Dilma precisa explicar suas convicções, diz ministro do Vaticano
UIRÁ MACHADO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
Alçado repentinamente à condição de um dos principais nomes da Igreja
Católica no mundo, dom João Braz de Aviz, arcebispo de Brasília, afirma
que a presidente Dilma Rousseff (PT) precisa explicar melhor o que pensa
a respeito de certos assuntos caros à igreja.
"Não temos uma ideia clara de quem é Dilma do ponto de vista religioso.
Ela precisa explicar melhor as suas convicções religiosas para que o
diálogo possa progredir."
Arcebispo de Brasília comandará um dos 'ministérios' do Vaticano
Segundo Aviz, 63, as posições sobre o aborto que Dilma expressou durante
as eleições não necessariamente representam o que acontecerá sob seu
governo: "Durante a campanha é uma coisa, e na prática o caminho às
vezes é outro".
No dia 4, a igreja anunciou que o papa Bento 16 nomeou dom João prefeito
da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de
Vida Apostólica.
Ele deve assumir o cargo, um dos nove "ministérios" da Igreja Católica, em fevereiro.
Sérgio Lima/Folhapress |
Na entrevista a seguir, Aviz também comenta o crescimento das igrejas
evangélicas e critica o fato de algumas denominações terem "compromisso
fortíssimo com a arrecadação de dinheiro".
Folha - Qual a sua avaliação a respeito do debate sobre o aborto durante as eleições?
João Braz de Aviz Foi um pouco ruim, porque a discussão dos
bispos e de pessoas leigas ligadas à igreja apareceu com a exclusão de
um partido [o PT]. Ou seja, havia uma definição de posição
político-partidária muito clara [a favor do PSDB], e a Igreja Católica
não sustenta isso.
Do outro lado, o que está à flor da pele é que uma imensa parte da
população brasileira não aceita essa enxurrada de propaganda a favor do
aborto que é feita de modo impositivo. Há um movimento de legalizar o
aborto e considerá-lo um direito humano, o que é uma coisa muito difícil
de a gente compreender.
Portanto, a posição dos bispos até estava correta, mas o que houve de
dificuldade foi identificar apenas em um partido essa posição e
aproveitar esse fato para uma escolha política.
No geral, o sr. considera que as eleições correram bem?
O que se viu foi sobretudo um processo político muito maduro. O
crescimento de um terceiro elemento [o PV, de Marina Silva] que não se
identifica com as duas principais forças me parece muito positivo. Há um
crescimento da consciência política e do diálogo democrático.
O sr. imagina que a igreja terá alguma dificuldade de diálogo com o governo Dilma?
Claro que a gente sempre espera que o diálogo seja muito bom. Mas a
verdade é que não temos uma ideia clara de quem é Dilma do ponto de
vista religioso. Ela precisa explicar melhor as suas convicções
religiosas para que o diálogo possa progredir.
O que sabemos é que Dilma mostrou flexibilidade com relação a temas
importantes para a igreja. Mas também sabemos que políticos fazem isso:
durante a campanha é uma coisa, e na prática o caminho às vezes é outro.
O que o sr. espera dela com relação a isso?
Eu espero que as posições dela se aproximem das posições da igreja. Para
isso, precisamos conhecer melhor o que pensa a Dilma presidente em
relação a certos temas.
Não só o aborto, que teve destaque na disputa eleitoral, mas também
quanto ao PNDH-3 [Plano Nacional de Direitos Humanos], que traz posições
contudentíssimas para a igreja. Há aspectos muito bonitos com relação à
questão social, mas temos aborto, homossexualismo, um monte de coisa
que precisamos ver como vai ficar.
Eventuais diferenças não inviabilizariam o diálogo?
Para que exista um bom diálogo, é fundamental que ela diga exatamente o
que pensa para podermos avançar a partir daí. O fundamental é dar ao
outro a oportunidade de ser ele mesmo, para o diálogo continuar. Se a
posição dela for outra, tenho direito a uma atitude diferente.
Até o momento, não sabemos como será, pois ela assumiu a posição do
ex-presidente Lula, que é impossível moralmente. Ele diz que tem uma
posição pessoal como homem de fé e outra como presidente, como homem de
Estado. Ora, a gente tem apenas uma moral, e não duas.
Muitas igrejas têm bancada no Congresso. Qual sua opinião sobre a
separação entre religião e política e a possibilidade de mistura entre
os dois campos?
A separação entre igreja e Estado foi uma conquista e representa uma
grande vantagem democrática em relação ao passado, quando havia a
imposição da religião sobre o Estado.
O problema é que muitas vezes não fica claro se estão usando a afirmação
do caráter laico do Estado para dizer que ele é ateu e que o cidadão
religioso não tem lugar na discussão política. Aí já é complicado,
porque é preciso haver liberdade religiosa e respeito a essas posições.
Esse equilíbrio é que ainda não apareceu, e o debate acaba sendo recheado por posições já tomadas de antemão.
Mas não podemos considerar que a experiência religiosa esteja reduzida
apenas à dimensão da consciência ou à dimensão pessoal, como se não
tivesse nenhuma função social. Por isso é que a Igreja Católica está
recuperando a atenção à política.
Como o sr. vê o forte crescimento das igrejas evangélicas, em especial entre as classes mais baixas?
Muitos desses movimentos religiosos mais modernos não exprimem uma
fidelidade à doutrina do Evangelho como ela é --escolhem apenas partes
e, às vezes, assumem compromissos com coisas que não são corretas. Por
exemplo, há igrejas que têm compromisso fortíssimo com a arrecadação de
dinheiro.
Por que essas igrejas têm tido mais êxito entre os pobres do que a Igreja Católica?
Não sei dizer uma razão particular. Sei que, hoje, essas igrejas usam os
meios de comunicação de maneira muito forte, com motivações
psicológicas... Isso tem uma força sobre as pessoas, que têm uma
dimensão religiosa grande no coração.
Mas a Igreja Católica não segue essa estrada. Há muito de proselitismo
por trás [de outras igrejas], não só de verdade. E nosso caminho [da
Igreja Católica] não é o proselitismo, é o testemunho.
O sr. poderia citar alguma em particular?
Prefiro não citar nenhuma. O importante é mencionar o fenômeno. As pessoas sabem que isso existe.
Fonte: FOLHA DE SP
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