Colunistas
Luiz Gonzaga Belluzzo
Luiz Gonzaga Belluzzo é economista e professor, consultor editorial de CartaCapital.
Nos
Estados Unidos de 1935, a multidão de desempregados sobrevivia à custa
dos programas de obras públicas e da assistência social do Estado. Ao
desembarcar de seu iate depois de uma gloriosa viagem à Europa, “Jack”
Morgan, o herdeiro de John Pierpont, atiçou a revolta popular: “Os que
ganham dinheiro nos Estados Unidos trabalham oito meses por ano para
sustentar o governo”. Ateou gasolina ao fogo. A indignação popular
avassalou o país. No livro The House of Morgan, Ron Chernow
escreve que, depois da mancada, Jack deixou de ser uma pessoa. Tornou-se
o símbolo dos ricos e reacionários que se opunham à justiça social.
Nos anos 30, a quebra das instituições financeiras bancárias e não
bancárias nos EUA era generalizada. Em 1933, Franklin Roosevelt,
recém-empossado, decretou feriado bancário. Utilizou a Reconstruction
Finance Corporation, criada por Hoover, para promover a reestruturação
das dívidas e limpar as carteiras dos bancos. O Glass-Steagall Act havia
determinado a separação entre os bancos comerciais e de investimento.
Em seguida, o governo aprovou a garantia de depósitos bancários, a
proibição do pagamento de juros sobre depósitos à vista e o
estabelecimento de tetos ao pagamento de juros para depósitos a prazo. A
American Bankers Association reagiu: as medidas eram “heterodoxas, não
científicas, injustas, e perigosas”. Não obstante sua natureza
“maligna”, as medidas brecaram a corrida bancária e, lentamente,
favoreceram a recuperação do crédito.
O economista keynesiano Hyman Minsky celebrou o
sucesso dos sistemas financeiros “regulados” da segunda metade do século
XX. A chamada “repressão financeira” amainou a severidade das
flutuações econômicas e suscitou conjecturas otimistas a respeito do
controle do ciclo econômico. Minsky escreveu em meados dos anos 1980 que
“a economia e os mercados financeiros (ele referia-se à crise de 1974-1975)
mostraram grande resistência à deflação cumulativa de preços dos ativos
e ao risco de uma depressão profunda. Os choques foram absorvidos e
suas repercussões atenuadas”.
Minsky compartilhava a admiração de Schumpeter, Marx e Keynes pela
arquitetura do sistema de crédito erigida pelo capitalismo desde o
último quartel do século XIX. As façanhas dos Rotschild, dos Morgan, dos
Warburg, dos Bleich-röder impulsionaram os saltos das sucessivas
revoluções tecnológicas. Mas, para Minsky, as forças criativas do
crédito abrigam em suas entranhas os riscos da destruição da riqueza.
“No mundo de homens de negócios e de intermediários financeiros que
buscam agressivamente o lucro, a inovação sempre vai suplantar a
vigilância dos reguladores; as autoridades não podem prevenir mudanças
na estrutura dos port-fólios. O que elas podem é impor exigências de
capital para os vários tipos de ativos. Se as autoridades impõem tais
restrições aos bancos de depósito e estão atentas aos ‘quase bancos’,
bem como a outras instituições financeiras, estarão em condições de
atenuar as tendências destrutivas da economia.”
Na esteira da desregulamentação financeira das
últimas décadas, os bancos de investimento e os demais bancos sombra
aproximaram-se das funções monetárias dos bancos comerciais, abastecendo
seus passivos nos “mercados atacadistas de dinheiro” (wholesale money markets),
amparados nas aplicações de curto prazo de empresas e famílias. Nos
anos 2000, a dívida entre as instituições financeiras cresceu mais
rapidamente do que o endividamento das famílias e das empresas. O ímpeto
da concorrência e a liquidez abundante levaram o sistema bancário
convencional e os bancos sombra à construção de “pirâmides securitizadas”, insuflando a euforia e a má avaliação dos créditos.
Eliminada a separação de funções entre os bancos comerciais, de
investimento e associações encarregadas dos empréstimos hipotecários, os
grandes conglomerados financeiros buscaram escapar das regras
prudenciais, promovendo o processo de originar e distribuir,
impulsionando a securitização dos créditos. As novas técnicas de
securitização promoveram a ampliação do crédito ao consumo e
distanciaram a evolução desse componente do gasto da evolução da renda
corrente das famílias. Esse fenômeno aproximou a dinâmica do consumo da
forma de financiamento do gasto que sustenta a expansão do investimento.
Foi enorme a concentração dos portfólios nos ativos baseados em
créditos hipotecários. O risco espalhou-se como uma pandemia, com enorme
poder de contaminação. Quando sobreveio o pânico – ensina o filme Margin Call
–, os administradores da riqueza financeira entregam-se ao desespero
das ordens de venda dos ativos mais líquidos, enquanto secava o
abastecimento de fundos dos bancos sombra.
Fonte: CARTACAPITAL
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