O homem que multiplica fiéis
Com discurso de homem do povo, carisma inato e um aparato de comunicação competente, Valdemiro Santiago faz sua Mundial ascender ao topo das igrejas neopentecostais do Brasil
Rodrigo Cardoso e João Loes. Fotos Pedro Dias/Agência ISTOÉ
Assista a vídeo em que mostramos o pastor Valdemiro Santiago “curando” pessoas:
FÉ
Terça-feira, 11 de janeiro, 12h30: em pé em uma banqueta,
o apóstolo Valdemiro Santiago dispensa o almoço para abençoar
cerca de mil fiéis em fila no templo-sede da
Igreja Mundial, no Brás, em São Paulo
Com microfone em punho, Valdemiro Santiago de Oliveira, todo-poderoso líder da Igreja Mundial do Poder de
Deus (IMPD), caminha bambeando de um lado para outro do altar fincado
bem no centro de um galpão de 18 mil metros quadrados, localizado no
Brás, bairro da região central de São Paulo. Dez mil pessoas se
aglomeram ao redor do autointitulado apóstolo, em estado de atenção e
êxtase, à espera de uma palavra, um toque, um abraço. Com o rebanho em
suas mãos, e um timing digno de showman, ele chora, gargalha, transpira.
Está entregue à multidão. A voz rouca sai carregada de ironia e
ornamentada por um sorriso de canto de boca. “Está um congestionamento
aqui fora. Ouvi dizer que acontece uma feira na redondeza!”, diz. Mas
não há feira nenhuma. O movimento na região é provocado pelos
concorridos cultos desse mineiro de 47 anos, natural de Cisneiros,
distrito de Palma, a 400 quilômetros de Belo Horizonte. E Santiago sabe
muito bem disso. Há 30 anos no movimento neopentecostal brasileiro,
segmento que mais cresce no Brasil (deve chegar a 40 milhões de adeptos
no novo Censo), o homem forte da Mundial é o mais fulgurante fenômeno
religioso do Brasil atualmente. Sua identificação direta com a massa – é
negro, tem sotaque caipira e português falho, trabalhou na roça e
passou fome – o coloca nos braços humildes e carentes daqueles que
procuram uma solução espiritual para as mazelas da vida.
“Quem me viu na tevê? Quem foi a Interlagos?”, questiona Santiago,
enquanto os fiéis, contidos por obreiros, se debatem e gritam em sua
direção. No primeiro dia de 2011, o religioso ganhou minutos preciosos
em rede nacional por causa da massa impressionante de discípulos que
conseguiu arregimentar em pleno 1º de janeiro, vinda de todos os cantos
do Brasil para celebrar com ele no autódromo de Interlagos. Segundo os
organizadores do evento, havia lá 2,3 milhões de pessoas. Nos dias 9 e
11 de janeiro, quando a reportagem de ISTOÉ acompanhou os cultos na sede
mundial da IMPD, no Brás, uma antiga fábrica comprada por R$ 60 milhões
em 60 parcelas de R$ 1 milhão, o apóstolo faturou sobre essa exposição
em horário nobre. “Ninguém pode dizer que sou um sujeito dotado de uma
inteligência, uma sabedoria”, disse Santiago à ISTOÉ, currículo escolar
findo no quinto ano do ensino fundamental, mas alinhado em um terno bem
cortado, gravata, camisa com abotoaduras douradas e sapatos tamanho 44
impecáveis. “Quem olha a minha vida e faz uma análise não tem como não
glorificar Deus.”
GLÓRIA
O ex-roceiro, que cuidava de marrecos e foi viciado em
drogas, é ovacionado por 2,3 milhões de pessoas,
em Interlagos, no primeiro dia de 2011
De fato, o garoto que perdeu a mãe aos 12 anos e caminhava oito
quilômetros por dia para levar marmita para os familiares na roça
lidera, hoje, um império religioso que conta com três mil igrejas
espalhadas pela América do Sul e do Norte, Europa, Ásia e África e 4,5
milhões de fiéis, de acordo com dados da própria IMPD (leia ao lado
quadro comparativo com outras denominações evangélicas). Treze anos
depois de fundar a Mundial, o homem que gosta de cultivar a fama de
matuto mora em um condomínio de luxo em Barueri, na Grande São Paulo, e
tem na garagem três carros importados blindados – uma Land Rover, um
Toyota e um Peugeot. Motoristas e seguranças particulares estão sempre à
sua disposição. Helicópteros e um jato particular também. A Igreja
Mundial, por sua vez, tem inaugurado um novo templo por semana e honra,
mensalmente, uma despesa em torno de R$ 40 milhões. O dinheiro da igreja
vem, principalmente, do dízimo arrecadado. Membros da IMPD estimam
receber de doação em seus cultos uma média de R$ 10 por fiel. Há, ainda,
envelopes nas cores ouro, prata e bronze. Pastores afirmam que a
diferenciação não está diretamente ligada ao valor a ser dado à igreja.
