Título original: O universo não precisa de deus
por Peter Moon, da Época
É deus! É assim mesmo como se lê no título: em letras minúsculas. Por que eu deveria escrever o substantivo “deus” com um dê maiúsculo se para mim tal entidade não existe?
Por que diferenciar o “deus” único com a sagração de uma maiúscula se, para mim, ele em nada se diferencia dos deuses do panteão greco-romano, dos santos do umbanda e do candomblé, das divindades animistas adoradas pelos antigos egípcios ou por tribos amazônicas e africanas nossas contemporâneas?
Sou ateu. Sou agnóstico. Escolha o nome que preferir. Não sou chato. Nunca procurei vender o meu peixe e convencer ninguém a abandonar as suas crenças e a sua fé. É por isso que me incomoda a gana evangelizadora dos tementes a deus. Quantas vezes eu fui obrigado a atender o interfone em pleno sábado à tarde para ouvir a voz de alguma senhora no portão de casa dizendo trazer uma mensagem de conforto ou uma palavra de fé?
“Não, obrigado. Não estamos interessados. Nesta casa somos todos ateus”, costumo responder.
Intolerante, eu? Sim, eu sei, não precisaria ser grosso. Mas por acaso sou eu quem toca a campainha alheia com o firme propósito de mudar as convicções íntimas do outro?
Ser grosso é um atenuante eficaz para afugentar missionários do meu portão, evitando que comecem com a sua arenga evangelizadora. Se eles creem num mundo assombrado pelo demônio, por que eu não deveria fazer uso da sua crença no tinhoso para enxotá-los da minha soleira?
por José Geraldo Gouvêa
Argumentar significaria prolongar a conversa e a perda de tempo. E o tempo é o bem mais escasso da vida. Começa-se a perdê-lo no instante em que se nasce. A morte, seguida pelo esquecimento, é o denominador comum da vida. Por que esta é uma ideia tão desconfortável?
O universo tem 13,7 bilhões de anos. A Via Láctea tem 13 bilhões de anos. O Sol e a Terra têm 4,6 bilhões de anos. Logo depois disso, tão logo a Terra teve condições de abrigar vida, esta evoluiu e prosperou. As evidências mais antigas de vida têm 3,8 bilhões de anos. Por quatro quintos de sua história, a vida na Terra se manteve invisível. Limitou-se ao plano bacteriano, unicelular. Seres complexos, pluricelulares, os ancestrais dos animais e das plantas, evoluíram há, talvez, 800 milhões de anos.
A vida saiu dos mares para povoar os continentes e os céus há apenas 500 milhões de anos. A vida em terra firme é 2.500 vezes mais antiga do que o Homo sapiens. O homem anatomicamente moderno evoluiu na África há 200 mil anos. Já o homem cognitivamente moderno é bem mais recente. Segundo evidências arqueológicas, a nossa habilidade de reproduzir a natureza em pinturas rupestres, a nossa capacidade de entalhar símbolos e figuras decorativas em osso e pedra não tem mais do que 70 mil anos.
Há 70 mil anos o cérebro humano deve ter assumido a sua capacidade plena, armando-nos com a melhor das ferramentas e a pior arma que qualquer predador desejaria: a consciência. Com ela brotaram nossos sonhos, nossas angústias, nossos desejos, nossa inconformidade com a condição humana e nossa busca por um sentido para a vida.
Segundo os biólogos evolutivos, a fé pode ter surgido como uma invenção intelectual que fornecia sentido à vida num mundo infestado por feras e açoitado por desastres naturais. Na luta pela sobrevivência, a evolução da fé e do seu subproduto, a religião, podem ter servido para amalgamar o tecido social, congregando bandos de caçadores indefesos em aldeias e em tribos.
Pertencer a uma tribo era uma vantagem adaptativa considerável. Os homens caçavam e guerreavam em grupo. As mulheres, também em grupo, colhiam frutas e raízes, cozinhavam, teciam, pariam e cuidavam dos filhos. Quando ocorriam estiagens prolongadas, as chances de sobrevivência eram maiores entre os membros da tribo do que entre os caçadores de bandos isolados. Em épocas de fartura, a população da tribo aumentava. A necessidade de encontrar conforto no sobrenatural, também.
