No canteiro central da Avenida Paulista em frente ao MASP, um grupo de homens carrega dois estandartes com bandeiras douradas de estilo medieval. No centro dos panos se destaca a imagem de Plínio Corrêa de Oliveira, criador da Sociedade Brasileira de Defesa da Tradição, Família e Propriedade (TFP), organização ultra-conservadora cristã.
O movimento que avisto, no entanto, é averso à TFP. Mas segue a doutrina de
seu fundador em um instituto com o nome de Oliveira. “A TFP está na mão de
dissidentes, que seguiram a linha da esquerda católica. Não podemos nos aliar a
eles, somos da mais estrita doutrina católica”, prega Daniel Martins, assessor
de imprensa do grupo.
A afirmação soa como piada. A TFP, como uma das organizadoras da “Marcha da
Família com Deus Pela Liberdade” – que em 1964 convocou os militares a tomarem o
poder no Brasil -, teria urticária à esquerda. Mantém dela, portanto, uma
distância minimamente “segura”.
Abordo Martins poucos segundos após ele terminar de tocar sua gaita de foles.
Uniformizado, ele vira a outros integrantes de um grupo de 35 pessoas e diz com
voz empossada: “Um folheto para o rapaz, por favor. E um livro também.”
“Esses são os livros da campanha, pelos quais denunciamos a ação do movimento
abortista e do movimento homossexual. É uma campanha pacífica, pois a atuação
deste grupos leva a uma perseguição religiosa no Brasil”, esbraveja.
Com semblante sério, o militante faz referência à recente decisão do Supremo
Tribunal Federal (STF) em permitir o aborto em casos de fetos anencéfalos.
“Digamos que [a criança] vai morrer minutos depois do parto, por que não
deixá-la morrer? Por que fazer o aborto? Para abrir as portas para outros tipos
de aborto”, defende, apesar das evidências científicas da impossibilidade de
sobrevivência do feto nestes casos.
Martins tenta embasar seu argumento e envereda para caminhos conspiratórios.
“Muitos dados são produzidos pelas ONGs abortistas, para abrir o campo para a
eugenia e o infanticídio sob o pretexto falacioso de que é direito da mulher
escolher.”
O aborto é inaceitável, conclui, sem delongas. Não demora também para buscar
inspiração no absurdo: “Hitler começou assim, matou os deficientes e depois os
velhos. É uma manobra internacional (pela defesa dos direitos
individuais) com a pressão da ONU para impor no Brasil uma prática
contrária ao povo.”
O assessor de imprensa, de 25 anos, há uma década no movimento, mostra-se
eficientemente doutrinado. Cita o Projeto de Lei Complementar 122, a chamada Lei
da Homofobia, como uma sentença de prisão a “quem é contra a prática
homossexual, mesmo que pacificamente.”
“Uma mãe de família que contrata uma babá para os seus filhos e percebe que
ela é lésbica, não pode demití-la. Mesmo cumprindo todos os direitos
trabalhistas, porque essa lei diz que ela pode pegar entre dois e cinco anos de
cadeia”, brada. Parece desconhecer, no entanto, que a Constituição brasileira
não permite a discriminação por sexo, cor ou sexualidade. As placas dos
elevadores parecem estar sendo ignoradas.
Enquanto caminha pela Avenida Paulista, Martins defende que o homossexualismo
é um vício e, como tal, não pode ser apoiado pelo Estado. “Há tratamento uma vez
que a pessoa se viciou, muitas vezes por causa da má companhia. Temos curas e no
livro há vários casos e doutores que fazem esse tratamento.”
“Eles (como se refere aos homossexuais), não querem que ninguém fale
ou faça nada contra eles. A Igreja pode falar dentro de suas portas, mas fora
não.” Curiosamente, não era possível avistar mulheres no grupo.
Mas e os ateus ou agnósticos contrários ao homossexualismo?, questiono.
“A maior parte da população brasileira é católica ou cristã. A maioria também
é contra [o homossexualismo], então a lógica da democracia diz que seria justo
legislar para ela. Não queremos um Estado que protege, prolifera e ensina nossas
crianças o homossexualismo.” A democracia também prega a defesa de grupos
minoritários e excluidos.
Nos panfletos, o grupo vai além e diz que a adoção de uma criança por casal
homossexual prejudica sua educação e que essa faixa da população é responsável
por uma epidemia de AIDS, pela qual os “aidéticos” (termo abolido há tempos
da medicina por ser depreciativo aos portadores da doença) precisam de um
tratamento caro e oneroso aos contribuintes.
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