Segundo eles, cada tipo de envelope contém uma mensagem diferente. Nesse
primeiro mês de 2011, o apóstolo reforçou o pedido por doações
argumentando despesas com emissoras de tevê e rádio. “Ano novo,
contratos novos e reajustados... Essa semana preciso muito de sua ajuda.
Quem pode trazer até terça-feira R$ 100?”, perguntou Santiago. A
quantia foi diminuindo à medida que o tempo ia passando. “E uma oferta
mínima de R$ 30? Quem puder, fique de pé que o obreiro irá dar o
envelope.”
CURA
O milagre é o carro-chefe da Igreja Mundial.
Pessoas com câncer e até cadeirantes testemunham
ter se curado com a intervenção de Santiago e seus pastores
É a mística de milagreiro de Santiago a chave de seu sucesso e a
responsável pelo fenômeno da multiplicação de fiéis à sua volta. E a
televisão amplifica em doses continentais esse poder de comunicação
inato do líder evangélico. Atualmente ele ocupa 22 horas diárias na
programação da Rede 21, que pertence ao grupo Bandeirantes, ao custo de
R$ 6 milhões mensais. Com mais R$ 101 mil por mês, pagos à Multichoice,
empresa sul-africana distribuidora de sinal, também está no ar em
Angola, Moçambique, Guiné Bissau, São Tomé e Príncipe, Líbia, Zimbábue e
Botswana. Na telinha, o que se vê são os cultos de Santiago em seus
templos. Para isso, a performance do pastor é acompanhada, minuto a
minuto, por fotógrafo e uma equipe de cinegrafistas, que registram tudo
para ser divulgado, além da tevê, no jornal, na revista e na rádio da
igreja. Na África do Sul, a Mundial possui uma hora de programação na TV
Soweto, ao custo de R$ 59 mil mensais. Em Maputo, a capital de
Moçambique, uma tevê e uma rádio já estão sob o domínio da corrente
evangélica do ex-roceiro, fissurado, segundo palavras dos próprios
membros da igreja, por se comunicar com os súditos via tevê. Afinal, se
em um templo como o do Brás o apóstolo consegue falar para 30 mil
pessoas, no ar, citando apenas os que possuem antena parabólica no
Brasil, ele chega a 25 milhões de lares via Rede 21.
Não e à toa que, anunciados pela telinha, seus eventos estão sempre
lotados. “Aquela máxima da publicidade de que uma imagem vale mais do
que mil palavras se aplica muito bem a Valdemiro”, afirma Ronaldo
Didini, ex-membro da cúpula da Universal e braço-direito de Santiago,
que responde pela estratégia de mídia da igreja. Além dele, são
dirigentes da Mundial um consultor financeiro, também ex-Universal, e
três deputados eleitos no último pleito – dois federais (José Olímpio,
PP/SP e Francisco Floriano, PR/RJ) e um estadual (Rodrigo Moraes,
PSC/SP). “As coisas são cada vez mais rápidas e profissionalizadas na
Mundial”, diz o pesquisador Ricardo Bitun, autor da tese “Igreja Mundial
do Poder de Deus: Rupturas e Continuidades no Campo Religioso
Neopentecostal”, defendida na Pontifícia Universidade Católica de São
Paulo (PUC-SP). Isso ocorre, em grande parte, por conta de um fenômeno
conhecido como nomadismo religioso. Se durante muito tempo a Igreja
Católica era a maior fornecedora de ovelhas ao rebanho pentecostal,
agora esses últimos trocam de fiéis entre si. “Meu trabalho é o altar;
meu negócio é multiplicar as almas”, diz Santiago, que também fatura com
a crise de igrejas como a Renascer em Cristo, por exemplo, que perdeu
em 2010 seus discípulos mais ilustres, o jogador de futebol Kaká e sua
mulher, Caroline Celico.
