Trabalhadores de um navio de pesca pirata num cemitério de barcos de pesca, África Ocidental, 2010.
Nas águas desprotegidas da África Ocidental,
barcos de pesca piratas exploram mão-de-obra escrava em condições
desumanas. Uma organização ambiental revela que a maior parte das
espécies que capturam tem como destino os mercados da Europa.
Quando os ambientalistas começaram a seguir um arrastão
sul-coreano equipado com alta tecnologia, na costa ocidental de África,
estavam à procura de encontrar provas de pesca
ilegal que justificassem a diminuição da quantidade de peixe naquela
zona. Mas acabaram por descobrir algo completamente diferente: Uma tão
extrema degradação humana que evoca a escravatura que todos pensávamos
ter sido abolida há mais de um século.
“Era horrível”, disse Duncan Copeland, um militante sénior da Fundação para a Justiça Ambiental, que embarcou no arrastão da Coreia do Sul, no final de 2008, com as forças navais da Serra Leoa.
“Os homens estavam a trabalhar nos porões de peixe, sem ar nem
ventilação, com temperaturas entre os 40 e os 45 graus. Tudo estava
enferrujado, gorduroso, quente e suado. Nas cozinhas havia baratas por
todos os lados e a comida dos trabalhadores estava armazenada em caixas
nojentas. Uma bomba puxava a água salgada com que se lavavam. Todos
cheiravam muito mal. Era um espetáculo devastador.”
À medida que a investigação foi avançado, a fundação encontrou navio
após navio, alguns deles com mais de 40 anos, enferrujados e em muito
mau estado, envolvidos na pesca pirata – uma atividade ilegal que causa
grandes danos nas já de si frágeis quantidades de recursos marinhos e
que explora o trabalho humano de forma chocante. Todos os barcos
envolvidos tinham números da UE, o que indica que possuíam licença
europeia de importação e, teoricamente, tinham passado por apertadas
fiscalizações de condições de higiene.
Os 36 membros da tripulação do barco abordado por Copeland eram da
China, do Vietname, da Indonésia e da Serra Leoa. Oito homens
partilhavam um pequeno espaço sem janelas, no porão de peixe, com quatro
“camas” feitas de papelão colocado sobre pranchas. Enquanto quatro
deles trabalhavam no porão, na triagem e embalamento de peixe destinado
ao mercado europeu, os outros quatro dormiam, e depois alternavam,
literalmente saltando das camas para darem lugar ao turno de descanso
seguinte.
Mais de 18 horas seguidas de trabalho
Os tripulantes originários da Serra Leoa contaram que não recebiam o
pagamento em dinheiro mas sim em caixas “desperdícios” de peixe – os
peixes que, por causa da espécie ou do tamanho, são rejeitados pelo
mercado europeu – que vendem localmente. E se se queixarem são
abandonados pelo capitão na praia mais próxima, acrescentaram.
Em maio, cerca de 150 homens senegaleses foram encontrados a
trabalhar num barco da Serra Leoa; trabalhavam mais de 18 horas
seguidas, de dia e de noite, e comiam e dormiam num espaço que tinha
menos de um metro de altura. O barco tinha um número de licença de
exportação de peixe para a Europa, provando assim que, aparentemente,
tinha passado nas apertadas fiscalizações.
A fundação encontrou muitos arrastões assim no mar, com tripulações a
bordo, e alguns deles a navegar há mais de um ano sem rádio e
equipamento de segurança. “Fui mandado para aqui pela empresa”, diz um
pescador de um arrastão encontrado na costa da Guiné. “A empresa manda
um barco de mantimentos trazer-me comida como peixe e camarões. Ninguém
quer vir para cá.”
As histórias dos pescadores revelam os custos humanos da pesca
pirata, um negócio que se estima envolver a captura de cerca de 11 mil
toneladas de peixe por ano, no valor de 10 mil milhões de dólares (6.3
biliões de libras). Os navios ficam no mar durante meses a fio e, de
duas em duas semanas, recebem a visita de outros barcos que vêm trazer
mantimentos e que levam para terra o peixe entretanto pescado. Como
operam em águas longínquas, conseguem não ser descobertos durante longos
períodos. As tripulações estão, de facto, presas, a maior parte dos
homens não sabe nadar e muitos daqueles com quem os ativistas da
Fundação para a Justiça Ambiental falaram encaixam na definição das
Nações Unidas para trabalho forçado. Copeland garante que são muito
frequentes os casos de violência, retenção de pagamentos e de
documentos.
Barcos usam bandeiras de conveniência
Os investigadores encontraram uma tripulação de 200 senegaleses a
operarem ao largo da Serra Leoa. Os homens viviam numa estrutura
improvisada construída na popa do navio, dividida em quatro andares com
pouco mais de um metro de altura cada um e caixas de cartão empilhadas a
servirem de colchões. O barco não constava da lista oficial de navios
com licença de pesca na Serra Leoa, na altura em que foi avistado. Os
registos provavam que tinha estado em Las Palmas, nas Ilhas Canárias,
que é o principal ponto de desembarque do peixe quem vem da África
ocidental para a Europa e cujas autoridades têm sido muito criticadas
por destacados funcionários da UE pelo seu laxismo nas fiscalizações.
Mas o interesse original dos investigadores, quanto às populações de
espécies de peixes existentes, também produziu resultados preocupantes.
Vários dos navios abordados pela fundação eram arrastões de fundo, com
licença de exportação para a UE, que apanhavam espécies com grande valor
comercial como o camarão, a lagosta e o atum. Como o seu nome indica,
estas embarcações usam uma técnica que consiste em arrastar pesadas
correntes no fundo do mar, arrancando tudo o que encontram no seu
caminho, incluindo corais. Num dos casos, o barco tinha deitado borda
fora mais de 70% da captura.
A fundação afirma que a maior parte da pesca ilegal é levada a cabo
por barcos que usam bandeiras de conveniência. Segundo o direito
marítimo internacional, o país no qual o barco está registado é
responsável pelas suas atividades. Alguns países permitem o registo de
barcos de outras nacionalidades a troco de algumas centenas de dólares e
são famosos por ignorarem as infrações.
Os navios pirata podem mudar de bandeira várias vezes na mesma
temporada e também mudam frequentemente de nome. Por trás deles estão
quase sempre empresas de fachada, o que torna praticamente impossível
descobrir quem são os seus verdadeiros donos e, consequentemente, a
aplicação da lei é extremamente difícil. A multa máxima para a pesca
ilegal ronda os 100 mil dólares, uma quantia muito menor do que o lucro
normalmente conseguido em duas semanas neste género de negócio, explica a
Fundação Justiça Ambiental.
Fonte: PRESSEUROP
Fonte: PRESSEUROP
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