Perdão
por voltar ao papa. Mas não resisto. Desde há muito desconfio que Bento
XVI andou fazendo gazeta nas aulas de catecismo. Pior ainda, acho que
faltou às aulas sobre teologia e bíblia. De outra forma não se consegue
entender o capitão da nau de Pedro diz tantas bobagens quando se refere à
religião que professa.
Os pronunciamentos do atual pontífice em
contradição com a Bíblia foram tantos que já nem os lembro. O único que
me ocorre agora aconteceu em Roma, num 06 de janeiro, quando Sua
Santidade repetiu essa suma asneira que os jornais repetem todos os
anos: os três reis magos. Leia a Bíblia de ponta a ponta. Nela jamais
encontrará reis magos e muito menos que eram três. O mais específico que
encontramos está em Mateus, 2:1: “Tendo, pois, nascido Jesus em Belém
da Judéia, no tempo do rei Herodes, eis que vieram do oriente a
Jerusalém uns magos que perguntavam (...)"
Uns magos e nada mais.
Nem reis nem três. Quarta-feira passada, Bento incorreu de novo em uma
hiante contradição ao afirmar, ante nove mil pessoas, que o purgatório
não é um lugar no espaço, mas um fogo interior que purifica a alma do
pecado. "O purgatório não é um elemento das entranhas da Terra, não é un
fogo exterior, mas interno. É o fogo que purifica as almas no caminho
da plena união com Deus”.
Se a idéia de uma danação ou salvação
eterna foi um dos instrumentos de dominação encontrados pelos padres
para manter seu poder temporal, bem cedo a Igreja percebeu não ser muito
inteligente esta pastoral do medo. Morto o crente, sua alma ia para o
céu ou para o inferno, sem apelação. Sendo eterna a pena, de nada
adiantava orar por quem estava irremediavelmente condenado. Muito menos
por quem já estava salvo. E a basílica de São Pedro, além de custar uma
fortuna, estava longe de ser concluída. Urgia encontrar uma nova fonte
de arrecadação. Surgiu assim o purgatório, uma espécie de Febem
celestial, onde o pecador que não tivesse ido para o inferno purgaria
suas penas em fogo lento, até merecer a bem-aventurança divina.
Embora
os santos da Igreja divirjam sobre a natureza do instituto, mesmo sua
acepção mais branda não é das salubres. Diz Agostinho: "este fogo
purgatório é mais duro que todas as penas que se possa ver, sentir e
imaginar aqui embaixo". Para Santa Catarina de Gênova, "lá os tormentos
são iguais aos do inferno". Mas como esta etapa é uma sala de espera do
paraíso, a santa consola: "não acredito que possa existir uma alegria
comparável à de uma alma do purgatório, exceção feita da dos santos no
paraíso".
Urgia encontrar uma nova fonte de arrecadação, dizia,
para concluir e manter a casa de Pedro. Para abreviar os tormentos dos
defuntos - ou para prevenir a própria queimação póstuma – o católico
poderia amortizar suas dívidas com Jeová, comprando indulgências. Estas
constituíam uma remissão, diante de Deus, da pena temporal devida pelos
pecados já perdoados quanto à culpa. Eram concedidas aos fiéis dispostos
a lucrá-la. Poderiam ser parciais, se libertavam apenas em parte da
pena temporal; plenárias, se libertavam de vez o infeliz do purgatório.
Só a Igreja, dispensadora da redenção, pode distribuir e aplicar,
através do Papa, o tesouro das satisfações de Cristo e dos Santos.
Tudo
isto pode nos soar hoje como ridicularias de um passado distante. Mas
na época era assunto dos mais graves. Martinho Lutero, indignado com a
comercialização do bem-estar dos defuntos pelo Vaticano, pregou na porta
da igreja do castelo de Wittenberg, em 31 de outubro de 1517, suas 95
teses, o que gerou um cisma, o luteranismo. Mal procedem os sacerdotes
que reservam aos moribundos penas canônicas no purgatório, dizia o
teólogo alemão em uma de suas teses. Os moribundos são absolvidos de
todas as suas culpas pela morte. Mera doutrina humana predicam aqueles
que asseveram que tão pronto tilinte a moeda jogada na caixa, a alma
saia voando. Por que o Papa, cuja fortuna é hoje mais abundante que a
dos mais opulentos ricos, não constrói sozinho uma basílica de São Pedro
com seu próprio dinheiro, em lugar de fazê-lo com o dos pobres crentes?
Como
as invectivas de Lutero estavam ameaçando a arrecadação de moeda
sonante entre os crentes tementes às chamas, em 1563 o Concílio de
Trento apressou-se a ratificar a existência do purgatório. Que até hoje
existe, como também as indulgências. As plenárias, aquelas que dispensam
o fiel de qualquer chamuscada post-mortem, são concedidas
tradicionalmente em apenas quatro catedrais de Roma - São Pedro, Santa
Maria Maior, São João de Latrão e São Paulo Extramuros.
Diga-se
de passagem que, mostrando seu particular apreço ao Brasil, Sua
Santidade João Paulo II autorizou que fossem concedidas indulgências
plenárias na missa de Finados de 1999, em Santo Amaro, São Paulo, que
contou com o patrocínio da Rede Globo de Televisão e a participação de
600 mil fiéis.
Interessante observar que, nos primórdios da
extorsão vaticana, não se falava em purgatório como substantivo. Mas
como adjetivo: o fogo purgatório. Com a passagem dos séculos, o
purgatório adquiriu foros de cidadania e passou a ocupar um espaço
físico. Se a Bíblia não o situa onde fica, indica-nos pelo menos que
fica perto do inferno. Comentei, há uns três anos, esta localização
geográfica. Sem sabermos onde ficam, sabemos que estão próximos um do
outro. Está em Lucas, 16:19:
“Ora, havia um homem rico que se
vestia de púrpura e de linho finíssimo, e todos os dias se regalava
esplendidamente. Ao seu portão fora deitado um mendigo, chamado Lázaro,
todo coberto de úlceras; o qual desejava alimentar-se com as migalhas
que caíam da mesa do rico; e os próprios cães vinham lamber-lhe as
úlceras. Veio a morrer o mendigo, e foi levado pelos anjos para o seio
de Abraão (que era como os evangelistas chamavam o purgatório); morreu
também o rico, e foi sepultado. No Hades, ergueu os olhos, estando em
tormentos, e viu ao longe a Abraão, e a Lázaro no seu seio. E, clamando,
disse: Pai Abraão, tem misericórdia de mim, e envia-me Lázaro, para que
molhe na água a ponta do dedo e me refresque a língua, porque estou
atormentado nesta chama. Disse, porém, Abraão: Filho, lembra-te de que
em tua vida recebeste os teus bens, e Lázaro de igual modo os males;
agora, porém, ele aqui é consolado, e tu atormentado. E além disso,
entre nós e vós está posto um grande abismo, de sorte que os que
quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem os de lá passar para
nós”.
Como então que o purgatório é “um fogo interior que purifica a alma do pecado”? Bento precisa ler mais os textos sagrados.
Last
but not least, se não temos uma localização do paraíso, parece que
também fica nas cercanias do inferno. São Tomás de Aquino proclamava
que, além da visão do Altíssimo, um dos prazeres essenciais dos que
sobem aos céus era contemplar o os sofrimentos dos que foram arrojados
ao inferno. Os eleitos têm curiosos prazeres.
Fonte: Blog JANER CRISTALDO
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