A anencefalia dos fanáticos
José de Souza Barbosa Junior, no Crer também é pensar*
Há cerca de duas semanas, um fato estarrecedor aconteceu em nossa
cidade, merecendo apenas poucas páginas em nossos jornais. Creio que
esse fato deveria gerar uma reação bem maior do que apenas umas poucas
linhas jornalísticas. Era um fato para reunir em protestos grupos de
direitos humanos, ativistas políticos, estudantes de medicina, etc…
Refiro-me à morte de um bebê aos 7 minutos de vida, por anencefalia
(má formação que gera cérebro rudimentar e sem calota craniana) , fruto
da desgraça imposta a duas vidas inocentes: a criança, chamada
ironicamente de Maria Vida, e a mãe, uma menor conhecida apenas por suas
iniciais G.O.C.
G.O.C., depois de descobrir a deficiência de seu bebê, o que
resultaria em sua morte logo após o nascimento optou por abortar, tendo
em vista que a anencefalia torna impossível a chance de vida em
circunstâncias normais. Ao tornar pública sua decisão, G.O.C. foi levada
à justiça para que recuasse da decisão tomada. Por pressão de órgãos de
defesa da vida e da Igreja, G.O.C. foi levada a abdicar de sua decisão,
mesmo sabendo o que acarretaria sua escolha.
O fanatismo religioso mais uma vez se fez presente. Aliás se
analisarmos a história da humanidade, grandes catástrofes foram causadas
por aqueles que se julgam representantes de Deus na Terra. Para os
fanáticos não existem possibilidades, existem certezas. Como diria
Oswaldo Montenegro em um de seus shows gravados ao vivo: “Nunca vi um
imbecil hesitar!” Os loucos e fanáticos têm sempre certeza. Sartre já
dizia que “a dúvida é o preço da pureza”.
Infelizmente somos obrigados a assistir barbáries como essa que vimos
em nossa cidade simplesmente pelo bel prazer de fanáticos que, em nome
de Deus, se sobrepõem à dignidade humana e ao verdadeiro direito à vida.
Sim, o verdadeiro direito à vida quem deveria ter era a mãe que,
sabendo da impossibilidade de vida de sua filha, havia decidido
interromper a gravidez para não haver mais sofrimentos, nem dela e nem
da criança. Não teve direitos… foi obrigada por pessoas que nem sequer a
conheciam a levar até o fim o velório silente de sua filha em seu
ventre… criança destinada à morte, mãe predestinada ao sofrimento…
homens tolos que se sentem donos da vida… e da morte.
Até quando seremos reféns dos homens-deuses que se julgam no direito
de mandarem nas vidas alheias? Até quando o fanatismo religioso
continuará a comandar atrocidades em nome daquele que certamente
condenaria tudo isso? Até quando nos veremos presos à vontade imperiosa
de organizações que deveriam se importar com outras coisas? O fanatismo
religioso é, sem dúvida alguma, uma das maiores pragas da humanidade.
A falta de equilíbrio no relacionamento com o divino leva homens e
mulheres à loucura, e o pior, julgando-se donos da razão. Em nome de
Deus muçulmanos radicais explodem torres, trens e vidas. Em nome de Deus
católicos e protestantes se matam na Irlanda. Em nome de Deus o clero
já levou milhares às fogueiras “santas” da inquisição católica. Em nome
de Deus o protestante Bush arrasou o Iraque. Em nome de Deus
protestantes mataram católicos que não aceitaram sua reforma no século
XVI. Em nome de Deus… Em nome de Deus…
Diante de tudo… só nos resta implorar sem fanatismo:
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo… tende piedade de nós!
Cordeiro de Deus, que tirais o pecado do mundo… dá-nos a paz!
Amém!
*texto publicado originalmente em 2004
foto: Vigília de grupo de religiosos em frente ao prédio do Supremo Tribunal Federal (Sérgio Lima/Folhapress)
Fonte: PAVABLOG
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