A ascensão de Santiago ao olimpo dos líderes religiosos do Brasil
começou a ser moldada em 1976, quando, aos 16 anos, ele se converteu ao
protestantismo. Naquela época, o garoto revoltado e de difícil trato,
que em Cisneiros cuidava de marrecos, arava a terra e colhia ovos de anu
para fazer omelete, morava com um dos 12 irmãos na mineira Juiz de
Fora. Nessa cidade, trabalhava como pedreiro e levava uma vida
desregrada. Dormia muitas noites na calçada e era viciado em drogas –
ele se limita a dizer que consumia “álcool e substâncias sintéticas em
forma de comprimidos”. Até que um pastor lhe estendeu a mão e Santiago
passou a pregar. Foi obreiro, pastor, bispo e membro da cúpula da Igreja
Universal do Reino de Deus (Iurd). Nos templos de Edir Macedo, atuou
por 18 anos e se desligou em 1997, depois de um suposto desentendimento
com o líder evangélico. Já havia, porém, decorado a cartilha de seu
mentor. Pesquisador da área da sociologia da religião, Ricardo Mariano
afirma que as crenças e práticas mágico-religiosas da Mundial são uma
cópia da Universal. Tanto que até o nome da igreja de Santiago, Igreja
Mundial do Poder de Deus, é uma evidente inspiração na primeira casa:
Igreja Universal de Reino de Deus. Perspicaz, o religioso caipira foi
beber da fonte que já havia sido aprovada pelo público. Tanto que, além
de convidar parte da cúpula da IURD, atraiu também dezenas de pastores,
prática que adotou até um ano atrás, quando membros da Mundial começaram
a temer que houvesse “universais” infiltrados em suas fileiras.
No altar da igreja que fundou em 1998 Valdemiro passou a receber
portadores do vírus da Aids, doentes de câncer e até cadeirantes
desenganados pela medicina. As pessoas em cadeira de roda são, até hoje,
um dos campeões de audiência. É comum encontrar no templo fiéis
carregando para o alto cadeiras de roda, num gesto explícito de
libertação. Em um programa no início de janeiro, o apóstolo
protagonizou, via tevê, uma situação do tipo. Ao seu lado, caminhando,
um ex-paralítico afirmava ter permanecido imóvel por 15 anos. A
reportagem de ISTOÉ tentou contato com esse homem, mas membros da cúpula
da Mundial disseram ser impossível localizá-lo, pois as fichas de
identificação ainda não estão informatizadas e há muitos casos como o
dele.
O pastor mineiro usa como nenhuma outra liderança pentecostal os
depoimentos de enfermos e a evocação da cura divina. Juntos, eles
provocam uma catarse espiritual. Os fiéis da IMPD fazem fila para
testemunhar, no altar ao lado do apóstolo e com exames médicos em punho,
que a medicina já os havia desenganado, mas que a intervenção milagrosa
os salvou. “Na Igreja Mundial, o toque no corpo de Santiago é muito
valorizado”, diz o sociólogo da religião Flávio Pierucci, da
Universidade de São Paulo (USP). Aos 61 anos, a católica catarinense
Aledir Lachewtz, 61 anos, levou fotos e roupas de sua tia octogenária
que sofria com um edema pulmonar para serem abençoadas em um culto na
IMPD. “Os médicos diziam que não tinha mais jeito”, conta Aledir. “Mas,
depois das bênçãos, novos exames não apontaram mais nada. O apóstolo tem
muito poder de cura.” Essa espécie de pronto-socorro espiritual, como
define o teólogo Edin Abumansur, da PUC-SP, floresce de modo particular
na Mundial. Enquanto Santiago prega, dezenas de placas com os dizeres
“Aqui tem milagre” são levantadas por obreiros para auxiliá-lo.
Selecionado previamente e de posse de exames médicos que revelariam
primeiro a enfermidade e, em seguida, o desaparecimento dela – chamado
na IMPD de “o antes e o depois” –, o fiel é alçado ao microfone ao lado
do pastor. E é nessa hora que o líder da Igreja Mundial vira astro.
