Leandro Fortes
Togaduto
07.03.2012
Renato Parente é um assessor especialmente influente nos tribunais
superiores. Foi fiel escudeiro de Gilmar Mendes no Supremo Tribunal
Federal e até pouco tempo ocupava a chefia da comunicação do Tribunal
Superior do Trabalho, presidido por João Oreste Dalazen. Por uma questão
formal, Dalazen rebaixou Parente de função, mas manteve seus poderes,
que consistem basicamente em administrar as verbas do setor no TST, naco
de um filão milionário do Poder Judiciário onde reina a Fundação Renato
Azeredo, de Minas Gerais. Trata-se de um eficiente sorvedouro de
dinheiro público comandado pelo PSDB.
Criada em 1996, a fundação leva o nome de um falecido deputado
federal do antigo PSD mineiro, pai de outro parlamentar, Eduardo Azeredo
(PSDB-MG). O hoje senador, quando governador, criou a fundação para
auxiliar projetos de pesquisa da Universidade Estadual de Minas Gerais
(UEMG). Em pouco tempo, a entidade de direito privado e sem fins
lucrativos renegou as origens acadêmicas e passou a ganhar um dinheirão.
Apenas em Minas Gerais, entre 2003 e 2011, a
Fundação Renato Azeredo faturou 212,1 milhões de reais de verbas
repassadas diretamente do governo de Minas, graças a contratos firmados
em gestões tucanas, duas de Aécio Neves e, desde o ano passado, a de
Antonio Anastasia. A fundação é presidida pelo farmacêutico Aluísio
Pimenta, ex-assessor especial de Aécio. Sob pretexto de notória
especialização, a fundação sempre foi contratada pelos governos tucanos
sem licitação. Na primeira gestão de Neves, por exemplo, a entidade
recebeu cerca de 20 milhões por ano, limpos, dos cofres estaduais, para
serviços em área de comunicação social.
Somente da tevê estatal mineira, a Rede Minas, a Fundação Renato
Azeredo recebeu, por transferência direta, 17,6 milhões de reais, também
em quatro anos. Uma investigação ainda em curso no Ministério Público
Estadual detectou, em 2008, uma transferência de 23,3 milhões de reais.
Mas nada comparado ao ano eleitoral de 2010, quando a Renato Azeredo
levou uma bolada de 51,7 milhões de reais, 35,9 milhões dos quais apenas
no primeiro semestre, às vésperas das eleições. Os promotores suspeitam
que a fundação possa ter substituído o esquema de caixa 2 montado por
Eduardo Azeredo com o publicitário Marcos Valério de Souza, mais tarde
importado pelo PT e revelado no chamado “escândalo do mensalão”.
Ao contrário dos promotores mineiros, os
procuradores da República em Brasília ainda não atinaram para o mesmo
esquema montado no Poder Judiciário Federal, com verbas da União. Desde
2010, a Fundação Renato Azeredo passou a substituir outro baluarte do
tucanato, a Fundação Padre Anchieta, responsável pela TV Cultura, de São
Paulo, até então dona das contas de comunicação social do Supremo
Tribunal Federal (STF), Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Conselho
Nacional de Justiça (CNJ) e Superior Tribunal de Justiça (STJ). Sem
aviso e sem justificativa, naquele ano eleitoral, a fundação do tucano
paulista decidiu abandonar os tribunais e abrir espaço para a coirmã
mineira, num esquema de revezamento pouco sutil.
Em pouco tempo, estava tudo dominado. No STJ, a Fundação Renato
Azeredo ganhou, sem licitação, em 2010, um contrato de 10,5 milhões de
reais por ano (depois reduzido para 6,6 milhões de reais). Foi
beneficiada por decisão do ex-presidente do tribunal César Asfor Rocha,
amigo dileto do ministro Gilmar Mendes, do STF , fundamental para
garantir a presença de Renato Parente na história.
No CNJ, a Fundação Renato Azeredo foi contratada também sem
licitação, em 8 de março de 2010, durante a gestão de Gilmar Mendes, por
um prazo de seis meses. O valor desse primeiro contrato foi de 1,6
milhão de reais. Em 22 de setembro de 2010, o contrato passou a ser
renovado automaticamente por um ano, pelo valor de 4,2 milhões de reais,
situação que se mantém até agora.
No STF, depois da saída da Fundação Padre Anchieta, o presidente
Cezar Peluso, substituto de Mendes, ordenou a realização de uma
licitação. Feita em julho de 2010, a disputa foi vencida pela Fundação
LBV, de Brasília, logo desqualificada por não conseguir preencher os
requisitos técnicos para a produção de noticiários para a TV e a Rádio
Justiça, mantidas pelo Supremo. Classificada em segundo lugar, a
Fundação Renato Azeredo levou o contrato de 15 milhões de reais.
