújo afirmou que, no dia dos fatos, o requerido dirigiu-se à autora sem que esta tenha dito alguma coisa ao requerido.
Neste sentido:
Odete Souto de Araújo, arrolada pela Igreja - fl. 101: "(...) o requerido Amilton saiu do interior da Igreja e repreendeu a autora porque esta estava invadindo nossa privacidade (...) indagada se a autora disse algo para o requerido respondeu 'que eutenha visto não".
Verifica-se, portanto, que as testemunhas que não depuseram mediante compromisso legal, não imputam à autora qualquer prática no dia dos fatos que justificasse a atitude do réu Amiltom de Souza, além de confirmarem a atitude do réu em dirigir palavras - ofensivas ou não - à autora.
Ausente prova de que a autora apelante estava violando (ou prestes a violar) direito do réu, de sua crença ou de sua Igreja, não há que se falar em repulsa proporcional para evitar a violação de direito.
Assim, a tese de legítima defesa própria e de terceiro está afastada.
2.2 Dano
Quanto à alegação de inocorrência de dano à vítima e objetivando aferir se a conduta do réu Amilton de Souza ofendeu a honra da autora, observa-se a prova testemunhal compromissada:
Josefina Eli Cordeiro dos Santos - fls. 94/95: "o requerido Amilton circula[va] ao redor da autora Zenaide, tendo proferida[o] em diversas oportunidades a expressão 'sua filha do diabo', bem como 'você vai se ver com Deus' (...) que além da autora e réu, também visualizou encontra[r]-se na rua a filha daquela e o namorado da
mesma; que havia outras pessoas no interior da igreja porque era dia de culto (...) que, ao [ser] indagada qual fora a postura da demandante quando o réu lhe dirigiu as palavras, dizendo que nada fizera e que a autora 'só chora'; que cinco vizinhos procuraram-na questionando se tinha ouvido a gritaria, aduzindo ter escutado; que
tais vizinhos moram próximos a sua residência (...); que entre 15 dias 1 mês após o fato, acredita que o réu Amilton não mais estivesse realizando cultos naquela igreja (...); que disseram-lhe que o requerido era pastor e dirigente da igreja, embora nunca tenha conversado com o mesmo sobre isso; (...) indagada se a autora fez alguma crítica à igreja, respondeu que em determinada  portunidade perguntou-lhe 'como é que tu agüenta um barulho desses', tendo a autora lhe respondido 'eu até gosto de ouvir os hinos, porque é a palavra de Deus'; que desconhece qualquer ato que pudesse ter sido realizado pela autora em desabono à igreja, sendo esta razão pela
qual não entende porque motivo ocorreu o incidente (...)".
Elza D. dos Santos - fl. 96: "vislumbrou o demandado proferir, aos gritos, palavras ofensivas à requerente dizendo que a mesma era 'filha do diabo' e que a mesma 'vai se entender com Deus';  vislumbrou que a autora ficou muito nervosa após o ocorrido, tendo as pessoas de ministrar 'água com açucar' objetivando acalmá-la".
Maria de Fátima da Rosa Vieira - fls. 97/98: "ouviu serem  proferidos diversos impropérios, dentre os quais salienta 'demônio', 'filha do demônio' e afirmando 'você vai ter um encontro com Deus'; que no dia seguinte sua vizinha Eli informou-lhe que a discussão envolvia a autora e o 'pastor da igreja', aduzindo que o mesmo sempre fazia culto ali; (...) indagada sobre quais foram as reações da autora quando lhe contou sobre os fatos, respondeu que a mesma se encontrava 'muito nervosa' (...) que durante a discussão só ouvia 'uma pessoa gritar' (...) que nunca ouviu nenhuma
crítica que a autora pudesse ter feito à igreja; que ouvia exclusivamente a voz do requerido Amilton realizando culto".
A versão apresentada na inicial - além de confessada pelo requerido Amilton de Souza - foi comprovada no processo por referidas testemunhas, as quais, inclusive, confirmam a inocorrência da legítima defesa.
Aliás, a prova testemunhal demonstra que o réu Amilton de Souza de Souza atuava, por ocasião dos fatos, como Pastor do culto que se realizava no templo da Igreja ré.
