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quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

Juízes preparam greve para hoje por reajustes de vencimentos

 

Les Gens de Justice
Daumier: Les Gens de Justice

Ontem, terça-feira (29), estive com o magistrado antimáfia Roberto Scarpinato na favela Dona Marta, a primeira a receber uma unidade pacificadora.
Scarpinato integra a magistratura do Ministério Público. Ele comanda um pool de juízes designados para realizar a repressão e apreensão, em todo o planeta, de capitais da Máfia siciliana.
No período de 2006 a 2010 (quatro anos), Scapinato e sua equipe conseguiram apreender e repatriar para a Itália US$ 8 bilhões. No Brasil, o ex-banqueiro Cacciola continua com o bolso a salvo. E o juiz apelidado Lalau permanece, da sua mansão-presídio no aristocrático bairro do Morumbi, a lutar, com apoio de advogados brasileiros e estrangeiros, para evitar a apreensão e a repatriação de parte do patrimônio sem origem conhecida. O mesmo sucede com Paulo Maluf que, se sair do Brasil, será preso por mandado internacional de prisão por de lavagem de dinheiro.
Na favela Dona Marta, onde anos atrás o cantor Michael Jakson pagou a Marcinho VP para gravar um clip no local, o magistrado Scarpinato elogiou a implantação da unidade pacificadora. Mas ele ficou horrorizado com a pobreza que impera no lugar. Mais ainda, perguntou se os moradores, cerca de 8 mil, não se rebelavam. Coube-me revelar ao referido Scarpinato o compromisso da presidente Dilma com a erradicação da miséria.
Num país que luta para erradicar a miséria com programas de bolsas às famílias carentes, os magistrados das Justiça Federal e do Trabalho poderão, no dia de hoje, cruzar os braços. Isto para  reivindicar  correção nas remunerações. Serão seguidos pelos serventuários da Justiça.
Os juízes, para justificar essa pretensão, lembram da garantia estabelecida a eles na Constituição da República, ou seja, a garantia da irredutibilidade dos vencimentos.
Por outro lado, com relação à greve, não deveriam esquecer a obrigação fundamental de não se denegar Justiça. Quando são adiadas audiências e postergadas decisões por greve de magistrados se está, data venia entendimentos contrários, a denegar Justiça.
Por outro lado, o que se nota é que os magistrados, nas questões de bolso, não percebem seu descrédito junto à sociedade civil.
Não se deve esquecer as inúmeras e pesadas críticas recebidas pelo ministro Cezar Peluso, presidente do Supremo Tribunal Federal, que, há pouco, encaminhou ao Legislativo um anteprojeto de lei sobre a revisão dos vencimentos da magistratura, a saltar de brutos R$ 26.723 para R$ 30.675.
A novidade desse projeto de Peluso prende-se à possibilidade futura — por meio de Ato Administrativo do próprio Judiciário — de reajustes automáticos para compor perdas inflacionárias. Com isso, pretende-se ressuscitar em prol de todos os magistrados, da ativa e aposentados, o “gatilho salarial”, de triste memória. Para completar, o procurador-geral da República encaminhou, a beneficiar o Ministério Público Federal, igual anteprojeto ao Legislativo.

Pano Rápido. Com a greve programada para hoje, os magistrados federais e trabalhistas pretendem colocar pressão para se solucionar com maior rapidez uma questão de “bolso de toga”, num Brasil que luta para erradicar a miséria e numa Europa mergulhada em crise econômica, com elevado índice de desemprego, e com salários e pensões sendo rebaixados.

Wálter Fanganiello Maierovitch

Fonte: portal TERRA

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Contraponto:

