Paulo, o stalinista avant la lettre,
ao chegar na politeísta Atenas escandaliza-se ao ver a cidade cheia de
deuses. Ou de ídolos, como está escrito nos Atos. Epicuristas e estóicos
que o ouviam na ágora se perguntavam: “que quer dizer este charlatão?” E
outros: “parece ser pregador de deuses estranhos; pois anunciava a boa
nova de Jesus e a ressurreição”.
Paulo, de pé em meio ao
Areópago, deita falação: “Varões atenienses, em tudo vejo que sois
excepcionalmente religiosos; porque, passando eu e observando os
objetos do vosso culto, encontrei também um altar em que estava escrito:
AO DEUS DESCONHECIDO. Esse, pois, que vós honrais sem o conhecer, é o
que vos anuncio”.
Ora, os atenienses, temendo ter esquecido
algum deus, haviam erguido por precaução um altar ao eventual deus que
ainda não conheciam. Paulo, com sua retórica proselitista, interpretou a
cautela dos helenos como o anúncio de seu deus particular: “O Deus que
fez o mundo e tudo o que nele há, sendo ele Senhor do céu e da terra,
não habita em templos feitos por mãos de homens; nem tampouco é servido
por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa; pois ele mesmo é
quem dá a todos a vida, a respiração e todas as coisas; e de um só fez
todas as raças dos homens, para habitarem sobre toda a face da terra,
determinando-lhes os tempos já dantes ordenados e os limites da sua
habitação”.
O deus do profeta stalinista era único e excluía
todos os demais deuses. Coisa que os gregos não entendiam. Quando
Alexandre, trezentos anos antes, ao ver-se cultuado como deidade no
Oriente, pediu aos gregos que o entronizassem como deus, os atenienses
foram generosos. Que assim seja. Mais deuses menos deuses, tanto faz
como tanto fez.
Não era esta a proposta de Paulo. O que mais
espantava gregos e romanos, quando aportaram os primeiros cristãos em
Roma e Atenas, era o fato de que o novo deus não tinha nacionalidade. Os
gregos tinham seus deuses, os romanos também, os judeus tinham um
outro, os egípcios tinham também os seus, aliás bem mais antigos que os
deuses gregos e romanos. A que nação pertencia o Cristo? A nenhuma. Não
pertencendo a nenhuma nação, se pretendia o deus de todas. Assim nasce a
peste do monoteísmo. E com o deus único, as guerras religiosas, os
massacres e torturas, a Inquisição.
Nem os antigos judeus
acreditavam na idéia de um deus único. Pois os deuses são muitos na
época do Pentateuco. Jeová é apenas um entre eles, o deus de uma tribo, a
de Israel. Escreve Jean Soler: “Ora, nem Moisés nem seu povo durante
cerca de um milênio depois dele – os autores da Torá incluídos – não
acreditavam em Deus, o Único. Nem no Diabo”. A idéia de um deus único só
vai surgir mais adiante, no dito Segundo Isaías. Reiteradas vezes
escreve o profeta:
"Assim diz o Senhor, Rei de Israel, seu
Redentor, o Senhor dos exércitos: Eu sou o primeiro, e eu sou o último, e
fora de mim não há Deus".
Num acesso de egocentrismo, Jeová se proclama o único:
"Quem
há como eu? Que o proclame e o exponha perante mim! Quem tem anunciado
desde os tempos antigos as coisas vindouras? Que nos anuncie as que
ainda hão de vir. 8 Não vos assombreis, nem temais; porventura não vo-lo
declarei há muito tempo, e não vo-lo anunciei? Vós sois as minhas
testemunhas! Acaso há outro Deus além de mim?"
Ou ainda:
"Eu
sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cinjo,
ainda que tu não me conheças. (...) Porventura não sou eu, o Senhor?
Pois não há outro Deus senão eu; Deus justo e Salvador não há além de
mim".
A Igreja Católica até hoje não se libertou deste viés
totalitário de Paulo. Como Stalin, o papa se pretende dono de uma
verdade universal, à qual devem submeter-se todos os povos da terra.
Após batizar 21 crianças no último domingo, Bento XVI afirmou que os
católicos deveriam dar nomes cristãos a seus filhos em vez de opções "da
moda", muitas de origem anglo-saxônica. De acordo com o jornal italiano
"Corriere della Sera", o papa disse que tal prática beneficiaria o
"renascimento" religioso das crianças.
Que os católicos dêem
nomes cristãos a seus filhos até que se entende. O problema vem logo
adiante. "Cada batizado recebe o caráter de filho a partir do nome
cristão, signo inconfundível que o Espírito Santo faz nascer de novo o
homem a partir do útero da igreja. Sua Santidade encorajou "todos os
fiéis a redescobrirem a beleza de serem batizados" e defendeu o batismo
como algo "secreto" porém "poderosíssimo" e "sobrenatural", colocando a
criança "em comunicação com Deus".
Nos idos do comunismo, os
cristãos se escandalizavam que crianças fossem educadas segundo uma
doutrina materialista e atéia. Mutatis mutandis, os católicos fazem a
mesma coisa. Enfiam goela abaixo em crianças e adolescentes uma fé
absurda, que implica a crença em uma mãe virgem, a idéia de três pessoas
em uma só, a vida eterna e engodos outros. Quando Paulo falou no
Areópago da ressurreição dos mortos, os atenienses disseram mais ou
menos o seguinte: “então volta e depois te ouviremos de novo”.
Nada
mais tirânico que consagrar uma criança a uma fé que ela não tem
condições de entender. As estatísticas da Santa Madre se alimentam deste
embuste. Todo batizado é católico, logo a Igreja tem dois bilhões de
crentes. Ora, isto é uma farsa contábil. Há milhões e milhões de
batizados que nada têm a ver com cristianismo ou catolicismo. Os lusos,
muito lógicos, andaram criando um certificado de desbatismo. Pessoas que
não praticavam a fé que lhes fora imposta escreviam as paróquias para
serem desbatizados.
A beleza de serem batizados, da qual fala
Sua Santidade, no fundo é um instrumento totalitário que constitui um
flagrante atentado aos direitos humanos. Que história é essa de impor a
uma criança uma crença que
1º - ela não tem condições de entender
2º - constituirá uma camisa-de-força para toda a vida, caso dela não se desembarace e,
3º - se fundamenta no absurdo.
Ao louvar as excelências do batismo, Bento XVI se revela herdeiro legítimo do protostalinismo professado por Paulo no Areópago.
Fonte: Blog do JANER CRISTALDO
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