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quinta-feira, 19 de abril de 2012

Juízes estão sujeitos ao Código Civil e ao Código Penal




Tenho lido, visto e ouvido na mídia em geral, e com cada vez maior frequência, no atual contexto de ampla exposição do Poder Judiciário, afirmações equivocadas quanto às possibilidades de punição a infrações legais cometidas por magistrados.
O maior engano dessas afirmativas é o de que os juízes somente são puníveis com aposentadoria compulsória integral, o que configuraria privilégio injustificável, agressivo ao princípio da isonomia, e ademais existente unicamente no Brasil, como uma insólita jabuticaba judiciária tupiniquim.
Outro é o de considerar inaceitável que, quando um magistrado erra e causa dano, e o cidadão lesado ingressa com uma ação e ganha, quem paga a indenização é o Erário, e não o magistrado responsável.
É preciso desfazer esses equívocos.
E é melhor começar pelo segundo, que é mais simples.
Efetivamente, quando um agente público lesa um particular e este ingressa com a ação de reparação de dano, quem vai pagar pelo erro é o Erário. Porém isso vale para qualquer agente público, seja juiz ou não. Está na constituição: artigo 37, § 6.º, e é muito bom para o cidadão que seja assim, porque litigando apenas contra o Estado, o cidadão só precisa provar a ação ou omissão, o nexo de causalidade e o dano. Se litigasse contra o agente público, além disso tudo, teria de comprovar a culpa ou dolo deste, o que é complicado.
Eu, seguindo opinião de muitos e bons juristas, acho até que o lesado, querendo, podia litigar desde logo contra o Estado e o agente causador do dano. Mas o Supremo Tribunal Federal já pacificou que tem de ser só contra o ente público, que poderá, posteriormente, acionar o agente (é o chamado direito de regresso). O único problema é que tais ações regressivas muitas vezes não são propostas, mas isso não é responsabilidade dos juízes, e sim dos gestores públicos e da advocacia pública...
De todo jeito, o magistrado ocasionador de possível prejuízo ao Erário (como qualquer outro agente público, repita-se), está sujeito a uma ação de regresso para repor financeiramente tal lesão.
Desfeito o segundo equívoco, é o caso de analisar o principal, consistente em dizer-se que, qualquer que seja a infração ou ilegalidade cometida por magistrado, a pena máxima será, tão-somente, aposentadoria compulsória. Ainda mais: com a integralidade dos proventos!
Com todo o respeito, não é assim.
Não existe um só dispositivo na Constituição da República que diga isso.
Não existe lei nenhuma dando respaldo a tal afirmação.
Ao contrário. A Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman) prevê, como sanções disciplinares para os magistrados (art. 42), numa escala que vai da mais leve à mais grave: advertência; censura; remoção compulsória; disponibilidade com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; aposentadoria compulsória com vencimentos proporcionais ao tempo de serviço; e demissão (no caso desta última, em atenção à garantia da vitaliciedade, prevista no art. 95, I, da Constituição da República, por decisão judicial transitada em julgado).
Portanto, não tem essa de aposentadoria compulsória sempre integral. Vai tê-la o magistrado, mesmo punido com essa sanção, que já tiver tempo suficiente, não aquele que ainda não o integralizou.
Muito menos vale a ideia de que a aposentadoria compulsória é a única pena que pode ser aplicada aos juízes.
Não!
Isso é uma lenda urbana, altamente nociva à magistratura e ao Judiciário, que de tão repetida está ganhando foros de verdade.
É tão absurdo esse pensamento, que, se fosse verdade, um juiz poderia assassinar um desafeto e, simplesmente, esperar em casa a aposentadoria, sem nem se preocupar em responder processo ou temer a prisão.
Claro que não é assim.
Os magistrados (juízes, desembargadores, ministros dos tribunais superiores e até do Supremo), além das punições disciplinares de suas corregedorias, conselhos, entre os quais (exceto para os integrantes do STF) o Conselho Nacional de Justiça — que só pode aplicar penalidades administrativas, registre-se —, estão sujeitos a todos os artigos tanto do Código Civil como do Código Penal e de qualquer lei instituidora de sanções!
O juiz é um cidadão igual aos demais.
Se a infração que cometer for apenas administrativa, ele recairá numa daquelas sanções a que me referi, entre as quais a aposentadoria compulsória proporcional.
Se, além de administrativa, essa infração também constituir ilícito civil, ele, cumulativamente, poderá sofrer as sanções civis respectivas (de improbidade, por exemplo; de inelegibilidade; de caráter indenizatório, etc.).
E, se ademais disso tudo, dita infração configurar ilícito penal (delito), ele, também cumulativamente, poderá sofrer as penas criminais cabíveis (inclusive detenção e reclusão, isto é, cadeia!), sendo até possível que perca a aposentadoria.
Pode-se até achar — e a liberdade de opinião é sagrada — que são poucos os magistrados punidos com cadeia. Mas também não são tantos os membros de outros poderes nessa situação. Além disso, é evidente que não são muitos, em números absolutos ou relativos, os juízes que delinquem. Há bandidos de toga, sim (como os há de beca, de jaleco, de macacão, de colarinho de várias cores), mas não são a maioria. Melhor: são, felizmente, uma ínfima minoria, em face do grande número de magistrados que trabalha — e muito — honestamente a bem da Justiça em nosso país.
Portanto, não é possível, com todo respeito, afirmar que existe um privilégio só para o Judiciário e só no Brasil, no que tange às punições aplicáveis aos magistrados.
Não. As prerrogativas da magistratura (e também do Ministério Público), que existem na maioria dos países democráticos, são garantias mais do cidadão que do magistrado.
Afinal, se o juiz não tiver garantias, como poderá ter independência e altivez para decidir — se for o caso — contra os poderes constituídos (mesmo o seu próprio poder!), ou contra os poderes informais, como os econômicos e os de comunicação social?
Na verdade, o único privilégio do Judiciário, ultimamente, tem sido apanhar na mídia. Quando merece, é o jeito; danado é apanhar mesmo quando não está errado.
Se quem bate são pessoas sem qualificação, ou de má-fé, nem adianta responder. Mas quando se vê pessoas sérias e de bom nível repetindo e propagando equívocos, vale a pena tentar fazer um esclarecimento.
Em suma: os magistrados podem sofrer muitas punições além da aposentadoria compulsória. Como essa é a maior sanção que lhes pode ser imposta administrativamente, e, portanto, tende a ser a primeira que é divulgada, quando há um caso que comporta punição, gera-se a impressão de que é a única reprimenda possível. Não é. Há muitas outras, inclusive as privativas de liberdade.
É preciso dizer isso de forma clara, para que a mídia e a sociedade fiquem tranquilas de que os membros do Judiciário, nesse aspecto, não gozam de nenhum privilégio violador da isonomia constitucional.
Marcelo Navarro Ribeiro Dantas Desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, mestre e doutor em Direito pela PUC-SP e professor de Cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito (UFRN/UNI-RN).

Revista Consultor Jurídico, 18 de abril de 2012

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