Greve da magistratura

O dia em que a magistratura parou

Deflagrada a mobilização da Magistratura federal neste emblemático dia 30 de novembro— mas, digo de chofre, com amplo respeito ao jurisdicionado, que terá pronto atendimento nas tutelas de urgência —, e diante de tudo aquilo que tem sido democraticamente debatido em toda a imprensa nacional nas últimas semanas, sirvo-me deste espaço para apresentar a você, leitor, um breve extrato das razões da Magistratura. Para a sua reflexão, apenas; não para a polêmica. Porque todas as escolhas são democráticas (ou não são escolhas); e todos os debates também o são (ou não são debates). Ouvir primeiro, condenar depois, é a primeira lição que se aprende nas fileiras do Poder Judiciário.
Sobre o movimento que hoje se deflagra, algumas coisas precisam ser ditas e bem entendidas. Ainda que não se concorde com este grito de socorro, estridente e absolutamente indesejado (indesejado, diga-se, por parte dos próprios juízes), é preciso ao menos entendê-lo. É só o que pedimos ao grande público. Vejamos.
(a)O movimento é justo. Os juízes do Trabalho amargam perdas inflacionárias que ultrapassam 22%, considerando-se a reposição parcial obtida em 2009 (9%). Esse estado de coisas viola a Constituição Federal, que estabelece o dever da União em revisar anualmente os subsídios da Magistratura, como se lê textualmente na parte final do art. 37, X, da Constituição Federal.
Dir-se-ia que essa garantia estende-se a todos os servidores públicos, o que é verdadeiro. Mas, no caso da Magistratura nacional, a corrosão da capacidade de compra da moeda representa, em modo oblíquo, uma violação à garantia da irredutibilidade de subsídios (art. 95, III, da CRFB). E as prerrogativas da Magistratura, que asseguram a autonomia das decisões e a independência dos juízes (porque a nossa missão envolve, não raro, desagradar os poderosos), interessam ao próprio Estado Democrático de Direito. Não digo isto em tom panfletário.
Acreditamos nesta relação. Acreditamos, portanto, que lutamos por algo nobre — tanto mais quando a isso se agregam as questões relacionadas à previdência pública (prestes ao desmonte parcial, e para todo o serviço público, à mercê do Projeto de Lei n. 1.992/2007, tramitado a toque de caixa pelo Governo Federal), à saúde e à segurança pessoal e institucional dos juízes (quatro juízes assassinados nos últimos dez anos, sendo que aos contextos de ameaça e necessidade geralmente se opõe o mesmo e inacabado argumento: “não há efetivo policial”). Quem confiaria em um juiz que, nos atos da sua vida privada ou nas refregas do seu dia-a-dia, deixa-se espoliar? Em um juiz que, violentado em seus direitos, não protesta pela sua preservação? Que não lute por suas garantias institucionais? E, se juramos cumprir a Constituição, não tenham dúvidas: essa também é uma maneira de fazê-la cumprir.
(b) O movimento é ético. Os juízes do Trabalho não vão simplesmente “parar”, no sentido etimológico da palavra. Não deixarão a população padecer de inanição judiciária, lançada à própria sorte. Redesignarão audiências, é verdade; mas o farão para breve, de modo a causar mínimo prejuízo. E estarão todos, necessariamente,nos fóruns e unidades judiciárias, em todo o Brasil, atendendo a partes e advogados nas demandas por tutelas de urgência. Ausentar-se-ão, quando muito, para a participação em atos públicos nos quais essas circunstâncias sejam esclarecidas com transparência. Porque é agora preciso o diálogo com a imprensa e a sociedade civil, já que o diálogo com os demais poderes da República não apresentou quaisquer frutos até aqui.
(c) O movimento é Constitucional. O recurso à paralisação é a consumação de um derradeiro ato de resistência legítima, ínsita à própria natureza humana (art. 8º, n. 1, "d", do Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas), quando outros instrumentos não se revelam mais viáveis. A Constituição só o nega às carreiras militares (art. 142, §3º, IV, da CF); e a norma constitucional restritiva há de ser interpretada restritivamente.
A Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho, por sua vez, garante aos servidores públicos em geral “os direitos civis e políticos essenciais ao exercício normal da liberdade sindical, sujeitos apenas às obrigações decorrentes de seu regime jurídico e da natureza de suas funções”, o que evidentemente inclui o máximo direito de resistência no campo profissional (e o que faremos, diga-se, não realiza em toda a plenitude o que prevê o art. 9º da Constituição, ao tratar do direito de greve). A defesa das prerrogativas da Magistratura não pode, sem mais, ser equiparada a “sentimento ou interesse pessoal” para quaisquer efeitos. Luta-se pelo cumprimento da Lei Maior. Não há nisso, afinal, interesse público?
(d) O movimento é necessário. O Poder Judiciário brasileiro está à mercê da boa vontade dos demais Poderes da República, conquanto pudesse não estar. Tramita no Supremo Tribunal Federal o Mandado de Injunção n. 4067/2011, ajuizado por inúmeras entidades de classe que compõem a Frente Associativa da Magistratura e do Ministério Público (FRENTAS), além da própria Associação dos Magistrados do Brasil (AMB). A Magistratura acreditou no tirocínio dos Ministros do STF e recorreu à sua instância mais eminente, no afã de assegurar aos juízes o que os juízes asseguram aos cidadãos: o cumprimento das leis e da Constituição. Frustrou-se, porém, também lá.
Não há nada mais difícil do que mobilizar juízes para um protesto como este, do dia 30/11, que apenas por existir já é histórico. As defecções iniciais a qualquer movimento mais drástico, em todas as regiões do país, bem o demonstra. Se chegamos até aqui, é porque não nos foi dada alternativa. Todos os outros apelos — ao Poder Executivo, ao Poder Legislativo e ao próprio Poder Judiciário — foram baldados.
 (e) O movimento é de todos. Parecerá inconsistente ou demagógico, mas preciso dizê-lo. A mobilização deste dia 30/11 serve, afinal, ao interesse de todos. Serve, sim, ao interesse dos juízes— o de que se cumpra a Constituição onde ela os favorece. Mas o que reivindicamos assegurará que os juízes de amanhã integrem uma carreira digna, plena de garantias, para a defesa intimorata dos direitos do cidadão e da sociedade. Mais que isso, assegurará uma carreira profissionalmente interessante, mesmo aos olhos dos melhores bacharéis. Logo, uma Magistratura de excelência. Por isso, ouso dizer: a mobilização de 30/11 interessa a toda a sociedade civil.
Já não causa espanto, hoje em dia, o fato de as fileiras da Magistratura perderem quadros para outras carreiras de Estado, como a própria advocacia pública. Isso porque, diversamente das carreiras estruturadas mais recentemente, os direitos assegurados aos juízes constam de alguns poucos artigos da Constituição e da nossa antiga lei orgânica, que data da década de setenta (Lei Complementar n. 35/1979) — e tem foros de taxatividade. Mas é preciso insistir: não pedimos nem mais, nem menos. Neste momento, a Magistratura pede tão somente o que já consta destes textos e lhe tem sido negado.
Que um dia como o de hoje nunca mais seja necessário. Mas que, pelo sacrifício que se imporá a todos (juízes e cidadãos), um dia lembremos apenas vagamente destes tempos obscuros em que a própria Magistratura nacional precisou recorrer à resistência coletiva para denunciar publicamente a sonegação de seus direitos. E com pesar se diga: naquele tempo, não eram mais a última trincheira.

Guilherme Guimarães Feliciano é juiz do Trabalho e membro da Comissão Legislativa da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho

Revista Consultor Jurídico, 30 de novembro de 2011

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