Alan Rodrigues, de Porto Alegre, e Francisco Alves Filho
REVISÃO
Oficiais criaram grupo
para adequar normas militares à Constituição de 1988
O capitão paraquedista Luiz Fernando Ribeiro de Sousa está há quase
dois meses proibido de sair de sua residência em uma vila militar na
pacata cidade de General Câmara, a 80 quilômetros de Porto Alegre.
Militar da ativa e oficial do Arsenal de Armas do Rio Grande do Sul,
capitão Fernando, como é conhecido, está preso e sentará no banco dos
réus nos próximos dias diante de um Tribunal Militar que poderá
afastá-lo dos quartéis. Considerado inimigo do Exército brasileiro, ele
fundou há dois anos um movimento, junto com outros capitães, batizado de
Capitanismo – que defende a adequação das normas da caserna à
Constituição Federal. Na prática, Fernando advoga pela reformulação do
Estatuto e do Código Penal Militar, ambos anteriores à Carta Magna de
1988. “Defendemos a manutenção da hierarquia e da disciplina militar,
mas as coisas mudaram nas últimas quatro décadas”, escreveu ele à
presidente da República, Dilma Rousseff, ainda durante a campanha
eleitoral.
Fernando foi candidato do PT a deputado federal no Rio Grande do Sul nas
últimas eleições. Durante a campanha, saiu às ruas defendendo propostas
que causaram extremo desconforto no alto comando do Exército, como mais
democracia nos quartéis, a descriminalização da presença de
homossexuais assumidos nas tropas, assim como a implantação da Comissão
da Verdade, apuração dos crimes praticados por militares durante a
ditadura. O capitão não se elegeu, teve 2.158 votos, mas suas propostas
têm repercutido até hoje.
Também no Rio Grande do Sul, um outro oficial do Exército tem enfrentado
reprimendas severas das Forças Armadas por conta de suas opiniões.
Autor do livro “Exército na Segurança Pública: uma Guerra Contra o Povo
Brasileiro” (editora Juruá), o capitão Mário Soares, lotado no 3º
Batalhão Logístico do Exército, em Bagé (RS), também enfrentou a prisão
domiciliar ao criticar as Forças Armadas. “O Exército não pode mais ser
uma ilha dentro do Estado”, argumenta. O livro, lançado no final de
2010, é resultado do mestrado em ciências penais que ele concluiu no ano
passado e contém críticas ao uso das Forças Armadas no combate ao crime
comum. “O preparo do Exército para desenvolver ações de polícia
enfraquece a Defesa Nacional”, afirma Soares. Para ele, os armamentos
adotados pelos militares em operações na cidade “têm capacidade de
perpassar e destruir várias pessoas, pois os militares têm na força de
seus armamentos a condição única de sua existência”.
Em ambos os casos, o Exército justifica que, oficialmente, os militares
foram confinados em seus respectivos quartéis não pelas opiniões, mas
pelo crime de deserção, ou seja, se afastarem por mais de oito dias
consecutivos da caserna. A mesma estratégia já havia sido adotada com o
casal de sargentos homossexuais Leci de Araújo e Fernando Figueiredo, em
2008. Após se declararem abertamente gays, os dois foram detidos por
deserção. Agora, o Ministério Público Federal investiga se houve
irregularidades na detenção e se houve tortura enquanto os dois estavam
presos no quartel em que eram baseados.
No episódio dos militares do Rio Grande do Sul, não há acusações de
agressão. Mas em ambos os casos os oficiais dizem que foram detidos de
forma irregular. Soares se defende, afirmando que tinha bons motivos
para não estar no quartel na data prevista de seu retorno. O militar foi
passar as festas de fim de ano na Bahia, onde vive sua família, e
encontrou o pai com uma doença degenerativa em estágio adiantado, a mãe
em depressão profunda e procurou ajudar o irmão, deficiente físico, que
mora com os dois. Diante dos problemas, Soares – que é tutor do pai –
resolveu ficar um pouco mais para ajudar e, por fim, o drama familiar
acabou por abatê-lo também. “Um psiquiatra diagnosticou que eu estava
emocionalmente abalado”, explica Soares. “Tive o cuidado de levar o
atestado ao quartel na Bahia no dia 31 de dezembro, para justificar o
fato de não estar presente na data marcada para o regresso.” O documento
não foi suficiente para justificar sua ausência, e ele ficou preso
durante oito dias.
SILÊNCIO
Afastado do Exército desde março,
o capitão Fernando Ribeiro está em
prisão domiciliar há dois meses
Como o companheiro de farda, o capitão Fernando também está sendo
acusado da prática do crime de deserção. Assim que terminaram as
eleições em outubro, o Exército exigiu o retorno imediato do militar ao
trabalho, antes mesmo da publicação oficial dos resultados do Tribunal
Regional Eleitoral, que aconteceu em 3 de novembro. Segundo o militar,
ele não recebeu a ordem: “O Exército enviou a convocatória para um
endereço errado e não para o meu na vila militar onde vivo”. O imbróglio
não para por aí. Ao convocar seu retorno ao quartel, a ordem do Comando
do Sul contraria a decisão do chefe-maior do Exército, general Enzo
Martins Peri, que, em março de 2010, afastou o capitão Fernando das
atividades militares por tempo indeterminado até que ele responda ao
Conselho de Justificação – um tribunal que pode expulsá-lo das fileiras
militares por causa de suas opiniões públicas sobre as Força Armadas. A
decisão de Peri foi baseada em entrevistas que Fernando deu a órgãos de
imprensa e a blogs na internet, em que defendia suas ideias.
De acordo com especialistas em área militar, as Forças Armadas
utilizam-se do artifício da deserção para condenar as vozes dissidentes.
Quem desqualifica a tese de deserção é o procurador aposentado da
Justiça Militar João Rodrigues Arruda. Uma das maiores autoridades
brasileiras sobre direito militar, Arruda explica que o crime não tem
mais lugar entre os oficiais, já que eles não precisam desertar para
sair do Exército. “A qualquer momento, eles podem pedir demissão. Então,
para que praticar um crime?”, questiona Arruda. Procurado para explicar
os motivos das prisões dos dois oficiais baseados no Rio Grande do Sul,
o Exército não quis se pronunciar.
Fonte: ISTO É INDEPENDENTE
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