Até o século XVI, as explicações para os mistérios da natureza e as respostas para as nossas dúvidas existenciais eram fornecidas com exclusividade pelas diversas religiões, seus dogmas e mitos. Aí, há 400 anos, veio Copérnico. Este foi seguido por Galileo, e depois por Kepler, e então por Newton. A obra destes gigantes tomou das mãos do divino o poder de explicar a natureza.
Hoje sabemos como e quando o universo surgiu. Desvendamos os segredos da vida. Fomos à Lua. Dividimos o átomo. Sabemos que lá longe, o espaço escuro está coalhado por centenas de bilhões de galáxias, cada uma com bilhões de estrelas, em torno das quais há bilhões de planetas.
Se a brevidade com que a vida fincou raízes na Terra é um parâmetro que pode ser generalizado, então o universo está infestado de vida – não necessariamente de vida inteligente. Novamente, se as evidências terrestres podem servir de parâmetro, a vida inteligente não seria a norma, mas uma exceção à regra. Por que a inteligência evoluiu na espécie humana há 200 mil anos e não em alguma salamandra que viveu há 270 milhões de anos, no período Permiano, quando a biosfera era tão complexa quanto a atual?
Na história da vida na Terra, a evolução da consciência é um acidente de percurso. Neste sentido, nós somos privilegiados e vivemos num momento mais do que especial. Não vivemos mais num mundo assombrado pelo demônio. Graças à ciência, o bicho homem descobriu enfim qual é o seu lugar no cosmo. Se em algum momento nos 4,5 bilhões de anos deste planeta existiram deuses, então eles somos nós.
Ainda assim, entra ano e sai ano, em qualquer região do planeta, em sociedades ricas e também nas menos desenvolvidas, toda a vez que se faz uma pesquisa para tentar aferir o grau de religiosidade de determinado país ou extrato da sociedade, o resultado é sempre o mesmo. Repetidamente, 99% dos entrevistados dizem ter alguma forma de fé ou de espiritualidade, afirmam pertencer a uma religião formal, crer num deus ou em uma entidade criadora. Eles creem na vida eterna, na vida após a morte, em reencarnações, no sobrenatural, em anjos e em demônios.
Consistentemente, só 1% dos entrevistados afirma não ter fé nem religião.
São os ateus, os agnósticos, dê o nome que preferir. Muito prazer.
por Peter Moon, da Época
É deus! É assim mesmo como se lê no título: em letras minúsculas. Por que eu deveria escrever o substantivo “deus” com um dê maiúsculo se para mim tal entidade não existe?
Por que diferenciar o “deus” único com a sagração de uma maiúscula se, para mim, ele em nada se diferencia dos deuses do panteão greco-romano, dos santos do umbanda e do candomblé, das divindades animistas adoradas pelos antigos egípcios ou por tribos amazônicas e africanas nossas contemporâneas?
Sou ateu. Sou agnóstico. Escolha o nome que preferir. Não sou chato. Nunca procurei vender o meu peixe e convencer ninguém a abandonar as suas crenças e a sua fé. É por isso que me incomoda a gana evangelizadora dos tementes a deus. Quantas vezes eu fui obrigado a atender o interfone em pleno sábado à tarde para ouvir a voz de alguma senhora no portão de casa dizendo trazer uma mensagem de conforto ou uma palavra de fé?
“Não, obrigado. Não estamos interessados. Nesta casa somos todos ateus”, costumo responder.
Intolerante, eu? Sim, eu sei, não precisaria ser grosso. Mas por acaso sou eu quem toca a campainha alheia com o firme propósito de mudar as convicções íntimas do outro?
Ser grosso é um atenuante eficaz para afugentar missionários do meu portão, evitando que comecem com a sua arenga evangelizadora. Se eles creem num mundo assombrado pelo demônio, por que eu não deveria fazer uso da sua crença no tinhoso para enxotá-los da minha soleira?
por José Geraldo Gouvêa
Argumentar significaria prolongar a conversa e a perda de tempo. E o tempo é o bem mais escasso da vida. Começa-se a perdê-lo no instante em que se nasce. A morte, seguida pelo esquecimento, é o denominador comum da vida. Por que esta é uma ideia tão desconfortável?
O universo tem 13,7 bilhões de anos. A Via Láctea tem 13 bilhões de anos. O Sol e a Terra têm 4,6 bilhões de anos. Logo depois disso, tão logo a Terra teve condições de abrigar vida, esta evoluiu e prosperou. As evidências mais antigas de vida têm 3,8 bilhões de anos. Por quatro quintos de sua história, a vida na Terra se manteve invisível. Limitou-se ao plano bacteriano, unicelular. Seres complexos, pluricelulares, os ancestrais dos animais e das plantas, evoluíram há, talvez, 800 milhões de anos.