1 - Neste contexto, equivocado o entendimento da sentença monocrática segundo o qual "o réu Amilton de Souza, apesar de
frequentar e exercer algumas atividades na Igreja ré, não possui nenhum vínculo empregatício ou exerce qualquer função de
direção ou comando. Desta forma, observo que no dia dos fatos o réu Amilton agiu em nome próprio e não em nome da Igreja
Assembleia de Deus, posto que saiu das dependências destas e dirigiu-se à autora proferindo algumas palavras" (fl. 119). De
qualquer sorte, mantém-se a sentença de extinção do feito em relação à ré Igreja Assembleia de Deus, até porque não houve
recurso contra a mencionada extinção.
A ofensa à honra da autora está demonstrada porque Amilton de Souza dirigiu-lhe palavras atentatórias à sua dignidade e,  principalmente, à sua crença religiosa, que difere da crença religiosa do réu, conforme narrativa testemunhal (a autora seria participante da Igreja Deus É Amor).
O comportamento do réu Amilton de Souza foi antijurídico porque ofende a liberdade de crença religiosa, garantida pela Constituição Federal inclusive àqueles que crença alguma desejam ter:
"Todos são iguais perante a lide, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
"VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias".
A República Federativa do Brasil - laica para muitos; ecumênica para alguns - foi constituída sob a proteção de Deus, conforme consta no preâmbulo da carta magna que, para autores como Georges Vedel, tem caráter cogente e índole obrigatória.
Apesar disso, a conduta do réu não deve ser apreciada sob os preceitos da religião que pratica ou daquela praticada pela autora.
A conduta do réu deve ser examinada de acordo com as normas
elaboradas pelo homem com o intuito de organizar e proteger a vida em sociedade; sociedade esta, a propósito, que assegura a liberdade de consciência e de crença de seus concidadãos numa sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
A prova demonstrou que a autora respeitava a liberdade da Igreja ré e do apelante, inclusive apreciando os hinos dos cultos da primeira ré por serem a Palavra de Deus (segundo afirmado pela testemunha compromissada Josefina Eli, às fls. 94/95); o réu apelante, ao contrário, não agiu da mesma forma, injuriando a
autora, também religiosa, ao qualificá-la como 'filha do diabo' e afirmar que a mesma deveria ' tratar-se com deus'.
O requerido, ao qualificar a requerente como 'filha do diabo', revelou, na condição de ser humano e mais especialmente na situação de pastor, ser fundamentalista, ou seja, que ele vive num mundo bipolarizado, maniqueísta e que tudo gira exclusivamente em princípios absolutos que se excluem entre o bem e o mal
e deus e o diabo.
O julgamento realizado pelo réu apelante acerca da postura e crença religiosa da autora, sob o prisma religioso, não deve ser examinado neste processo.
Entretanto, do ponto de vista legal, a atitude consistiu em afronta à dignidade pessoal da autora Zenaide e de sua crença religiosa.
O Estado brasileiro admite todas as crenças religiosas e proíbe
manifestações contrárias a essa liberdade. Neste sentido, o legislador infraconstitucional, para estabelecer a eficácia da garantia constitucional antes mencionada (art. 5º, VI, da CF/88), inseriu no art. 140 do Código Penal o seguinte parágrafo "se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor,
etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena - reclusão de um a três anos e multa" (art. 140, §3º, do CPC, inserido pela Lei n. 9.459/97 e com redação alterada,  posteriormente, pela Lei n. 10.741/2003).
A conduta do réu apelante, portanto, é contrária ao direito pátrio,
caracterizando-se como conduta ilícita e, em consequência, gerando o dever de indenizar.
O ato ilícito por ele praticado, além de atingir a honra subjetiva da
apelada (circunstância bastante para configurar o dever de indenizar), repercutiu na vizinhança, aumentando o sofrimento experimentado pela vítima.
Como o dano não teve repercussão patrimonial, exsurge do fato
visualizado pelo juiz, que não há necessidade de a autora comprovar os sofrimentos 'psicológicos', como quer o réu apelante.
O constrangimento sofrido pela autora é presumido, na hipótese, por se tratar de constrangimento moral imposto  discriminatoriamente aos seus valores éticos, morais e espirituais.
De qualquer forma, a prova testemunhal confirma o mal estar da vítima em decorrência do ilícito perpetrado pelo suposto pastor.
Assim, tem-se que o réu Amilton de Souza, atuando como pastor da ré Igreja Evangélica Assembleia de Deus, por ação voluntária, violou o direito de crença da autora, causando-lhe ofensa, por discriminação e por falta de solidariedade e fraternidade ao seu patrimônio ético. Por isso, tem o dever de indenizar a autora. É
que a discriminação experimentada pela autora foi decorrente das palavras injuriosas desferidas pelo réu Amilton de Souza, Pastor da ré Igreja Evangélica Assembleia de Deus.