No TSE, a fundação mineira também venceu a
concorrência e abocanhou dois contratos. Um, de junho de 2010 a junho de
2011, de 4,2 milhões de reais. Outro, a vencer em junho próximo, de 3,1
milhões. A diferença de 1,1 milhão de reais é parte de uma regra do
tribunal que garante valores maiores para contratos firmados em anos
eleitorais.
O protagonismo de Parente nesse processo revelou-se apenas no ano
passado, graças a dois eventos distintos. Primeiro, quando a burocracia
interna do TST descobriu que, desde 1992, ele ocupa cargos comissionados
de nível superior dentro do Poder Judiciário sem nunca ter-se formado
em nada, apesar de se apresentar como “jornalista e publicitário”. Mesmo
sem diploma, ele disponibilizou currículos fraudulentos nos quais
constava a seguinte informação: “Graduado pela Escola Superior de
Propaganda e Marketing (ESPM)”, de São Paulo. Há seis meses, uma ligação
do TST para a direção da famosa escola paulista bastou para desmontar a
farsa.
Técnico judiciário de nível médio do Tribunal
Regional do Trabalho (TRT) de São Paulo, Parente foi assessor de
imprensa do juiz Nicolau dos Santos Neto, o “Lalau”, responsável por
desvio de dinheiro das obras do tribunal em 1998. Em 2001, sempre
montado na história do falso diploma, foi levado pelo ministro Marco
Aurélio Mello para o STF, para assumir a Secretaria de Comunicação
Social. Em 2006, ainda pelas mãos de Mello, passou a ocupar o mesmo
cargo no TSE. Nas duas oportunidades, contratou, sem licitação, a
Fundação Padre Anchieta, subordinada ao tucanato paulista.
Em 2008, Parente tornou-se o braço midiático do então presidente do
STF, Gilmar Mendes, de quem passou a zelar como se fosse um capataz. A
um repórter, no Acre, que ousou perguntar se Mendes era pecuarista,
Parente ofereceu um pisão no pé. Em 2009, a pedido do chefe, conseguiu
censurar temporariamente um programa da TV Câmara, no qual o autor desta
matéria fazia críticas ao seu padrinho e patrão.
Parente alega não ocupar, desde 7 de janeiro de 2012, a função de
secretário de Comunicação Social do TST. Na verdade, de acordo com
registro do Diário Oficial da União, ele foi exonerado “a pedido”, em 29
de dezembro de 2011. Foi uma tentativa desesperada de evitar o
vazamento da informação sobre a fraude funcional. No mesmo ato, Parente
virou chefe de um “Núcleo de Comunicação Institucional”, que, como o
nome indica, não significa nada. Na verdade, a solução interna achada
pelo ministro Dalazen (lembrete: presidente do Tribunal Superior do
Trabalho!) foi fazer com que um subordinado de Parente, o jornalista
diplomado Alexandre Gomes Machado, passasse a assinar os papéis da
secretaria e a responder, jurídica e administrativamente, por um cargo
que não exerce.
O assessor tentou fixar o dia 7 de janeiro como data de exoneração
porque há ao menos um documento interno assinado por Dalazen, datado de 6
de janeiro, para emissão de passagens aéreas e diárias para o
“secretário de Comunicação Social” Renato Parente. O texto, ao qual CartaCapital
teve acesso pelo site do TST, refere-se à emissão de passagens e
diárias relativas a uma viagem a Caucaia (CE).
O segundo evento diz respeito à tentativa de Parente
de levar a Fundação Renato Azeredo para o TST, sem licitação, no fim de
2011. Foi barrado pela burocracia, que o obrigou a realizar um pregão
eletrônico no mês passado. Tropeço do acaso, algum funcionário da
fundação tucana não conseguiu apresentar a proposta da entidade a tempo,
pela internet. A solução encontrada foi a de melar o processo e impedir
que a empresa vencedora, a AP Comunicação, de Brasília, ganhasse o
contrato, orçado em 8,8 milhões de reais por ano, por cinco anos.
A agência vencedora foi enganada: um informe enviado pela internet
depois do expediente deu 15 minutos a ela e a quatro outras
classificadas para apresentar um plano de execução de serviços de
produção de vídeo. Na manhã seguinte, os concorrentes souberam que
tinham sido retirados do processo. A AP, contudo, entrou com um mandado
de segurança para permanecer no páreo, mas Parente nem deu bola. Revogou
o pregão sob a justificativa de que a proposta da agência vencedora era
muito alta. Outra mentira: o edital publicado pelo tribunal estabelecia
o valor do contrato em 10 milhões de reais.
No site do TST, Parente ainda é apresentado como titular do cargo,
fato que ele reputa a um descuido do pessoal da área de informática da
Casa. Na sexta-feira 2, ainda entronizado no cargo que a lei o impede de
ter, ele viajou com o ministro Dalazen para o Rio de Janeiro, onde a
dupla pretendia realizar um evento a favor da prevenção de acidentes de
trabalho no canteiro de obras do Estádio do Maracanã.
Fonte: CARTACAPITAL
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