“Meu trabalho é o altar; meu negócio é
multiplicar as almas” Valdemiro Santiago,
da Igreja Mundial do Poder de Deus
Do alto de seu 1,90 e 103 quilos (chegou a ter 153, mas emagreceu
após uma cirurgia bariátrica, há oito anos), o apóstolo grampeia o rosto
da pessoa contra o seu peito. Abraça, chora e grita, como fez com a mãe
que atribuiu a cura de sua filha de 6 anos, que voltou a andar e a
falar contrariando prognósticos médicos, segundo ela, à fé e às orações
feitas na IMPD. “Esse Deus é poderoooso! Isso é para sacudir o barraco
do cramunhão e botar pra baixo!”, berra o religioso. Ricardo Mariano,
professor do programa de pós-graduação em ciências sociais da Pontifícia
Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) e um dos maiores
especialistas do Brasil em movimento neopentecostal, contextualiza: “A
ênfase pentecostal na cura divina já tem mais de 60 anos e foi uma das
principais responsáveis pelo crescimento desse movimento religioso na
América Latina e na África. Desde então, constitui uma das iscas mais
atraentes de potenciais adeptos aos templos.”
ANTES E DEPOIS
Os fiéis choram e se emocionam, muitos apresentando
exames médicos que revelam o desaparecimento de uma doença
Além da eloquência com que evangeliza, Santiago ficou conhecido por
usar chapéus típicos de quem se criou no meio do mato. Assim também é
visto em seus finais de semana, que acontecem, como ele diz, às
quartas-feiras. Nesses dias, ele se tranca em um sítio, em Santa Isabel,
a 50 quilômetros de São Paulo. Lá, desfruta de um pesqueiro, da piscina
e do campo de futebol, onde organiza e disputa campeonatos entre times
formados por membros de seu ministério. “Mas o que gosto mesmo é de
sentar na beira do rio, com minha varinha de pescar”, diz. “Sou um
sujeito de pouca educação. É uma coisa de chucro, de caipira”, completa
ele, uma espécie de Tim Maia do altar, que passa boa parte do culto
distribuindo broncas em obreiros, cinegrafistas e músicos que o
acompanham. “Ô, oreiúdo (orelhudo), abre passagem para a mulher chegar
até aqui”, disse o chefe da IMPD a um pastor, no culto do domingo 9,
provocando gargalhadas nos súditos.
EM FAMÍLIA
A bispa Franciléia, mulher de Valdemiro, também é uma oradora eloquente
Juliana, filha do casal, canta no coral da igreja
Nem mesmo a esposa, a bispa Franciléia, com quem vive há 26 anos, e
as duas filhas do casal, Rachel, 25, e Juliana, 23, que também trabalham
em prol do ministério, escapam de seus pitos. O apóstolo também é
conhecido por ser incansável na rotina de sua Mundial. Há dias em que
nem volta para casa. “Tenho um quarto na igreja”, conta Santiago,
referindo-se ao templo do Brás. “Em casa, tenho dormido três, quatro
vezes no mês”, completa ele, que diz desfrutar, por noite, de apenas
quatro horas de sono. Membro da IMPD, Fernando Trizi reforça o fato.
“Antigamente, muitos fiéis dormiam aqui na igreja. E, algumas vezes, o
apóstolo acordava de madrugada, descia do quarto e, de pijama, orava com
eles.” Ao valorizar a ingenuidade e a simplicidade, o religioso
prosperou. “O que chama mais a atenção é a emergência de uma autoridade
religiosa pentecostal de expressão nacional negra, tal como o restante
da cúpula da igreja”, diz Mariano, autor de “Neopentecostais: Sociologia
do Novo Pentecostalismo no Brasil” (Edições Loyola, 1999). Ao contrário
de outras neopentecostais de peso, como a Renascer e a Universal, que
ficaram mais requintadas em relação ao público que as frequenta,
prometendo prosperidade àqueles que também desejam ascensão material, a
Mundial tem acolhido a classe menos favorecida, um aglomerado de gente
humilde que não se identifica mais com as outras denominações.
Na IMPD, porém, essas pessoas enxergam em seu líder uma figura que,
mesmo de terno e gravata e sob os holofotes, fala a língua delas. Foi
por meio dessa habilidade inata que muitas personalidades deixaram para
trás o passado sofrido e se tornaram notórias. “O Valdemiro é como o
Silvio Santos ou o Lula. O camelô que deu certo, mas nunca deixou de ser
camelô. O metalúrgico que virou presidente da República, mas não deixou
de ser metalúrgico”, compara Bitun. Os astro evangélico promete
milagres como se contasse um causo. Apelo irresistível aos corações
aflitos.
Fonte: ISTO É INDEPENDENTE
Nenhum comentário:
Postar um comentário