A vida saiu dos mares para povoar os continentes e os céus há apenas 500 milhões de anos. A vida em terra firme é 2.500 vezes mais antiga do que o Homo sapiens. O homem anatomicamente moderno evoluiu na África há 200 mil anos. Já o homem cognitivamente moderno é bem mais recente. Segundo evidências arqueológicas, a nossa habilidade de reproduzir a natureza em pinturas rupestres, a nossa capacidade de entalhar símbolos e figuras decorativas em osso e pedra não tem mais do que 70 mil anos.
Há 70 mil anos o cérebro humano deve ter assumido a sua capacidade plena, armando-nos com a melhor das ferramentas e a pior arma que qualquer predador desejaria: a consciência. Com ela brotaram nossos sonhos, nossas angústias, nossos desejos, nossa inconformidade com a condição humana e nossa busca por um sentido para a vida.
Segundo os biólogos evolutivos, a fé pode ter surgido como uma invenção intelectual que fornecia sentido à vida num mundo infestado por feras e açoitado por desastres naturais. Na luta pela sobrevivência, a evolução da fé e do seu subproduto, a religião, podem ter servido para amalgamar o tecido social, congregando bandos de caçadores indefesos em aldeias e em tribos.
Pertencer a uma tribo era uma vantagem adaptativa considerável. Os homens caçavam e guerreavam em grupo. As mulheres, também em grupo, colhiam frutas e raízes, cozinhavam, teciam, pariam e cuidavam dos filhos. Quando ocorriam estiagens prolongadas, as chances de sobrevivência eram maiores entre os membros da tribo do que entre os caçadores de bandos isolados. Em épocas de fartura, a população da tribo aumentava. A necessidade de encontrar conforto no sobrenatural, também.
Até o século XVI, as explicações para os mistérios da natureza e as respostas para as nossas dúvidas existenciais eram fornecidas com exclusividade pelas diversas religiões, seus dogmas e mitos. Aí, há 400 anos, veio Copérnico. Este foi seguido por Galileo, e depois por Kepler, e então por Newton. A obra destes gigantes tomou das mãos do divino o poder de explicar a natureza.
Hoje sabemos como e quando o universo surgiu. Desvendamos os segredos da vida. Fomos à Lua. Dividimos o átomo. Sabemos que lá longe, o espaço escuro está coalhado por centenas de bilhões de galáxias, cada uma com bilhões de estrelas, em torno das quais há bilhões de planetas.
Se a brevidade com que a vida fincou raízes na Terra é um parâmetro que pode ser generalizado, então o universo está infestado de vida – não necessariamente de vida inteligente. Novamente, se as evidências terrestres podem servir de parâmetro, a vida inteligente não seria a norma, mas uma exceção à regra. Por que a inteligência evoluiu na espécie humana há 200 mil anos e não em alguma salamandra que viveu há 270 milhões de anos, no período Permiano, quando a biosfera era tão complexa quanto a atual?
Na história da vida na Terra, a evolução da consciência é um acidente de percurso. Neste sentido, nós somos privilegiados e vivemos num momento mais do que especial. Não vivemos mais num mundo assombrado pelo demônio. Graças à ciência, o bicho homem descobriu enfim qual é o seu lugar no cosmo. Se em algum momento nos 4,5 bilhões de anos deste planeta existiram deuses, então eles somos nós.
Ainda assim, entra ano e sai ano, em qualquer região do planeta, em sociedades ricas e também nas menos desenvolvidas, toda a vez que se faz uma pesquisa para tentar aferir o grau de religiosidade de determinado país ou extrato da sociedade, o resultado é sempre o mesmo. Repetidamente, 99% dos entrevistados dizem ter alguma forma de fé ou de espiritualidade, afirmam pertencer a uma religião formal, crer num deus ou em uma entidade criadora. Eles creem na vida eterna, na vida após a morte, em reencarnações, no sobrenatural, em anjos e em demônios.
Consistentemente, só 1% dos entrevistados afirma não ter fé nem religião.
São os ateus, os agnósticos, dê o nome que preferir. Muito prazer.
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