3. Quantum indenizatório
Está assentado em nosso direito que em sede de danos morais o
magistrado deve fixá-los através dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade, adotando valor que não sirva de lucro à vítima e que não desvalorize o patrimônio moral do ofendido.
A quantificação do dano moral deve atender à função reparatória, da qual se reveste a indenização.
Sobre o assunto, oportuno trazer à colação excerto doutrinário de Sergio Cavalieri Filho:
"Razoável é aquilo que é sensato, comedido, moderado; que guarda uma certa proporcionalidade. A razoabilidade é o critério que permite cotejar meios e fins, causas e conseqüências, de modo a aferir a lógica da decisão. Para que a decisão seja razoável é necessário que a conclusão nela estabelecida seja adequada aos
motivos que a determinaram; que os meios escolhidos sejam compatíveis com os fins visados; que a sanção seja proporcional ao dano. Importa dizer que o juiz, ao valorar o dano moral, deve arbitrar uma quantia que, de acordo com o seu prudente arbítrio, seja compatível com a reprovabilidade da conduta ilícita, a intensidade e duração do sofrimento experimentado pela vítima, a capacidade econômica do causador do dano, as condições sociais do ofendido, e outras circunstâncias mais que se fizerem presentes" (in Programa de Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo: Malheiros, 2005, p. 116).
Pondera-se que a valoração do dano moral não se destina a quantificar materialmente a dor vivenciada pela vítima com o ilícito. O sofrimento por ela enfrentado possui caráter subjetivo, é imensurável, sendo impossível atribuir-lhe valor econômico compatível. Nenhum valor, por maior que seja, será capaz de apagar os transtornos morais ocasionados à pessoa lesada. Assim, o montante  postulado não é indenizatório porque a vítima não retorna ao estado moral anterior ao que se encontrava antes do ilícito. O valor é meramente reparatório e objetiva abrandar os
efeitos do abalo sofrido.
Como a fixação de indenizações em patamar elevado deve ser evitada, trago aos autos ensinamento doutrinário do jurista Calmon de Passos, inserto em artigo intitulado "O Imoral nas Indenizações por Dano Moral", entendendo que o prejuízo extrapatrimonial deve ser reparado através de fundamentos éticos e morais:
"Quando a moralidade é posta debaixo do tapete, esse lixo pode ser trazido para fora no momento em que bem nos convier. E  justamente porque a moralidade se fez algo descartável e de menor importância no mundo de hoje, em que o relativismo, o pluralismo, o cinismo, o ceticismo, a permissividade e o imediatismo têm papel decisivo, o ressarcimento por danos morais teria que também se objetivar para justificar-se numa sociedade tão eticamente frágil e indiferente. O ético deixa de ser algo intersubjetivamente estruturado e institucionalizado, descaracterizando-se como reparação de natureza moral para se traduzir em ressarcimento material, vale dizer, o dano moral é significativo não para reparar a ofensa à honra  e aos outros valores éticos, sim para acrescer alguns trocados ao patrimônio do felizardo que foi moralmente  enxovalhado" (Revista Jus Navegandi, 2002, in www.jus.com.br).
No caso dos autos, entendo que a quantia de hum mil e quinhentos reais fixada na sentença, por ser de pequena monta, não  corresponde proporcionalmente ao ato praticado pelo réu.
Todavia, a autora apelada não recorreu da sentença objetivando majorar o valor indenizatório, razão pela qual não há motivo que justifique sua alteração a maior ex officio, até porque a prova do processo indica que o réu é pessoa de poucas posses.
Mantém-se a sentença no que tange à correção monocrática a partir da sentença (Súmula 362 do STJ), aos juros de mora a contar do evento danoso (art. 398 do CC e Súmula 54 do STJ), bem como ao valor dos honorários advocatícios arbitrados em favor da advogada da apelada, uma vez que não houve recurso para alterar o percentual.
Por fim, pequena correção deve ser feita ex officio na sentença
monocrática para afastar a remuneração estatal à procuradora que subscreveu a petição inicial, em face do disposto no art. 17, I (ser o beneficiário vencedor na ação) e II (apresentar-se o beneficiário com advogado constituído) da L ei Complementar n.155/97.
Ante o exposto, nega-se provimento ao recurso do réu e, ex officio,
indefere-se a concessão de URH's em favor da advogada da autora.

É o voto.
Gabinete Des. Monteiro Rocha

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